CRÍTICA | Wicked – Parte II, de Jon M. Chu (Wicked For Good, 2025)
- Henrique Debski

- 2 de dez.
- 5 min de leitura
Wicked – Parte II desperdiça toda a construção do primeiro longa para focar nas conexões com O Mágico de Oz, gerando, para além de inconsistências, resoluções problemáticas.

Ainda me lembro muito bem da sensação de encantamento que tive para com o universo de Wicked arquitetado por Jon M. Chu, ao término da primeira parte, em novembro do ano passado. Inclusive, cheguei por mais de uma vez (tanto pessoalmente, em conversas com amigos, quanto na própria crítica do filme) a comparar o trabalho do cineasta com a crença de Paul King (de Paddington e Wonka) na fantasia de seus projetos, colocando-os quase lado a lado em um seleto rol de diretores que acreditam e abraçam a fantasia em seus projetos.
Pois então, todos os elogios feitos às abordagens históricas e temáticas políticas levantadas pela primeira parte, enquanto na iminência de um holocausto e a ascensão, de vez, dum governo totalitário na forma do grande Mágico de Oz, contra o qual Elphaba se dedica a lutar contra, é jogado por terra nesta segunda parte, que por (muitas) vezes não se parece com uma sequência, e tampouco que foi filmada em conjunto com o primeiro.
Que talvez a segunda parte do musical seja realmente inferior à primeira é um fato, mas o receio que apresentei no último ano com relação a essa divisão aqui se mostrou verdadeiro. Enquanto o longa anterior se dedicou, durante quase três horas, à elaboração de um universo próprio, com originalidade, destinado a estabelecer as relações entre as bruxas, os elementos mágicos, e a encruzilhada sob a qual são colocadas pelo Mágico, que as fazem seguir por caminhos distintos – e opostos -, aqui é abandonada na medida em que se mostra muito mais interessado em relacionar seus eventos como simultâneos aos do Mágico de Oz do que efetivamente aprofundar esses personagens, ou mesmo explorar o universo mais afundo, com aquele mesmo ânimo de se criar algo quase que do zero.
Ao eleger o longa de 1939 como base, dirigido por Victor Fleming e estrelado por Judy Garland, Wicked – Parte II precisa fazer uma enorme ginástica narrativa para atrelar todos os seus acontecimentos ao cânone da outra obra, apresentando-se como um outro ponto de vista sobre uma história da qual já conhecemos (e amamos) há muito tempo, procurando primordialmente justificar os motivos da “Bruxa Má do Oeste” – justamente a protagonista, Elphaba –, assim como a obsessão pelos sapatos vermelhos (que aqui não são exatamente vermelhos), quem era a “Bruxa Má do Leste”, tanto como Homem de Lata, o Espantalho e o Leão.
Acontece que a cada tentativa de explicar alguma dessas ideias ou elementos, um natural conflito com o longa eleito como base já surge. Se não bastasse o fato de Fleming estabelecer o reino de Oz como uma fantasia da mente de Dorothy, como fruto de sua realidade construída de maneira fantasiosa pelo próprio subconsciente após o incidente com o ciclone, as justificativas para a existência do Homem de Lata, Espantalho ou Leão não apenas se tornam forçadas, como também dentro da própria linha narrativa pouco fazem sentido, sobretudo cronologicamente, tendo em vista a ordem dos fatos.
Mas não apenas isso. O filme os atribui personalidades diversas, com certa dose de violência e uma sede de vingança (como ao Homem de Lata e o Leão), por fatos que mal fazem sentido dentro da cronologia e sob uma análise de fato e consequência, especialmente tendo em vista que Elphaba não apenas não foi responsável pelas ações, como eles bem poderiam saber disso, o que só não acontece diante da necessidade da obra em ligar-se ao Mágico de Oz, e precisar de motivos para que fiquem contra ela, os forçando a todo custo. E vai além, enquanto ao Espantalho, além de completamente fora da cronologia da obra base, inexistir qualquer razão para que vá ao Mágico, quem sabe ser um farsante, a fim de supostamente pedir por um cérebro.
É muito difícil acreditar que Wicked – Parte II se dedica quase que inteiramente a uma conexão com outra obra, sem sequer importando-se com as brechas abismais deixadas, ainda mais quando não se propõe uma “retcon” ou algo do tipo. Se considerasse outros eventos para O Mágico de Oz, em uma realidade onde tudo aconteceu de maneiras diferentes, próprias e originais, seria compreensível, mas é impossível sustentar uma ponte com o longa de 1939 diante de tantas inconsistências sobre a quais não se preocupa e tampouco se debruça para abordar.
E ainda para coroar, toda a temática sobre totalitarismo trabalhada ao longo da primeira parte, da situação com os animais às mentiras do Mágico, que assumem o protagonismo temático da história sendo contada por meio da fantasia, em um interessante paralelo histórico e social com o mundo real, acabam não só quase totalmente descartadas, como também essa segunda parte, ao final, abraça a ideia de que a manipulação das massas e a sustentação de mentiras, a partir da criação de um inimigo comum para unir a população (como um “bode expiatório”), é necessário para o controle social e a manutenção intacta do poder, vendida sob as vestes de um maniqueísmo problemático do “fazer o bem” e “lutar contra o mal”.
Até mesmo visualmente se parece com outro filme, sem tanta atenção aos detalhes na direção de arte, uma fotografia ainda mais acinzentada (que até pode se justificar diante do tom mais sombrio da narrativa), ou mesmo o pouco aproveitamento de cenários colossais, em tamanho real, construídos especificamente para o filme, onde nem mesmo as músicas levantam o astral ou despertam interesse, quando o objetivo central é tão somente de estabelecer conexões, que se mostram incapazes de se sustentar em relação a base escolhida. Não parece existir material suficiente para quase cento e quarenta minutos, e muitas passagens soam arrastadas, até por uma deficiência da montagem de entrelaçar todos os arcos, repletos de personagens completamente escanteados (como a professora maga vivida por Michelle Yeoh) e falhas na própria cronologia.
Dessa maneira, talvez uma única canção realmente boa, For Good, justamente o clímax do filme, seja o que torna a experiência menos desinteressante, enquanto ausente aquele frescor do primeiro longa, que estabeleceu todo o universo, quase como algo construído praticamente do zero. É um dos filmes mais decepcionantes do ano – se não a maior decepção de fato –, que incorre não apenas em problemas estruturais de narrativa e direção, como especialmente temáticas, em relação ao que havia sido trabalhado anteriormente. Definitivamente um filme que não demonstra o mesmo apreço pela fantasia, e tampouco um roteiro que deseja ir além das conexões e justificativas para O Mágico de Oz que ninguém pediu.
Avaliação: 1/5
Wicked – Parte II (Wicked For Good, 2025)
Direção: Jon M. Chu
Roteiro: Winnie Holzman e Dana Fox, baseado no livro de Gregory Maguire e no texto musical de Winnie Holzman e Stephen Schwartz
Gênero: Aventura, Drama, Musical, Fantasia
Origem: EUA, Canadá, Austrália
Duração: 137 minutos (2h17)
Disponível: Cinemas
Sinopse: Elphaba, agora demonizada como a Bruxa Má do Oeste, vive no exílio, escondida na floresta de Oz, e tenta desesperadamente expor a verdade que conhece sobre o Mágico. Enquanto isso, Glinda se tornou o glamouroso símbolo da bondade para todo o reino de Oz e desfruta das vantagens da fama e da popularidade.



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