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29º FANTASIA FILM FESTIVAL | Sweetness, de Emma Higgins (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 25 de jul.
  • 4 min de leitura

Em Sweetness, Emma Higgins brinca com a construção e desconstrução de personagens, em um divertido thriller sobre obsessão e a importância da arte.


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No mundo da arte é muito comum a obsessão adolescente por seus ídolos. E, na maior parte das vezes, não passa de uma admiração pelo trabalho desempenhado do artista, seus atributos físicos, e até um certo desejo romântico e sexual pela pessoa famosa – quem nunca sonhou ou assim se imaginou em um contexto parecido que atire a primeira pedra.

 

Ao mostrar o quarto de sua protagonista, logo em seus primeiros minutos, Sweetness parte justamente dessa ideia: a adolescente Rylee, tímida e de poucos amigos, é apaixonada por Payton, um cantor de rock, e sucesso entre as adolescentes – mais ou menos ao estilo Harry Styles, o qual desconfio que tenha servido de inspiração. As fotos do cantor, coladas ao redor do quarto, e sobretudo acima da cama, fazem do ambiente uma espécie de santuário, quase como se houvesse um culto àquela personalidade, pela qual é obcecada, enquanto ouve suas músicas todos os dias, especialmente quando precisa se acalmar (frente às situações de bullying que sofre eventualmente), e acompanha seus passos, de turnês a entrevistas, religiosamente.

 

Quando filma o artista, durante o primeiro ato, em suas apresentações, a direção de Emma Higgins, em seu longa de estreia, trata de corresponder às expectativas da protagonista, a partir de planos que o enxergam de perto, de costas, suado, e sobretudo de baixo para cima, transbordando tensão sexual enquanto faz sucesso entre as garotas, que gritam incansavelmente.

 

No entanto, quando o destino faz com que o Rylee e Payton se encontrem, tudo o que fora construído até então é colocado em xeque, especialmente no momento em que a protagonista percebe que seu ídolo, na verdade, é um viciado em drogas, e mesmo nos palcos, vive sob os efeitos de todo tipo de substância e álcool. Com a certeza de que pode ajudá-lo, e por acaso com o cantor em sua casa, praticamente fora de si, a personagem se aproveita da situação para algemá-lo em sua cama, para forçá-lo a se reabilitar, ao mesmo que imagina ser uma grande salvadora.

 

Como um thriller com um bom pé dentro do terror, Sweetness se inspira em clássicos como Louca Obsessão - e até referencia recentes contemporâneos, talvez não intencionalmente, como Armadilha - em um interessante exercício de desconstrução de personagens, e sobretudo, de um choque de realidade, enquanto uma expectativa adolescente não é atendida. A desilusão se materializa muito bem diante de uma câmera que, se antes admirava junto a protagonista a persona do artista, sexualizando o cantor e até flertando com ele através de uma proximidade física, agora o enxerga de forma distante, como um homem no auge da carreira que abusa de drogas e se mostra infeliz sem nem mesmo encontrar uma razão para tanto, que não o próprio estrelato, em uma síndrome depressiva que o transforma em uma estrela arrogante e que não dá valor as próprias conquistas, e pior, não crê nem mesmo nas letras das próprias canções (que contam com arranjos musicais muito interessantes, por sinal, apesar das letras propositalmente genéricas).

 

Ao mesmo tempo, a própria ambientação, que se antes um quarto de adolescente fã de um artista, ainda que com certo exagero, mas compreensível, com o cantor deitado na cama, amarrado, toma uma outra proporção, a partir da semiótica, muito mais macabra – e até sarcástica -, que bem se coaduna ao desenrolar da própria obra.

 

Aquela garota de baixa estatura, frágil e tímida do início do filme pouco a pouco se vê tomada por novos sentimentos, disfarçados, até inconscientemente, sob um falso pretexto de altruísmo. Enquanto os eventos escalam, e tomam dimensões cada vez mais absurdas, fica claro que um lado de Rylee compreende a gravidade das atitudes que toma, mas outro, mais forte, movido por uma obsessão, junto da tentativa de superação de traumas do passado, a faz se envolver e mergulhar cada vez mais naquela espiral de caos, onde cada passo dado torna a escapatória, para todos os envolvidos, ainda mais difícil. Tudo isso funciona ainda mais em especial pelo excelente trabalho da jovem e promissora Kate Hallett, do qual o filme se beneficia muito de suas expressões, nessa transformação pela qual passa a protagonista, ainda mais diante dos olhos do público.

 

Fato é que sua conclusão deixa uma boa margem para questionamentos e dúvidas à polícia, sobre o que de fato aconteceu ao longo do filme, já que sobram pontas soltas. Mas desde o princípio Sweetness se estabelece como uma obra muito mais preocupada com sua dupla de personagens centrais do que efetivamente em buscar verossimilhança no entorno – tanto que assisti-lo com uma dose de suspensão da descrença, aceitável pela maneira como o filme não se leva tão a sério, torna a narrativa bem mais interessante, ao ponto de nos deixar na beira da poltrona em inúmeras oportunidades.

 

A brincadeira de Higgins com as constantes construções e desconstruções não apenas é o ponto central da narrativa, como também a forma encontrada pela sua direção para dar personalidade a uma obra que tinha tudo para ser mais uma dentre tantas. Seus exageros e absurdos não são um demérito, mas sim um trunfo para um filme extremamente divertido e autoconsciente de si, com um interessante debate sobre obsessão e a importância da arte, ainda que difícil seja sua visualização pelo artista. Foi uma das boas surpresas desta edição do Fantasia.

 

Avaliação: 3.5/5

 

Sweetness (Idem, 2025)

Direção: Emma Higgins

Roteiro: Emma Higgins

Gênero: Thriller, Drama, Terror

Origem: Canadá

Duração: 96 minutos (1h36)

29º Fantasia Film Festival (Septentrion Shadows)

 

Sinopse: Quando um encontro inesperado com seu ídolo do rock leva a jovem Rylee, de 16 anos, a descobrir que ele é um viciado em drogas, ela decide ajudá-lo por conta própria - transformando, assim, suas fantasias adolescentes em realidade. (Fonte: IMDB - Adaptado)

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