13º MOSTRA TIRADENTES SP | Deuses da Peste, de Gabriela Luíza e Tiago Mata Machado (Idem, 2025)
- Henrique Debski
- 25 de mar.
- 3 min de leitura
Deuses da Peste, no contexto das eleições de 2022, explora o medo do futuro em filme experimental e sarcástico.

Compreendendo um período recente em que a arte deixou de ser uma das prioridades do governo brasileiro – e verdade seja dita, chegou a ser desvalorizada enquanto cultura como um todo -, a dupla de cineastas Gabriela Luíza e Tiago Mata Machado materializou, através de Deuses da Peste, suas preocupações para com o futuro do Brasil nas eleições presidenciais de 2022, em um filme experimental filmado em São Paulo e produzido sem qualquer incentivo estatal durante esse fatídico período, no qual os ânimos encontravam-se à flor da pele no país.
Toda a montagem dos minutos iniciais do longa, construída a partir de colagens e recortes “explosivos” e “bombásticos” já revela como uma de suas principais inspirações o movimento sessentista paulista Boca do Lixo, contexto no qual Rogério Sganzerla deu à luz a uma de suas principais obras – e também do cinema brasileiro, O Bandido da Luz Vermelha. Por vezes, é como se o presente, ainda que sob diferentes bases, propusesse uma releitura a sua própria maneira do estilo que outrora Sganzerla desenvolveu, enquanto também, àquele tempo, dialogava, ainda que nem tão explicitamente, em razão da censura, sobre a situação do Brasil da época, sob o governo dos militares e do autoritarismo que tanto caçoava.
Não é nada diferente do que Deuses da Peste busca fazer, ao debater o Brasil dos quatro anos anteriores, entre os retrocessos que compreendem e a perseguição à arte. É como se passassem, a cada momento, por um ano diferente, um prisma de análise, desde quando zomba dos apoiadores fanáticos até as conspirações, absurdos e notícias falsas, atribuindo personalidades alegóricas aos atores em cena e até mesmo zombando de pessoas envolvidas no governo utilizando seus verdadeiros nomes.
No entanto, o filme também não se limita a caçoar do governo anterior, e expor em imagens o medo do futuro caso Jair Bolsonaro vencesse novamente as eleições presidenciais – o que, na posição em que estamos hoje, sabemos que não foi o caso. Muito pelo contrário, sua abordagem é abrangente enquanto expande suas discussões ao mundo contemporâneo, abordando também os receios da recente onda mundial que flerta com o autoritarismo, e mais ainda, com o papel da arte nesse meio, em suas vertentes de expressão e comunicação, enquanto cada vez mais apagada em um mar de polarizações, fake news e a ausência de diálogo e oitiva uns dos outros.
Os figurinos empoeirados dos personagens, aos quais eles mesmos fazem menção, revelam o teatro como uma arte cada vez mais ‘abandonada’, quando comparado ao passado; e Shakespeare, ainda muito atual, cada vez menos aproveitado, e mais, incompreendido pelas atuais gerações, que parecem afastar-se da literatura, dramaturgia – e da arte como um todo, ideia na qual o ator Paulo Goya muito bem reproduz ao longo desta narrativa.
Apesar de uma procura pela reinvenção de sua linguagem a cada segmento que propõe, em determinado momento Deuses da Peste começa a perder seu ritmo. Não pela ausência de eloquência na voz com que expõe suas ideias, muito bem articuladas, mas pela duração exacerbada que, inevitavelmente, levou à alguns momentos de repetição em sua forma que tornaram o filme um tanto cansativo, especialmente no terço final, ao utilizar-se dos mesmos mecanismos e ideias, apenas se estendendo com certa redundância.
Ainda assim, Deuses da Peste não perde o vigor de sua voz, para concluir com uma sequência final que faz jus a forma experimental que tanto aprecia e abraça, com referências ao próprio cinema paulista, na forma de Sganzerla, a quem a dupla certamente reverencia, sobretudo quando convida a veterana Helena Ignez, a musa do cineasta, com quem foi casado, e esteve em boa parte de seus filmes, para uma participação breve, mas além de tudo, fundamental a tudo o que deseja significar – seja no aspecto sócio-político, seja na própria metalinguagem – como um amarrar das ideias aos verdadeiros deuses da peste que circundam e habitam o mundo contemporâneo.
Avaliação: 3.5/5
Deuses da Peste (Idem, 2025)
Direção: Gabriela Luíza e Tiago Mata Machado
Roteiro: Tiago Mata Machado
Gênero: Drama, Comédia, Experimental
Origem: Brasil
Duração: 130 minutos (2h10)
13º Mostra Tiradentes SP (Mostra Olhos Livres – Vencedor)
Sinopse: Em um antigo casarão em ruínas, no centro de São Paulo, um velho ator shakespeariano exilado dos palcos vive com seus fantasmas. Em seu leito, cercado de cortinas vermelhas retiradas de um teatro abandonado, ele sonha com a peste e com o fogo se alastrando por todo o país. Em torno do velho ator, forma-se uma estranha comunidade. (Fonte: Mostra Tiradentes)
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