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CRÍTICA | O Último Azul, de Gabriel Mascaro (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • há 3 dias
  • 4 min de leitura

A distopia de O Último Azul nos leva em uma viagem sensível pelo Rio Amazonas através dos olhos de Tereza, com a redescoberta da vida na terceira idade.


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Recentemente, temos acompanhado, até mesmo no cinema comercial, uma expansão dos olhares em busca de histórias mais variadas, dando voz a parcelas da sociedade outrora esquecidas (ou até ignoradas) pela sétima arte. Ainda que as pessoas idosas estejam no dia a dia de todos nós, e muitas vezes dentro de nossas próprias casas, é interessante pensar em como a produção cinematográfica, durante muito tempo, os renegou o protagonismo em suas narrativas.

 

Já há alguns anos, porém, isso tem se alterado. Nos anos 2010s, foram muito comuns ao cinema norte-americano comédias que reuniam grandes veteranos para alguma “última vez” – é só nos lembrarmos de A Última Viagem a Vegas (2013), Despedida em Grande Estilo (2017), Do Jeito que Elas Querem (2018), dentre outros. Já nos últimos anos, então, tem-se ido além, ao se tornarem ainda mais comuns também dramas que buscam pelo olhar da pessoa idosa – Meu Pai (2020) foi um grande exemplo disso. Mais recentemente, a comédia dramática Thelma (2024) concedeu à veterana June Squibb, aos 93 anos, a oportunidade de protagonizar um longa-metragem; e no cinema brasileiro, Domingo à Noite (2024) e Vitória (2025) tratam-se de bons exemplos.

 

Nesse sentido, O Último Azul, orgulhosamente vencedor do Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri, no Festival de Berlim (2º lugar da Mostra Competitiva), explora uma realidade distópica, de um Brasil que decide rejeitar os cidadãos da terceira idade, por considerá-los improdutivos e contraproducentes, impondo cada vez maiores restrições com o chegar da idade, culminando no encaminhamento às ditas “colônias”, onde podem finalmente, nos últimos anos de vida, apenas “descansar sem se preocupar”.

 

Na contramão de um thriller que facilmente poderia ser extraído de tal premissa, o longa de Gabriel Mascaro não busca pelos momentos de tensão perante o espectador, mas conduz sua narrativa no caminho de uma aventura sobre fuga e liberdade, com elementos fantásticos dignos de William S. Burroughs (e que até lembram da recente adaptação de Queer).

 

O estabelecimento dessa realidade distópica constrói-se na base da desilusão de sua protagonista, Tereza, que percebe o fim da linha de sua vida, e da impossibilidade de realizar alguns desejos frente às políticas governamentais. Sua demissão forçada do trabalho, ao qual dedicou a maior parte de sua vida, as “honrarias” que recebe publicamente do Estado e aos procedimentos burocráticos aos quais é obrigada a se submeter em razão da idade são uma forma de demonstrar a humilhação de um governo que não se importa com seu bem-estar, mas que a todo custa a provoca para que, mais facilmente, ceda ao último passo do “extermínio da terceira idade”, com o envio às ditas “colônias”, as quais, ainda que nunca vejamos, soam como uma espécie de campo de prisioneiros, para não dizer “concentração”.

 

Todo esse processo de constantes provocações (sem ainda mencionar o terrível carro “cata-velho”, como se fossem animais na antiga carrocinha) ao espectador, que na prática crítica, de maneira escancarada, uma desídia governamental com a população idosa, o que por vezes vale para nossa realidade brasileira, inclusive, é suficiente para que nos aliemos a Tereza em sua fuga do mundo como conhece para passar o final de sua vida explorando espaços que nunca percorreu, conhecendo novas pessoas, compartilhando histórias, conhecimentos, experiências, e sobretudo, conhecendo novas sensações que, por razões financeiro-sociais, nunca foi capaz de pensar.

 

Existe todo um ar de peso e solidão carregados pela personagem Tereza, os quais o excelente trabalho de Denise Weinberg sintetiza e dá vida com o olhar cansado, e mais ainda, decepcionado com a sua realidade, e o ponto em que sua vida chegou, ao ser “aprisionada”, pelo Estado e pela própria família, justamente quando encontra a oportunidade de desbravar a terra em que morou desde que nasceu, mas que nunca teve a oportunidade de efetivamente viver nela, quando sempre dedicada aos cuidados da filha e a levar dinheiro para casa.

 

Para além dessa jornada de amadurecimento da terceira idade, de redescobrimento da vida e do próprio lugar onde viveu – que estabelecem um paralelo interessantíssimo com as aventuras “coming of age”, protagonizadas por pessoas jovens, inexperientes, desbravando a vida, como uma espécie de contraponto –, Gabriel Mascaro também direciona o olhar para uma região pouco explorada do país no cinema nacional: o Norte, e especialmente, o Rio Amazonas.

 

Transformado em um personagem, o cenário nortista amazonense escanteia os carros e coloca, em seu lugar, as embarcações, fazendo da água um novo asfalto, e explorando pela imagem a imensidão da natureza, eterna, frente à fragilidade do ser humano e suas relações, para com o mundo, entre si, e sobretudo, com a terra em que se pisa.

 

Apesar de seu desfecho repentino, O Último Azul é um filme cujo maior mérito, para além da sensibilidade, é a maneira como nos deixa pensando – o que faz o encerramento muito bem se justificar. Ainda que o ambiente distópico sirva apenas como pretexto para uma aventura pessoal de redescoberta da vida após a chegada na terceira idade, é como se ilustrasse, de maneira óbvia, o que na prática acontece com muitas pessoas, ao tornarem-se idosas e serem abandonadas pelas famílias em casas de repouso, quando anda poderiam cuidar de si e das próprias vidas. É um drama aventuresco sensível que procura não apenas a visibilidade ao tema, mas reflexões, para que pensemos em nossa maneira de viver, e readaptemos para aproveitar a vida em todos os seus estágios, sempre que possível, em um diálogo profundo com todos os públicos, de todas as idades.

 

Avaliação: 4.5/5

 

O Último Azul (Idem, 2025)

Direção: Gabriel Mascaro

Roteiro: Gabriel Mascaro e Tibério Azul, com a colaboração de Murilo Hauser e Heitor Lorega

Gênero: Drama, Aventura

Origem: Brasil

Duração: 87 minutos (1h27)

Disponível: Cinemas

 

Sinopse: Para maximizar a produtividade econômica, o governo ordena que os idosos se mudem para colônias habitacionais distantes. Tereza, 77, se recusa - em vez disso, embarca em uma jornada pela Amazônia que mudará seu destino e a forma como vê o mundo e a própria vida.

 
 
 

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