24º TRIBECA FILM FESTIVAL | Tow, de Stephanie Laing (Idem, 2025)
- Henrique Debski
- há 15 minutos
- 4 min de leitura
Tow se divide entre o drama jurídico e o amadurecimento da protagonista, em uma narrativa inspiradora que mascara a fórmula através de empatia.

Curiosamente, temos acompanhado, ano após ano, um certo interesse por parte do cinema hollywoodiano em explorar narrativas baseadas em fatos nas quais o Estado e o próprio ordenamento jurídico norte-americano são colocados em xeque em histórias bastante específicas sobre injustiças ocorridas abaixo do nariz da lei, e por vezes até mesmo legitimada por esta. É o caso do que fora visto, por exemplo, em Eu Me Importo (2020) e The G (2024), ao tratar da questão dos idosos solitários e sem família, interditados judicialmente, e cujo patrimônio fica nas mãos de curadores que se aproveitam para enriquecer, e viverem às custas dos curatelados, ao invés de cuidar e administrar os bens.
Tow, por sua vez, trabalha sob outro nicho temático, mas não se distancia dos citados em sua intenção de explorar as falhas das leis norte-americanas. No filme em questão, baseado em fatos, a personagem Amanda Ogle vive uma vida de nômade, dormindo em seu carro (um Toyota/Corolla, ano 1991), e em busca de um emprego na cidade de Seattle. Quando um dia seu carro é furtado, e logo depois encontrado pela polícia local, a protagonista descobre que precisará pagar uma alta soma em dinheiro, da qual não dispõe, para cobrir o serviço de guincho e estacionamento do automóvel, que apenas aumenta a cada dia, tornando-se uma dívida impossível, o que a leva a entrar em uma batalha judicial contra a empresa para reaver seu carro, e percebe ser tudo aquilo muito maior do que um caso isolado.
Enquanto acompanhamos a luta de Amanda para pegar de volta seu automóvel, a direção de Stephanie Laing também nos oferece uma oportunidade de conhecer a personagem em seu íntimo, das falhas enquanto humana - na relação conturbada com a filha, a fuga da vida familiar e sua tendência ao alcoolismo; até mesmo aos seus sonhos e objetivos futuros, como o retorno para a cidade natal e a tentativa de reaver tudo aquilo que deixou para trás, em um nítido arrependimento que pulsa no olhar de Rose Byrne, em uma atuação frenética que mascara o sentimento de dor escondido por detrás de sua personagem, a qual pouco externaliza seus problemas, mas, em contrapartida, acaba depositando suas ansiedades e preocupações nas costas alheias, sobretudo daqueles que tentam ajuda-la.
Porém, é curioso pensar que o roteiro de Jonathan Keasey e Brant Boivin demora a compreender o potencial e a complexidade da personagem da qual tem em mãos, sem saber se a admira ou se a condena pelos comentários sarcásticos que profere e pelo próprio temperamento explosivo. Quando tenta ajustar isso, já próximo do fim, acaba beirando o artificial com discursos prontos, mas o decorrer da narrativa, entretanto, oferece, de forma inconsciente aos realizadores, uma visão ampla, na qual, mesmo para nós, sem a conhecermos direito, nos simpatizamos com a protagonista, e sabemos que, no fundo, o que ela faz de melhor é mascarar suas mágoas através da grosseria.
Em um ritmo que caminha entre os altos e baixos desses longos dias, contados em tela ao longo da narrativa, Amanda tem sua visão de mundo transformada pelas pessoas que encontra em seu caminho, e mesmo que em problemas tão grandes ou até maiores do que o seu, conseguem acrescentar para seu amadurecimento enquanto pessoa, de forma a incentivá-la a assumir as responsabilidades da vida adulta e enfrentar de uma vez seus traumas passados para conseguir avançar com sua vida adiante. É onde se encontra a personagem de Octavia Spencer, por exemplo, em um de seus típicos trabalhos como a voz da sabedoria e da razão.
No aspecto jurídico da narrativa, por outro lado, Dominic Sessa, em seu segundo projeto, e primeiro após Os Rejeitados, representa o revelador de todo um ponto cego por parte do Estado em relação a tutela e segurança jurídica da própria população, a partir do momento em que ajuda a protagonista a expor ao Judiciário um enorme esquema de extorsão através do serviço de guinchos legitimado, acidentalmente (ou não) pela própria legislação local, que os coloca diretamente contra uma grande e poderosa corporação. Torna-se, assim, uma constante queda de braço entre os vulneráveis – a maioria esmagadora da população – e as grandes instituições, com um Estado que se faz presente, mas sem enxergar. A discussão proposta é tão profunda que abre margens para um debate ainda maior, sobre o qual, acertadamente, creio eu, no entanto, o filme não demonstra interesse em se debruçar, correndo o risco de se estender demais e até perder seu foco central.
Dessa maneira, Tow pode soar como um drama previsível por seu excesso de otimismo, e sobretudo pela fórmula batida, que tenta esconder sob o manto de uma protagonista frenética e uma narrativa de incentivo a luta e a busca pelo direito contra as grandes corporações, mas ainda consegue soar agradável e verdadeiro a partir do protagonismo de Rose Byrne, em uma personagem que desperta curiosidade, fascinação, e, sobretudo, empatia por parte do público.
Avaliação: 3.5/5
Tow (Idem, 2025)
Direção: Stephanie Laing
Roteiro: Jonathan Keasey e Brant Boivin
Gênero: Drama
Origem: EUA
Duração: 105 minutos (1h45)
24º Tribeca Film Festival (Spotlight Narrative)
Sinopse: Inspirado em uma história real, Amanda é uma mulher em situação de rua que vive em seu Toyota Corolla de 1991, enquanto busca emprego em Seattle. Sua situação precária se agrava quando seu carro é roubado e posteriormente apreendido, com a empresa de reboque exigindo taxas exorbitantes que ela não pode pagar, o que a faz decidir lutar na justiça para retomar seu veículo.
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