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CRÍTICA | Aqui, de Robert Zemeckis (Here, 2024)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 16 de jan.
  • 4 min de leitura

Com uma câmera estática, Aqui explora com sensibilidade a relação passado-presente sob o olhar da sala de estar de uma casa ao longo de décadas.


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Sempre que costumo visitar um museu ou especialmente um local histórico, há um pensamento que de maneira recorrente vem à minha mente: “o que será que já aconteceu aqui, onde estou pisando neste exato momento? Quem mais já pisou neste mesmo espaço, ao longo dos anos, décadas, séculos? O que já fora conversado? Quais palavras proferidas? O que foi decidido? E o como isso impactou ou não em nossas vidas e pode ter ajudado a moldar o presente?”. São reflexões que me fazem pensar sobre o quão relativo é o tempo, e sua passagem, constante.

 

De maneira semelhante, Richard McGuire explora essa ideia em sua graphic novel Here, publicada em 2014, centrada em um único local, da pré-história até os dias atuais, desde antes da colonização do território norte-americano até a construção das cidades, e sobretudo da casa na qual, durante boa parte do tempo, passamos em sua sala de estar, estáticos, atravessando os séculos XIX e XX, e observando um pouco da vida das diversas pessoas que ali passaram.

 

Sua adaptação para as telas de cinema teria de vir em um projeto que exigiria um mínimo de ousadia de seu realizador, tendo em vista a complexidade de sustentar uma narrativa com a câmera parada, acompanhando as transformações ao longo dos anos – ou algo que funcionasse de maneira parecida. Robert Zemeckis comprou este desafio em um momento um tanto delicado de sua carreira, depois das fracas recepções de Convenção das Bruxas (2020, do qual faço parte da corrente minoritária que o defende); e Pinóquio (2022, realmente decepcionante).

 

E então, Aqui reafirma alguns bons traços do tradicional cinema de Zemeckis, a começar por sua notável paixão pela História, sobretudo norte-americana, e o passado como um todo, perceptível desde De Volta para o Futuro e Forrest Gump, dois de seus maiores longas; mas, sobretudo, é um demonstrativo de sua vontade em tentar se reinventar, experimentando novas maneiras de trabalhar com a linguagem cinematográfica, a partir da sustentação de um lugar como protagonista.

 

As pessoas tem sua relevância, e umas possuem mais destaque do que outras – é o caso dos personagens de Tom Hanks e Robin Wright, rejuvenescidos digitalmente, que nos guiam durante a maior parte do tempo pela jornada que fazemos no decorrer do século XX -, mas são todos meros passageiros e coadjuvantes ao longo do tempo.

 

A partir de uma visão privilegiada daquele espaço, somos levados a refletir sobre as diversas maneiras de enxergar o mundo, e as relações entre passado, presente e futuro. Não como algo óbvio, mas é sobre as diferenças pessoais e culturais referentes a cada período (ainda mais quando ao menos três diferentes gerações compartilham diariamente do mesmo espaço); o comportamento dos seres humanos atravessando épocas distintas, e as maneiras como se influenciam; assim como a imaginação, as previsões e apostas para o futuro.

 

Tudo se engrandece com o caprichado trabalho desempenhado pela colorida fotografia de Don Burgess; o design de produção de Ashley Lamont (junto do departamento de direção de arte), responsável por nos situar no tempo, ao lado da trilha musical; mas sobretudo pelo fundamental dinamismo da montagem, assinada por Jesse Goldsmith, não só pela maneira comparativa como nos leva a enxergar aquele mesmo lugar a partir da mescla entre fragmentos de diferentes épocas, reforçando o contraste sociocultural, mas também pela forma como transita entre as linhas narrativas não-lineares com naturalidade, em um grau de imersão tamanho que somos capazes até mesmo de nem sentir a passagem dos 95 minutos de duração.

 

E tanto o roteiro de Eric Roth e Zemeckis, quanto a própria direção, são cuidadosos para não tornar toda essa proposta intimista de Aqui em uma grande caricatura sobre as diferenças comportamentais do mundo ao longo do tempo. Há muita sensibilidade nas relações familiares estabelecidas em cena – sobretudo entre o casal Hanks-Wright -, ainda que as vezes pese um pouco a mão nos elementos dramáticos, em especial quando se trata da morte.

 

Dessa forma, Aqui oferece uma maneira diferenciada de experimentar a linguagem cinematográfica dentro de uma relação tempo e espaço, recheada com bastante dinamismo, carregada com o estilo sensível do cinema realizado pelo veterano Robert Zemeckis, e sem necessariamente fugir de um padrão tradicional norte-americano, apenas oferecendo a subversão de parte dos seus elementos com, em troca, um drama familiar comovente, ora irônico, crítico e ora saudoso em relação ao passado, na busca pela identificação do espectador para com os personagens, nada mais do que pessoas comuns vivendo suas vidas, rindo e chorando, como todos nós.

 

Avaliação: 4.5/5

 

Aqui (Here, 2024)

Direção: Robert Zemeckis

Roteiro: Robert Zemeckis e Eric Roth, adaptado de Richard McGuire (graphic novel)

Gênero: Drama

Origem: EUA

Duração: 104 minutos (1h44)

Disponível: Cinemas (via Imagem Filmes)

 

Sinopse: Uma odisseia através do tempo e da memória, centrada num local na Nova Inglaterra onde - a partir da natureza selvagem e, mais tarde, a partir de um lar - o amor, a perda, a luta, a esperança e o legado se desenrolam entre casais e famílias ao longo de gerações. (Fonte: TMDB)

 
 
 

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