XXI FANTASPOA | It Needs Eyes, de Zack Ogle e Aaron Pagniano (Idem, 2025)
- Henrique Debski

- 13 de mai.
- 4 min de leitura
Sobre o vício nas telas gerado pelas redes sociais, It Needs Eyes trabalha bem seu arco investigativo e o mistério no entorno, mas com representações problemáticas.

É muito curioso pensar que, justamente na sessão de um filme que usa do vício em telas como locomotiva para articular uma narrativa sobre depressão, houvessem tantos celulares ligados, abertos nas mãos das pessoas, e emitindo luz durante a exibição do filme – algo que, curiosamente, eu não vi acontecer em mais nenhum momento ao longo de todos os outros filmes que assisti no festival. Ainda que as pessoas estivessem entediadas, e não aproveitando o filme, fato é que estamos diante de uma questão básica de respeito com o outro, afinal, o cinema, em seu espaço físico, é uma experiência coletiva – o que claramente a pessoa ao meu lado não compreendia, já que passou mais de 90 minutos enviando mensagens a todo tempo e vendo stories no Instagram.
A partir da ideia de uma sociedade hiper conectada, It Needs Eyes constrói-se no entorno de uma história de trauma e culpa, na qual a adolescente Rowan (vivida por Raquel Lebish) vai passar algum tempo na casa de sua tia no interior de Connecticut em razão de uma tragédia familiar envolvendo seu pai. Sob diversos sentimentos, incluindo medo, culpa e preocupação, e também ressentimentos em relação ao afastamento da própria tia nos anos anteriores, a jovem, viciada em buscar por conteúdos perturbadores online, se depara com uma ameaça estranha que se manifesta através da tecnologia.
Em sua estrutura, é claro desde o princípio a existência dos elementos de um típico terror de corrente amaldiçoada (tais como Sorria e Corrente do Mal), meio bastante comum, sobretudo recentemente, para tratar da temática da depressão – outro filme nesta mesma edição do Fantaspoa, The Killgrim traz uma abordagem semelhante, mas sob outro recorte e perspectiva, com outra protagonista, completamente diferente.
Por um lado, é de se apreciar as ideias trazidas pelos diretores e roteiristas Zack Ogle e Aaron Pagniano, que, em debate pós-filme demonstraram grande paixão pela arte, buscam sair da fórmula para evitar a obviedade. É a obsessão da protagonista pelos vídeos online, a tentativa de assistir algo que afete sua sensibilidade (com a criação, repleta de criatividade, pela própria produção, de imagens perturbadoras, simulando conteúdos online ao estilo do que se encontraria próximo à darkweb – algo muito parecido com o que muito bem fizeram em curta anterior, We Got a Monkey’s Paw, de 2018, que sabe se aproveitar dessa dinamicidade das redes sociais na atualidade), e sobretudo, a obsessão que desenvolve no entorno de estranhos vídeos publicados referentes a uma mulher apelidada de “Fishtooth”, que aparece desconfortável em situações aleatórias que emanam uma sensação de pedido por socorro – algo que lembra um pouco de O Chamado, inclusive, e até alguns episódios reais que ocorreram no YouTube, sempre se revelando, após algum tempo, uma teoria da conspiração ou clickbait. O próprio aproveitamento dos celulares dentro da narrativa, sempre parte integrante da juventude, potencializa uma ameaça que vez ou outra se materializa com inventividade diante da câmera, em especial quando através de uma figura escura da qual só enxergamos dentes.
Por outro lado, no entanto, falta foco para que essa ideia se torne, efetivamente, o centro da obra. Seu arco secundário, um romance queer, é uma forma importante de trabalhar um outro aspecto da personagem principal, na descoberta de quem realmente é – e seu par, Alex (vivida por Isadora Leiva), não só também é uma personagem interessante por si só, quando a produção de conteúdo adulto na internet demonstra justamente sua parte do vício nas telas, a partir do ofício.
No entanto, o que por vezes engrandece o arco principal de Rowan, como um comentário à geração e à própria construção de quem é em tempos, ainda bem, mais progressistas, em outros momentos soa uma representação problemática pela maneira como coloca em tela essas personagens, enquanto essa romantização mais as expõe fisicamente do que efetivamente contribui ao arco central, algo que talvez pudesse ser resolvido na sala de edição, assim como menções à pedofilia, por meio de mensagens online, um assunto sério colocado à mesa em uma cena, mas completamente esquecido no restante do tempo, qu novamente apenas serve para expor a personagem a situações de vulnerabilidade que não serão trabalhadas posteriormente.
E ainda que repleto de boas ideias, e até soluções criativas para evitar o uso de efeitos digitais (como o celular da protagonista projetado atrás dela, por meio de um projetor), It Needs Eyes se beneficiaria se fosse melhor estruturado, de maneira a articular com mais ênfase sua ameaça – nem sempre materializada com tanta inventividade –, e trabalhar de maneira menos apelativa com o romance entre as garotas, que por vezes passa do ponto, e torna o que seria motivo de orgulho aos realizadores, e de relevância à comunidade, em algo que beira uma representação preconceituosa e meramente apelativa, que definitivamente não seria o objetivo aqui.
Por fim, creio que em tempo, em se tratando de uma primeira exibição do filme, talvez ainda precise de alguns ajustes na pós-produção, para adicionar som ambiente a momentos completamente silenciosos (como a primeira cena, com a protagonista no carro com a tia), que acabam parecendo artificiais, e um trabalho mais atencioso melhor na mixagem de som, ora muito alto, e ora baixo demais. Acredito que seja um projeto com muito potencial, se o arco romântico puder ser retrabalhado pela montagem, de forma a evitar tais contornos problemáticos, e se ajustar, de maneira mais contundente, ao mistério e à investigação propostos, bem construídos sob o manto de questões contemporâneas e relevantes referentes aos perigos da internet, o excesso de telas e as redes sociais.
Avaliação: 2/5
It Needs Eyes (Idem, 2025)
Direção: Zack Ogle e Aaron Pagniano
Roteiro: Zack Ogle e Aaron Pagniano
Gênero: Terror, Thriller, Drama
Origem: EUA
Duração: 102 minutos (1h42)
XXI Fantaspoa (Mostra Low Budget, Great Films)
Sinopse: Após um evento traumático, a adolescente Rowan é levada para a casa de praia de sua tia. Culpada e incapaz de curtir o verão, ela mergulha em conteúdo online bizarro e violento. Rowan descobre vídeos de uma mulher desaparecida, Fish Tooth, e acredita que ela pede ajuda pela tela. (Fonte: Fantaspoa)





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