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XXI FANTASPOA | Sangrando, de Andrew Bell (Bleeding, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • há 2 dias
  • 4 min de leitura

Sangrando se desenvolve entre o realismo e a fantasia, ao se utilizar de vampiros para trabalhar o sangue como droga em uma grande metáfora para o vício, em uma sociedade sem controle.



Antes do início da sessão, em uma breve apresentação sobre o filme, o diretor Andrew Bell revelou ser Sangrando um projeto pessoal, que refletia parte das vivências de sua juventude, enquanto um adolescente no epicentro da epidemia de drogas nos Estados Unidos. É realmente difícil de pensar nas consequências daquilo que está ao nosso redor, ainda mais durante uma fase de amadurecimento da vida, da violência gerada pelo tráfico de entorpecentes e do vício causado a seus usuários, que pouco a pouco a pouco, a depender da substância, perdem a própria identidade para a droga, da qual não conseguem viver mais sem.

 

Na contramão de um drama óbvio, Bell encontra uma solução mais inteligente para abordar o tema com originalidade ao se utilizar do sobrenatural e de uma fantasia bastante realista como metáfora para o vício. Colocando o sangue de adolescentes como base de uma nova droga altamente viciante, cujo excesso leva a consequências devastadoras, Sangrando combina elementos de vampiros, zumbis e possessão para explorar uma epidemia silenciosa, sobretudo entre os jovens, com foco uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos, onde primos (muito bem interpretados, com naturalidade, por John R. Howley e Jasper Jones) se veem envolvidos em um esquema de tráfico com a máfia local em meio às próprias tragédias familiares e pessoais, na ausência de perspectiva da vida entre núcleos familiares desestruturados e não intencionalmente violentos, em aspectos físicos e psicológicos, em razão de questões como a depressão e o alcoolismo, que afetam seus adultos responsáveis.

 

De fato, a produção da droga em questão, proveniente de corpos humanos, é como justamente a extração das almas daqueles que nela são viciados – e um vício irreversível, ainda por cima. Tão dependentes, quando em abstinência a luz solar torna-se letal, e deixam a humanidade de lado para tornarem-se seres incomunicáveis, incontroláveis e irracionais, sedentos por sangue fresco para que possam frear essa vontade insaciável que criaram para o próprio corpo. Quando alimentados, retomam, por um breve período de tempo, à lucidez de uma pessoa comum, até que a necessidade de mais sangue os façam se tornar em criaturas novamente, em um infinito ciclo inquebrável. É justamente como fazem as drogas do mundo real: “amarram” seu usuário em uma espiral de dependência que, pouco a pouco, os fazem inconscientemente abandonar os traços de seres humanos ao ponto de venderem até a própria alma (figurativamente, claro) para que possam saciar uma vontade de prazer cada vez mais distante e que passa a ser indissociável de sua própria noção como pessoa.

 

Essas transformações, que fazem dos personagens do filme um misto de zumbi com vampiro, se dão em um processo como possessões demoníacas, repletas de um contorcionismo violento e intenso, cujos gritos de dor, enquanto ecoam, são capazes de assustar pela agonia que produzem, de uma pessoa perdendo aquilo que justamente a define: a personalidade.

 

Nesse intenso contexto de uma violência sem limites ou controle, os personagens em tela também lidam com problemas pessoais, indissociáveis ao sangue como entorpecente, quando o protagonista precisa viver o luto, diante da perda de seu irmão mais velho, transformado em uma dessas criaturas em razão do vício – e consequentemente cuidar da mãe, em constante depressão; e seu primo tem de conviver com um pai, policial e alcoólatra, responsável por lidar com a questão da única maneira que o Estado compreende: através da eliminação dos transformados, ao pé de um fascismo que os países vizinhos não aceitam, justamente buscando por uma solução para o problema, que não matar os viciados, através de pesquisas científicas para uma cura.

 

Toda essa atmosfera, trabalhada sob uma fotografia escura e deprimente, ainda aparenta grandes proporções, na medida em que Bell, mesmo dispondo de um baixo orçamento e algumas locações, limitadas à pequena cidade em que se passa o longa, consegue deixar uma noção de dimensão muito maior do que a mostrada em cena, enquanto seu roteiro, habilidoso, encaixa boas referências aqui e acolá para sedimentar que o caos não se limita àquele local, mas é, na verdade, generalizado – algo que se prova a partir dos planos formados pelos personagens para tentarem salvar suas vidas. E ainda para além dessa amplitude dos eventos, o diretor constrói seu filme com atenção aos detalhes, desde a mixagem de som, que amplifica a intensidade das passagens de ação, bem como a direção de arte demonstra cuidado na confecção do sangue utilizado em cena, viscoso e escuro, que auxilia justamente no realismo buscado pela obra.

 

Assim, a partir de uma violência que vai para muito além do mero aspecto gráfico, mas também se encontra no ar deprimente e desesperançoso de uma nação incapaz de lidar com seus problemas a partir de soluções viáveis e preocupadas com o cidadão, o terror de Sangrando está no se transformar em mais uma estatística em um ciclo interminável de mortes, pelas drogas ou nas mãos do Estado. É como um retrato fantasioso de um tempo obscuro na vida do cineasta, que registra parte de suas memórias em um filme intenso, que narra, no fundo, nada mais do que uma luta por sobrevivência – em face de si e também do mundo exterior.

 

Avaliação: 4/5

 

Sangrando (Bleeding, 2025)

Direção: Andrew Bell

Roteiro: Andrew Bell

Gênero: Terror, Thriller, Drama

Origem: EUA

Duração: 97 minutos (1h37)

XXI Fantaspoa (Mostra Low Budget, Great Films)

 

Sinopse: Em um mundo onde sangue de jovens é usado como droga, dois adolescentes desesperados, fugindo de um traficante implacável, invadem uma casa vazia e encontram uma garota adormecida trancada dentro. (Fonte: Fantaspoa)

 
 
 

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