29º FANTASIA FILM FESTIVAL | Lucid, de Deanna Milligan e Ramsey Fendall (Idem, 2025)
- Henrique Debski
- há 2 dias
- 4 min de leitura
Lucid tem uma grande oportunidade em explorar a mente humana a partir de sonhos lúcidos, mas aposta em vazios experimentos com a montagem, sem uma história interessante para contar.

O bloqueio criativo é um dos maiores pesadelos para qualquer pessoa que trabalha no ramo artístico, jornalístico e até jurídico, ou que exija, ainda que minimamente, da criatividade para o ofício. É um momento que provoca e atiça aquele vazio existencial que nos incita a questionar nossa própria competência e capacidade para fazer aquilo que cremos fazer de melhor – e não apenas atinge, com força, nosso psicológico, como também pode afetar o próprio sustento, atrapalhando diretamente na fonte de renda.
Sob essa base bastante comum, sobretudo ao cinema de terror, Lucid nos apresenta a sua protagonista, Mia, uma estudante de artes, no final dos anos 1990, que enfrenta um severo bloqueio criativo e não consegue finalizar uma apresentação, cujo professor clama por algo que venha de seu coração, e expresse quem é de verdade, de maneira sincera e profunda. As coisas podem mudar e se solucionar quando, ao conhecer uma espécie de “bruxa”, Mia compra uma pílula que a permite compreender seus próprios sonhos (lúcidos, daí o título), explorar o próprio inconsciente e conhecer das razões que a levam para um bloqueio criativo.
Fica nítido, a partir do referido encontro, que as razões para não conseguir criar algo novo estão intimamente relacionadas a uma crise de identidade, uma espécie de vazio sobre quem a protagonista de fato é, enquanto vive com a avó e possui poucas memórias de seus pais. Uma simples tarefa sobre a autoexpressão – e um pouco do abuso de seu professor em força-la a “fazer algo que venha do fundo do coração”, torna-se, assim, uma oportunidade de investigar o passado por meio da própria mente, em uma viagem interdimensional surrealista na qual a realidade e a fantasia, em tese, se misturam enquanto verdades vêm à tona.
Em teoria, esse seria o plano da dupla de roteiristas e diretores Deanna Milligan e Ramsey Fendall, enquanto alternam entre a estética dos anos 70, 80 e 90 para explorar memórias e o funcionamento da mente de sua protagonista. No entanto, como se não bastasse a ideia batida, a construção da personalidade de Mia já é plano um empecilho para que a jornada funcione. Apesar das lacunas e dúvidas que possui, trata-se de uma personagem cujo roteiro pouco se esforça para nos afeiçoarmos com, na medida em que seu egoísmo para com os outros, e a falta de autenticidade em sua personalidade acabam por torna-la, na verdade, uma protagonista desinteressante – justificando, inclusive, sua mediocridade enquanto artista -, ainda que a atuação de Georgia Acken busque, sem sucesso, por uma conexão para com o espectador, que o filme como um todo é incapaz de atingir.
É até curioso que em dado momento de Lucid o professor de Mia critica sua arte por ser “clichê demais”, e por ela, durante uma performance do que seria uma espécie de autorretrato, momentos antes, ter perdido o controle do próprio corpo. Pois chega a ser irônico que precisamente algo parecido tenha acontecido também ao longo da produção. Se não bastasse uma protagonista pouco aproveitada e até desinteressante, o longa perde a oportunidade de explorar o surrealismo e essa suposta outra dimensão da psique apostando, durante todo o tempo, em exercícios de montagem experimentais que, apesar de bizarros, pouco realmente tem a dizer, e se estendem por quase duas horas de duração. Toda essa viagem na mente da personagem torna-se pouco clara até os momentos finais, quando a verdade revelada não poderia vir à tona de maneira mais genérica – e a montagem parece perder qualquer traço da autenticidade que tenta imprimir aqui -, superficial e pouco surpreendente quanto a solução encontrada, já vista em tantas outras obras.
Assim, é decepcionante pensar que Lucid poderia trilhar um caminho introspectivo, justamente na base dos sonhos lúcidos, no controle do inconsciente, e na descoberta do trauma, mas escolhe recorrer a elementos de montagem genéricos, muito estranhos em frente à câmera, mas sem tanto significado por detrás dela, senão pela estética, que parece ter sido a principal preocupação aqui. Por vezes, lembra até de outros filmes que trabalham a depressão e mesmo o bloqueio criativo de maneiras semelhantes, porém mais eficazes, como Bliss, de Joe Begos; Anticristo, de Lars von Trier; ou I Saw the TV Glow, de Jane Schoenbrun, que até podem ter servido de inspiração, mas cujo resultado não encontra espaço para ficar ao lado deles.
Avaliação: 2/5
Lucid (Idem, 2025)
Direção: Deanna Milligan e Ramsey Fendall
Roteiro: Deanna Milligan e Ramsey Fendall
Gênero: Terror, Drama, Thriller
Origem: Canadá
Duração: 109 minutos (1h49)
29º Fantasia Film Festival (Septentrion Shadows)
Sinopse: Quando uma estudante de arte dos anos 1990 usa um elixir para sonhos lúcidos a fim de superar seus bloqueios criativos, ela abre um portal para outro mundo, embarcando em uma jornada surreal para descobrir sua própria voz artística e resolver traumas do passado.
(Fonte: TMDB - Adaptado)
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