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XXI FANTASPOA | AJ Vai ao Cachorródromo, de Toby Jones (AJ Goes to the Dog Park, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 16 de mai.
  • 3 min de leitura

Com uma estética propositalmente artificial, AJ Vai ao Cachorródromo propõe uma sátira à Hollywood contemporânea, em uma comédia criativa que exala as características de um “filme Z”.


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Se me perguntassem, há algumas semanas, se um dia esperava ter a oportunidade de assistir a um “filme Z” no cinema, eu certamente diria que não. Mas depois de AJ Vai ao Cachorródromo, confesso que me sinto realizado.

 

Ao contrário do que muitos podem pensar, um “filme Z” nem sempre é sinônimo de um filme ruim. Fato que as produções questionáveis da The Asylum (e de tantas outras empresas), quase sempre voltadas a uma releitura “pega-trouxa” de grandes lançamentos, que visam enganar o espectador médio o induzindo a alugar ou comprar um filme pensando ser outro, afeta essa ideia, e deixa uma marca negativa para esse tipo de produção, mas nem sempre é o caso. Grandes diretores, como Quentin Dupieux, tanto já se utilizaram desta estética quanto ainda a utilizam para propor críticas sinceras à sociedade em que vivemos, e ao próprio estado do cinema – norte-americano e mundial – em interessantes exercícios de metalinguagem, como fora feito em Rubber – Pneu Assassino (2010), por exemplo.

 

Nessa esteira, em AJ Vai ao Cachorrodromo, a partir de um estilo propositalmente precário, Toby Jones prova seu talento enquanto cineasta, quando, em um primeiro momento, finge uma produção amadora, conduzida por uma equipe que aparenta ser igualmente inexperiente e sem qualquer noção de como fazer um filme.

 

Tudo não passa, porém, de uma grande ilusão, como é o cinema. Aos poucos, todo aquele estilo tosco e vergonhoso se revela uma verdadeira crítica ao estágio atual do cinema Hollywoodiano, em uma crise de criatividade sem precedentes, que investe milhões em filmes que contam sempre as mesmas histórias sem qualquer inventividade, formal ou material, em seu conteúdo, e, mais ainda, sente a necessidade de constantemente subestimar a capacidade de interpretação do público se explicando de maneiras óbvias a todo tempo, com cada vez menos espaço para reflexão ou discussão.

 

Ancorando-se justamente nas bases hollywoodianas de sempre, na forma de uma grande paródia, que satiriza justamente a crise de criatividade dos estúdios, o roteiro, também assinado por Jones, constrói sua narrativa na busca pelas mesmas mensagens e valores positivos transmitidos desde os primórdios do cinema, do autodescobrimento à busca por um propósito na vida, através de um protagonista autodeterminado o suficiente para ir até o final com seus objetivos.

 

Em sua jornada à lá Hércules e seus vários desafios, AJ, que deseja reconstruir o parque para cachorros, destruído por uma prefeita egocêntrica, dedica-se a seguir os passos de sua rival para assumir o cargo e retomar sua vida, na criação de seus cachorros. Nessa aventura, Jones muito habilmente trabalha as mudanças na personalidade do protagonista no decorrer do tempo, para, ao longo do trajeto, culminar no aprendizado que terá sobre sua obsessão. É divertida a maneira como pessoas entram e saem de sua vida nesse caminho, e que os flashbacks, sempre repletos de reviravoltas, são apenas um meio para uma grande surpresa final, que reflete exatamente o valor de todo o esforço do personagem para uma escolha que, talvez, não fosse a melhor.

 

Nesse sentido, a decupagem de Toby Jones é precisa na maneira como trabalha com o humor físico de seu filme, seja nas lutas entre os personagens, na artificialidade da ambientação, ou mesmo se aproveita de efeitos digitais assumidamente toscos para compensar as limitações do elenco (e do orçamento).

 

É exatamente essa autoconsciência demonstrada pelo filme que prova ser Toby Jones um bom cineasta, tão capaz de contar uma história que algo aparentemente simples e ingênuo revela uma complexidade inesperada, na medida em que avança, se complementando e ligando diversos pontos e personagens, mesmo que de maneiras propositalmente artificiais.

 

E assim, nessa sátira aos meios de produção Hollywoodianos, e nesse contexto de cinema como indústria acima da própria ambição artística, AJ Vai ao Cachorrodromo reflete sobre a decadência da arte nos últimos anos, enquanto, ao mesmo tempo, critica as políticas públicas construídas com base nos únicos interesses dos governantes, e até inclui piadas que, para além da metalinguagem, quebram a quarta parede ao revelar um universo que se opera exclusivamente onde a câmera se encontra (vide o pai do protagonista, que em dado momento, quando AJ sai da sala, fica parado esperando para a próxima cena, como um NPC). É um filme que vai para muito além de uma simples comédia, mas coloca em xeque todo um sistema de produção através de questionamentos justos em forma de um humor irreverente e nonsense.

 

Avaliação: 4.5/5

 

AJ Vai ao Cachorródromo (AJ Goes to the Dog Park, 2025)

Direção: Toby Jones

Roteiro: Toby Jones

Gênero: Comédia

Origem: EUA

Duração: 78 minutos (1h18)

XXI Fantaspoa (Mostra Low Budget, Great Films)

 

Sinopse: Quando AJ perde seu cachorródromo favorito, ele precisa lutar, pescar, improvisar e se esforçar muito para recuperá-lo. (Fonte: Fantaspoa)

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