49ª MOSTRA DE SP | Blue Moon, de Richard Linklater (Idem, 2025)
- Henrique Debski

- 29 de nov.
- 4 min de leitura
Da alegria empolgante à arrogância, tristeza e tragédia, Richard Linklater, em Blue Moon, desconstrói o compositor Lorenz Hart, através de um poderoso estudo de personagem.

Na abertura de Blue Moon, logo antes da primeira cena, Richard Linklater coloca duas citações em tela, parte de relatos verídicos de pessoas distintas enquanto falavam da persona retratada no filme, o genial compositor norte-americano Lorenz Hart. São elas advindas do também compositor Oscar Hammerstein II e da cantora Mabel Mercer, e apesar de, num primeiro momento, suscitar risos por parte do espectador, na medida em que parecem referir-se a duas pessoas completamente diferentes, o decorrer do filme faz questão de prová-las, e, em apenas cem minutos, nos coloca diante de um Lorenz Hart incrivelmente alegre, mas mascarado, enquanto, no fundo, guarda para si uma tristeza absolutamente profunda.
Situando-se em apenas uma única noite – e cerca de noventa minutos em tempo real, encontramo-nos na companhia de Hart em talvez um dos momentos mais difíceis de sua vida, ao ver seu amigo, e parceiro compositor, Richard Rodgers (da antiga dupla “Rodgers e Hart”), na estreia de sua primeira peça da Broadway realizada sem sua presença, mas em parceria com Hammerstein, já que, em razão do alcoolismo, tornou-se uma pessoa difícil de lidar, e profissionalmente imprevisível.
Nesse curto espaço de tempo, da entrada no bar para o coquetel pós-première até sua saída, Linklater promove uma desconstrução da figura de Lorenz Hart, materializada em tela de maneira onipresente por seu amigo e colaborador de longa data, Ethan Hawke. Os truques de câmera e da própria produção para deixar o ator aparentemente mais baixo, tendo em vista a altura do biografado, exercem uma dupla função ao longo da narrativa. Por um lado, na superfície, meramente oferece uma dimensão cômica ao filme, enquanto tudo ao redor se parece muito maior do que ele, em proporções exageradas que, de certa maneira, permitem e até incentivam risadas do público; mas por outro lado, a medida em que o compreendemos, enquanto se abre àqueles que estão no local, percebemos que, por detrás da arrogância, aquele momento – e consequentemente esse aspecto visual – refletia, também, um sentimento de inferioridade, enquanto assiste a todos com quem anda (ou andava) bem-sucedidos, e via-se preso dentro de uma garrafa de álcool, constantemente perdendo as batalhas contra o vício, talvez sem nem mesmo tentar.
Seus diálogos verborrágicos levam as pessoas no entorno ao cansaço por nunca serem ouvidas, enquanto continua falando sem parar. Muitos que o abordam ao longo desses momentos parecem apenas suportá-lo diante dos interesses que depositam em sua ampla gama de contatos, o usando apenas para alavancar as próprias vidas e carreiras, como mero instrumento profissional, mas nunca verdadeiramente um laço de amizade real se firmando. Em certo aspecto, chega propositalmente a ser cansativa a maneira como o personagem não para de falar, desde temas estritamente políticos à análises da Broadway naquele tempo, da ausência de críticas sociais, do apelo às fantasias históricas (como inclusive chama Oklahoma!, o lançamento de Rodgers e Hammerstein no momento, enquanto retrata uma realidade que, segundo ele, nunca existiu), sem perceber, no entanto, que é constantemente usado, por todas as pessoas com quem conversa ao longo da noite.
Entre as infinitas palavras que troca ao longo desse tempo, existe uma perspicácia do roteiro, assinado por Robert Kaplow, e da direção do próprio Linklater em nunca abandonar um assunto, ou deixá-lo inacabado. Na verdade, o que melhor faz o diretor é colocar o personagem de Lorenz Hart como o protagonista da própria vida, e se divertir a partir do momento em que se estabelece uma certa autoconsciência, quando o longa também trata, ainda que indiretamente e na forma do teatro, sobre metalinguagem.
Nesse sentido, também se exploram aspectos de Hart que se situam para além do campo profissional, muito estritamente ligada à sua sexualidade, e a maneira como nunca propriamente admite ser bissexual, mas apenas sobre ela perpassa levemente, em um ou outro momento, considerando o conservadorismo de uma realidade como a norte-americana da Segunda Guerra Mundial.
Da mesma maneira, mostra-se empolgado com novos projetos, e na retomada da carreira com Rodgers – muito bem vivido por Andrew Scott -, porém, pouco confiável, apenas relatando ideias que se sabe que nunca irão se concretizar. O olhar triste e decepcionado consigo demonstrado por Hawke na pele do personagem já reflete com nitidez o trágico destino de Hart – o que igualmente acontece também em suas interações com a personagem de Margaret Qualley, talvez o “último prego em seu caixão” daquela noite de frustrações.
E dessa maneira, de um homem alegre e aparentemente animado Lorenz Hart se revela, na verdade, um eterno decepcionado consigo e com a vida, talvez quiça um gênio incompreendido, que disfarçava com arrogância o vazio que sentia dentro de si. Linklater enxerga o personagem com carinho, tanto que promove este retrato delicado e trágico, sem que, em momento algum, passe a mão em sua cabeça também. Ele enxerga seus defeitos, e o posiciona como uma espécie de vítima de suas próprias escolhas, enquanto Ethan Hawke brilha falando sem parar, e inclusive se aproveitando muito do próprio olhar e da entonação para construir um personagem humano, e igualmente complexo. Um dos grandes filmes de 2025.
Avaliação: 4.5/5
Blue Moon (Idem, 2025)
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Robert Kaplow
Gênero: Drama, Comédia
Origem: EUA, Irlanda
Duração: 100 minutos (1h40)
49ª Mostra de São Paulo
Sinopse: Na noite de 31 de março de 1943, o lendário letrista Lorenz Hart, convivendo com uma crise pessoal e criativa, se encontra no bar Sardi’s, enquanto seu antigo parceiro Richard Rodgers comemora a estreia triunfal de seu revolucionário musical “Oklahoma!”.





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