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CRÍTICA | Entre Montanhas, de Scott Derrickson (The Gorge, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 25 de fev.
  • 4 min de leitura

Alterando entre gêneros, Entre Montanhas se reinventa constantemente, entre a ação, o romance e o terror.



Chega a ser assustador pensar em como a Apple, com um filme do porte de Entre Montanhas e com tanto potencial em mãos, tenha simplesmente o despejado em seu catálogo, e sem fazer qualquer alarde ou publicidade. Pois não é todos os dias que se reúne Anya Taylor-Joy com Miles Teller em uma superprodução até ousada, ao misturar diversos gêneros, com direção de Scott Derrickson. Mas independentemente de publicidade ou não, o filme surtiu efeitos na plataforma, por alavancou significativamente o número de assinantes e espectadores da obra, sobretudo em sua segunda semana – com toda a razão.

 

Ao contrário de tantos outros projetos ambiciosos que não tem noção de como lidar com as próprias ideias, ainda mais quando misturam gêneros, Entre Montanhas acerta ao saber aproveitar suas duas horas de duração. Desde o primeiro momento se estabelece com muita calma os personagens protagonistas, explorando suas nuances pessoais que demonstram a ausência de laços afetivos e familiares, de maneiras distintas, que os permite embarcar na missão que lhes é dada: a proteção de um desfiladeiro secreto, em localização incerta.

 

As razões para tanto, porém, não são esclarecidas de momento. O que sabem é que ficarão literalmente um ano desprovidos de qualquer contato humano, cada um de um lado do desfiladeiro, sem qualquer meio de comunicação com o mundo exterior, ou mesmo um com o outro – na realidade, apesar da mesma tarefa, ambos não se conhecem, nunca se viram e nem sabem da existência, são encaminhados ao local por meios diversos e igualmente sem contato.

 

Esse clima de mistério, muito bem estabelecido, é um dos alicerces de Entre Montanhas, enquanto apesar de um filme de ação, encontra no terror bons elementos, especialmente na forma de trabalhar o medo do desconhecido e seus perigos, que vai de encontro a quase toda filmografia do diretor.

 

A maior inspiração do roteiro assinado por Zach Dean, certamente, é uma dinâmica de videogames, algo que já havia trabalhado de maneira distinta em A Guerra do Amanhã (de Chris McKay, 2021), a partir de outras ideias, em um outro contexto. Toda essa primeira metade do longa se constrói na base de um conceito meio “tower defense”, levado para as telas com literalidade, a partir das torres defendidas pelos protagonistas contra aquilo que pode tentar sair do fundo do desfiladeiro.

 

Em meio ao tédio da solidão, era lógico pensar que em algum momento o contato entre ambos os lados seria estabelecido, o que logo evolui para um romance cujo texto constrói com paciência, enquanto os personagens percebem o quanto possuem em comum através da comunicação escrita e à distância. A montagem, assinada por Frédéric Thoraval, sabe habilmente trabalhar com a passagem do tempo, e a câmera de Derrickson não esconde os sentimentos do casal um pelo outro, o que se sustenta inclusive quando estão juntos, fisicamente, no desenrolar da narrativa, momento em que se dá a brusca mudança na tonalidade na medida em que esquecem, momentaneamente, do desfiladeiro que precisam proteger.

 

Acontece que, antes de abraçar a ação e o terror propriamente, nesta primeira metade, uma decisão criativa tomada logo no final do primeiro ato, envolvendo o personagem interpretado por Sope Dirisu, enfraquece, ainda que levemente, o clima de mistério ao entregar algo cedo demais. É como se não soubessem aproveitar propriamente sua saída de cena, que poderia ser melhor utilizada talvez com seu retorno em um momento posterior, até como forma de entregar algumas respostas aos mistérios propostos de forma mais natural – e quem sabe macabra.

 

A partir da virada narrativa que leva à instauração do caos, a atmosfera muda por completo, e o que antes se ancorava em uma dinâmica de “tower defense” agora investe na ação em uma atmosfera que evoca títulos como Silent Hill (referenciado pela névoa que dificulta a progressão no espaço) e até o universo de histórias interativas, pautadas no terror e na ficção científica (como a franquia The Dark Pictures Anthology).

 

No entanto, onde Entre Montanhas melhor encontra inspiração é na franquia Resident Evil, não apenas pelo eixo temático que escolhe, mas até mesmo no design gráfico das criaturas, muito bem trabalhado pela equipe de efeitos visuais, assim como o CGI caprichado, na medida de um realismo fantasioso, e na maneira como articula a ação, se deixando levar por sequências absurdas que se coadunam perfeitamente com o clima de tensão e terror estabelecido (provando, inclusive, que compreende mais da franquia de games do que qualquer das adaptações cinematográficas anteriores, seja pelos filmes do universo de Paul W. S. Anderson ou mesmo a tentativa falha de reboot, em 2021).

 

Nisso, a decupagem de Derickson é certeira também em saber como estabelecer o perigo e propor soluções às situações se aproveitando do ambiente no entorno dos personagens, e nos equipamentos que carregam, aumentando o desafio na medida em que a munição e os recursos se tornam escassos, e as criaturas notavelmente mais poderosas.

 

A trilha sonora, assinada pela talentosa dupla Trent Raznor e Atticus Ross, é de suma importância na contribuição dessa tensão, enquanto revela o nível de dificuldade do desafio encarado pelos protagonistas, emulando, por exemplo, um som de sirene nos momentos de maiores emergências.

 

Assim, apesar de um desfecho batido, há todo um respeito no encerramento à proposta narrativa, que mantém o caráter de videogame, chegando em algo parecido com os jogos citados. Essa alternância entre gêneros, que se mesclam a todo momento, é a chave que diferencia Entre Montanhas de tantos outros filmes, em primeiro pela coragem de abraçar a própria atmosfera sem receios; depois pela calma em desenvolvê-la através de um romance entre os protagonistas, que fortalece a relação entre eles nos momentos de ação, justificando seus sacrifícios; para, no fim, chegar a uma dinamicidade narrativa, sempre se reciclando com elementos novos sem abandonar o que já foi trabalhado anteriormente.

 

Avaliação: 4/5

 

Entre Montanhas (The Gorge, 2025)

Direção: Scott Derrickson

Roteiro: Zach Dean

Gênero: Ação, Romance, Thriller, Terror

Origem: EUA, Reino Unido

Duração: 127 minutos (2h07)

Disponível: AppleTV+

 

Sinopse: Dois agentes altamente treinados se aproximam à distância após serem enviados para proteger lados opostos de um desfiladeiro misterioso. Quando um mal emerge, eles precisam trabalhar juntos para conter e sobreviver ao que está lá dentro. (Fonte: IMDB - Adaptado)

 
 
 

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