XXI FANTASPOA | Gatilheiro, de Cris Tapia Marchiori (Gatillero, 2025)
- Henrique Debski
- há 3 dias
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Em um interessante diálogo sobre violência, Gatilheiro é um thriller de ação frenético, surpreendentemente produzido com um orçamento modesto.

Enquanto a equipe de Gatilheiro falava sobre o filme antes da sessão, eles disseram não se tratar de uma obra feliz, mas divertida e cheia de adrenalina, que faz um retrato sensato de uma realidade comum à periferia de Buenos Aires atualmente. De certo, não poderia concordar mais com a definição dada, quando justamente a adrenalina é um dos combustíveis essenciais deste thriller que, ainda que se passe na Argentina, facilmente poderia retratar o Brasil – e nisto, como brasileiro, podemos falar com propriedade.
Apesar de uma proposta bastante comum ao cinema de ação, sobretudo com inspirações temáticas norte-americanas, nos primeiros filmes de Antoine Fuqua e até no realismo urbano e mundano de David Ayer (presente até mesmo em suas obras mais fantasiosas), ao tratar-se de um filme de gangue/máfia que envolve um “golpe de estado” na liderança do narcotráfico local, levando o protagonista, incriminado, a tornar-se o pivô de uma grande conspiração, Gatilheiro se diferencia, não só pelo envolvimento com temas locais, comuns à Argentina, mas também pela maneira como foi filmado, como um grande plano-sequência de quase noventa minutos, onde a tensão, latente a todo tempo, nunca se dissipa por completo.
Ao optar por uma estética realista, o roteiro de Cristian Tapia Marchiori e Clara Ambrosoni é muito habilidoso em estabelecer, com inventividade e simultaneamente, o protagonista e o meio em que o cerca. Não só através dos diálogos, que nos permitem criar uma noção de quem é Pablo ‘El Galgo’ (muito bem interpretado por Sergio Podeley, atuação merecidamente premiada pelo júri da mostra Ibero-Americana desta edição do Fantaspoa), mas também a razão pela qual pratica os atos de violência dos primeiros minutos, que funcionam como um prólogo – e até um resumo – de sua própria miséria, assim como também o meio social que é construído à sua volta, entre a corrupção policial e a quebra de confiança em seus parceiros e pessoas em quem acreditava para tentar reconstruir a sua vida.
Assim, o plano-sequência apenas potencializa essa desilusão na qual se encontra imerso o protagonista, enquanto nessa guerra pela liderança na qual mergulha o bairro real de Isla Maciel, um personagem dentro da narrativa (e onde a obra fora filmada, inclusive com a autorização do crime organizado local), a morte de pessoas inocentes é a chave para uma grande virada no terço final, na lógica da violência gerar mais violência, e até a escolha das mortes dos personagens de maneira poética, tendo como base justamente a violência que eles mesmos geram.
E não se trata apenas de uma guerra entre o protagonista e o grupo criminoso do qual integrava, mas também uma oportunidade de reação da comunidade local para lutar contra o narcotráfico, que leva a violência para as vidas de pessoas trabalhadoras, não envolvidas com as atividades criminosas, constantes vítimas, injustas e por ricochete, de todos os malefícios trazidos pelas drogas e pelas gangues à região.
E por mais que Gatilheiro tivesse todas as chances para se tornar um filme problemático em sua mensagem, e cair justamente na armadilha da violência para se tornar uma obra reacionária, o resultado é justamente o contrário. Acaba por se tornar um retrato honesto e até isento de um problema comum ao mundo como um todo, e muito presente em praticamente toda a América Latina, nas regiões periféricas das grandes cidades, diante da baixa ineficiência estatal, do pouco controle territorial governamental, muitas vezes facilmente corruptível, e onde os serviços essenciais pouco chegam, algo que o longa demonstra desde os primeiros minutos, quando a polícia, além de tudo desonesta, diante do caos e tiroteios, não aparece e deixa a população à mercê da própria defesa e sobrevivência.
O mais impressionante é que, mesmo diante de um baixo orçamento, a direção de Tapia Marchiori encontra soluções baratas e criativas para seu filme, que o tornam uma produção de alto nível, desde as locações, inteiramente situadas no bairro retratado, não só tratado como personagem, mas também parte integrante do filme; até a transformação do elenco em operadores de câmera, em prol de um dinamismo que em muito lembra uma estética puramente de videogame, entre causa, consequência e evolução – algo que o diferencia de tantos outros parecidos, sem o mesmo impacto.
Avaliação: 4/5
Gatilheiro (Gatillero, 2025)
Direção: Cris Tapia Marchiori
Roteiro: Cris Tapia Marchiori e Clara Ambrosoni
Gênero: Ação, Thriller
Origem: Argentina
Duração: 80 minutos (1h20)
XXI Fantaspoa (Mostra Ibero-Americana)
Sinopse: Recém-saído da prisão, "el galgo" aceita um trabalho para o cartel ao qual já pertenceu. No entanto, em um bairro corrupto, é difícil sair ileso, e ele logo se vê preso em uma teia de eventos inesperados, uma corrida contra o tempo e seu próprio destino. (Fonte: Fantaspoa)
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