CRÍTICA | Superman, de James Gunn (Idem, 2025)
- Henrique Debski
- há 19 horas
- 5 min de leitura
O Superman de James Gunn é falho como um ser humano, e diante do mundo contemporâneo, exala a esperança de um dia vivermos em harmonia.

Ao assumir o controle criativo do universo DC nos cinemas, James Gunn tinha a desafiadora tarefa de não apenas recomeçar o universo cinematográfico do estúdio, deixando para trás toda aquela confusão iniciada com O Homem de Aço (2013), e supostamente encerrada com Aquaman 2: O Reino Perdido (2023), mas também precisava de um toque original, justamente para se desvincular desse passado sombrio e também do que a Marvel tem produzido nos últimos anos.
Alinhada à sua visão criativa naturalmente cartunesca e fantasiosa, como já bem havia demonstrado dentro da própria DC em sua versão do Esquadrão Suicida (2021), Gunn encontrou como fonte de inspiração não apenas as narrativas dos quadrinhos, mas também seu formato colorido e de pura aventura, em uma visão parecida com a tida por Richard Donner em 1978, quando dirigiu o primeiro live-action do personagem para os cinemas, que eternizou a imagem do Superman no imaginário popular com a grande atuação de Christopher Reeve. Eis, inclusive, um clássico do cinema de heróis que, ao menos para mim, ressoou com uma energia nostálgica inexplicável, como se o assistisse na infância e tivesse marcado minha vida, apesar de tê-lo visto pela primeira vez apenas uma semana antes da estreia dessa nova adaptação. É, como o crítico e amigo Adam William bem descreveu por mais de uma vez em suas críticas, o Superman de Donner é um daqueles filmes que nos fazem voltar a ser criança.
Buscando por uma atmosfera parecida, porém contemporânea ao mundo e ao cinema de super-heróis atual, na intenção de um pontapé inicial ao novo universo DC, Gunn, como era de se esperar, reproduz seu estilo de cinema, enquanto diretor experiente de outros longas tanto na Marvel quanto na DC, e introduz, desde cedo, uma realidade já relativamente consolidada, com heróis e vilões bem estabelecidos, ainda que encobertos pelas sombras de seus atos, como o próprio Lex Luthor, que se vende, diante da mídia, como uma espécie de “messias” na luta contra os meta-humanos. Pula-se – e de certa forma se aproveita muito do longa de 1978 – toda a apresentação de Superman, suas origens e motivações e já se parte para uma Metrópolis onde é conhecido, e enfrenta duras críticas ao deixar seu país para intervir em conflitos na Europa oriental, com o fim de evitar uma guerra prestes a eclodir, na forma de um incidente internacional potencializado pelo poder da internet, redes sociais e da própria ideia de democracia, colocada em xeque com a sua presença.
Esse contexto muito se alinha à cena inicial, logo os primeiros cinco minutos de filme, que mostram um Superman ferido, sangrando, mal conseguindo se levantar, retornando para sua base, na Antártica, a fim de se curar após uma batalha malsucedida. O que fica claro desde o princípio é que a mera existência do Superman não condiciona necessariamente a vitória de seus intentos. Ainda que talvez o personagem mais poderoso dos quadrinhos, neste novo mundo não estamos diante de um meta-humano invencível.
Ao longo de suas mais de duas horas de duração, o roteiro escrito por James Gunn, mais do que as habilidades, mira seu interesse nas falhas do Superman, o construindo na base da humanidade e do sentimentalismo, enquanto um ser de outro planeta cuja criação se deu, integralmente, na Terra. Ele não é imortal, e muito menos perfeito nas escolhas que faz, cometendo erros durante as batalhas que trava, vencendo e também sendo vencido. Ele sangra enquanto apanha, ele sofre quando é atingido, e sente quando tentam atingir aqueles pelos quais se importa – seja conhecido ou qualquer inocente. Muito dessa energia fica estampada nas feições do talentoso David Corenswet, que incorpora esse personagem externamente rígido, mas internamente frágil. A Louis Lane de Rachel Brosnahan, nesse sentido, vem para além de ser mero par romântico do protagonista, mas como alguém que também o ajuda a lidar com as próprias questões internas, além da própria valorização de sua função enquanto jornalista – e ainda assim, ambos, não só pela química construída, também transbordam tensão sexual enquanto contracenam.
Na mesma medida de um super-herói frágil, os antagonistas também não o atacam apenas fisicamente, mas através da construção de um jogo psicológico, movido por meio da manipulação do Estado, da opinião pública, das redes sociais e da própria produção e disseminação de notícias falsas, enquanto promovem a guerra e o caos numa sedenta luta por poder, dinheiro e o controle das massas, alinhando-se aos interesses das grandes empresas daquele mundo. Nicolas Hoult cumpre muito bem essa função enquanto vive o grande vilão Lex Luthor, que transmite a inveja do herói em seu olhar, e prova a psicopatia por meio da própria empresa, com direito a monólogos que exploram suas motivações, mas escancaram também suas fraquezas enquanto pessoa.
Diante de tal ameaça, e o enfrentamento de situações cada vez mais complexas, o Superman conta com o auxílio de tantos outros heróis e pessoas comuns para salvar a cidade de Metrópolis, e também o mundo, das mãos de sujeitos gananciosos, preservando os direitos humanos, e sobretudo garantindo a liberdade. Dessa maneira, é como se o cineasta, já pensando no futuro do universo que está construindo, contivesse o potencial do protagonista, através de sua bem-vinda humanização, em solucionar determinados conflitos, não apenas para privilegiar o trabalho em equipe (também por ser um dos fundamentos do presente filme), mas também para trabalhar com os próximos longas.
Ainda que Superman seja um filme com pouco risco de fato – e sabemos disso desde o princípio –, não há como dizer que não exista algum impacto, sobretudo pelo rastro de destruição e as consequências dos eventos. Talvez possa faltar uma cena memorável de verdade (como meu amigo Francisco bem pontuou após sairmos da sessão), mas toda a construção, dinamismo e organicidade dessa realidade tão bem construída consegue, para mim, suprir a ausência de um grande momento específico. É uma releitura contemporânea do clássico personagem, pelas lentes do pacifismo, da liberdade e da própria esperança, em um longa colorido, que emula a vivacidade dos quadrinhos, e tanto diverte com a ação bem coreografada, fruto da ótima direção de James Gunn, que acredita na fantasia, quanto coloca em perspectiva tantos outros elementos políticos, sem medo de colocar o dedo nas feridas do mundo atual, e criticar as guerras e a sede de poder. É uma das grandes surpresas de 2025, um verdadeiro épico cinematográfico, e uma boa base para o que pode ser o cinema de heróis, para além da obviedade sobre a qual já estamos cansados.
Avaliação: 5/5
Superman (Idem, 2025)
Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn
Gênero: Ação, Aventura, Super-Heróis
Origem: EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia
Duração: 129 minutos (2h09)
Disponível: Cinemas
Sinopse: Superman, um super-herói e também repórter de Metrópolis, embarca em uma jornada para reconciliar sua herança kryptoniana com a sua criação humana como Clark Kent.
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