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29º FANTASIA FILM FESTIVAL | Sham, de Takashi Miike (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 15 de ago.
  • 4 min de leitura

A partir de um linchamento social, Sham! nos leva ao tribunal para repensarmos em nossos próprios comportamentos em relação à informação enquanto sociedade.


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No Japão ou no Brasil, independentemente das barreiras geográficas e culturais que possam separar ambos os países, é notável que um elemento (dentre tantos outros, certamente) se mantém intacto: a natureza humana. Pode ser que os valores que nos guiam em vida sejam diferentes daqueles que guiam o povo japonês, ou norte-americano, ou dos diversos países da Europa, que seja, mas o ser humano tende a se comportar de maneiras parecidas, por instinto. É exatamente o que retrata o novo longa de Takashi Miike, Sham – o segundo no ano, inclusive -, exibido nesta edição do Fantasia Film Festival, após sua estreia no Festival de Tribeca.

 

Na trama, baseada em fatos, e adaptada do livro escrito por Masumi Fukuda, o professor de escola primária Seiichi Yabushita é acusado, pela mãe de um dos estudantes, de aplicar punições físicas na criança, desde tapas, socos, chutes até mesmo o incentivo ao suicídio. Tudo, em tese, pelo fato da criança, japonesa, ter descendência norte-americana.

 

Durante os primeiros vinte minutos, com início no tribunal, mostrando a entrada repleta de jornalistas e toda uma cobertura midiática no entorno do caso, em alvoroço com a chegada do protagonista, Miike ilustra o ponto de vista da mãe e, consequentemente, da criança, sobre os fatos colocados à mesa. Desde o primeiro contato, o primeiro indício de violência, e as próprias agressões, tudo é cruamente colocado em tela com um ar revoltante, construindo um ambiente escolar insalubre, com um professor excessivamente sádico a frente dos alunos, e sobretudo, preconceituoso. A reação imediata com o espectador é de um ódio natural frente ao que é testemunhado em tela – é impossível uma pessoa manter-se neutra frente a tamanha crueldade, de formas tão explícitas.

 

No entanto, os cento e dez minutos que sucedem esse prólogo é uma grande desconstrução dessas acusações formuladas. Não é nenhuma surpresa a não comprovação dos fatos narrados inicialmente, pelas vozes de personagens não confiáveis – os antagonistas da narrativa. Ainda que se tente esconder essa rápida virada, a estrutura assumidamente “rashomoniana” é incapaz de esquivar o olhar de um espectador mais atento dos próximos passos, o que, na prática, não é um problema para a obra. Essa reviravolta, na verdade, tem como o “surpreender” um efeito secundário, quando o primeira é, na verdade, uma imersão à história contada a partir da indignação.

 

Tal qual é natural que nos choquemos nos minutos iniciais com a encenação das acusações formuladas pela família do aluno, a mídia e a população local também pensou desta forma. Não à toa, antes mesmo do caso chegar à Justiça, o povo e os veículos de comunicação já tinham tomado partido e escolhido um lado – e infelizmente, o lado errado, a partir de informações superficiais e sem qualquer comprovação prática, como uma chance do protagonista refutar as acusações.

 

Pode parecer algo absurdo quando acompanhamos a narrativa sob um ponto de vista neutro, fora daquele ambiente e com informações mais concretas acerca do que é mostrado. No entanto, situações como essa, de linchamento midiático, acontecem diariamente, em todos os lugares do planeta, agora com ainda mais incidência a partir das redes sociais. Por isso que, quando no Brasil ou no Japão, o ser humano se comporta de uma mesma forma independentemente das diferenças culturais. Se um caso como tal ocorreu no Japão, com um professor em 2003, algo parecido acontecera anos antes, na década de 1990, aqui em São Paulo, com a “Escola Base”.

 

Nessa esteira de desconstrução, a direção de Takashi Miike em Sham busca por um olhar humano dentro daquilo que retrata. Sua câmera foca na claustrofobia, na exclusão social e no linchamento psicológico sofrido pelo protagonista, em uma mise-en-scène quase sempre caótica, em locais abarrotados, sempre bagunçados, desorganizados (tal qual sua vida, “de cabeça para baixo”), em um aspecto trágico de um ser humano em crise, sofrendo com uma pena que a sociedade lhe imputou, sem ao menos tê-lo escutado – algo que se estende até mesmo a sua dificuldade em encontrar apoio jurídico, na medida em que nem mesmo advogados gostariam de representá-lo em juízo. Tudo isso contando com a excelente atuação Gô Ayano, que transita entre o sádico, no prólogo, e o sentimental ser humano no restante do filme, característica que define o protagonista.

 

Acaba que Sham se torna um alerta, tanto para a sociedade quanto para a própria mídia e classe jornalística acerca do poder da informação, e acima de tudo, de seus efeitos destrutivos quando veiculadas de maneiras inapropriadas ao grande público – algo que, como já disse, tornou-se ainda pior na atualidade, com o advento da internet, redes sociais e as chamadas notícias falsas. Acaba sendo, ao mesmo tempo, também uma reafirmação da importância do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência e das provas no processo judicial, em tons muito bem ilustrados. E ainda,  é com o presente longa que Takashi Miike reforça sua versatilidade enquanto cineasta, recusando-se a se acomodar, a partir de um thriller jurídico contido em relação ao seu estilo exagerado de costume (muito presente no outro longa do ano, Blazing Fists, também na seleção do Fantasia, e com crítica já publicada por aqui), profundamente preocupado em trabalhar relações e sentimentos, o que extrai muito bem com o olhar de uma câmera provocativa, capaz de escancarar a contradição da humanidade ao longo de cento e trinta minutos densos em meio a um linchamento social injusto e infundado, nos incentivando a repensar em nossas próprias posições em relação ao que vemos e ouvimos através da mídia e das pessoas de nosso próprio convívio. É um daqueles filmes que não acabam com os créditos, mas nos deixam uma pulga atrás da orelha para que pensemos em, assim como a narrativa, também nos desconstruir.

 

Avaliação: 4.5/5

 

Sham! (Idem, 2025)

Direção: Takashi Miike

Roteiro: Hayashi Mori, adaptado de Masumi Fukuda (livro)

Gênero: Drama, Thriller

Origem: Japão

Duração: 129 minutos (2h09)

29º Fantasia Film Festival

 

Sinopse: Quando uma criança mostra sinais de eventos traumáticos na escola, seus pais agem rapidamente contra o professor do ensino fundamental. Mas nem tudo pode ser o que parece, levando a balança da justiça a se inclinar de maneiras fascinantes e comoventes. (Fonte: TMDB - Adaptado)

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