16º FESTIVAL CINEFANTASY | Consequências Paralelas, de CD Vallada e Gabriel França (Idem, 2025)
- Henrique Debski

- 11 de set.
- 4 min de leitura
Consequências Paralelas se mantém vivo em nossas mentes tempos depois de encerrada a projeção, ao refletir sobre a fragilidade das relações e as infinitas possibilidades de ação e reação.

Vivemos em tempos nos quais o cinema, sobretudo hollywoodiano, se encontra saturado de obras que abordam as temáticas de viagem no tempo e multiversos. Desde a introdução desses temas no cinema de heróis, e seu constante uso como muleta narrativa e maneira de reverter situações dentro dos universos compartilhados e estendidos, diminuindo as consequências dos eventos de quaisquer produções, poucos ainda conseguem, ou se voluntariam, a trabalhar com essas ideias sob perspectivas originais, que fiquem de fora desse eixo já desgastado ou se restringindo a ficar na sombra e referenciar clássicos como De Volta Para o Futuro.
Com apenas uma única sala, uma poltrona, três atores, seis diárias de gravação, planos longos e muita teoria e prática materializadas em frente à câmera, o longa brasileiro Consequências Paralelas não vem acumulando prêmios e reconhecimento em festivais, nacionais e internacionais, à toa. Na contramão das abordagens óbvias, a história escrita por CD Vallada, e cujo roteiro assinara em conjunto com Gabriel França consegue nos projetar, junto aos personagens, rumo a realidades diversas tão somente trabalhando as consequências do futuro, na forma de um acerto de contas no presente.
A necessidade de efeitos especiais ou mesmo visuais se mostra praticamente dispensável, na medida em que a criatividade e a simplicidade podem muito bem funcionar quando o assunto é viajar no tempo e criar realidades paralelas. Em momento algum assistimos aos personagens saindo do ambiente em que estão, mas tão somente se sentam em uma simples poltrona, acionam um dispositivo e são capazes de enxergar uma sucessão de eventos à frente, até a oportunidade em que decidem voltar no tempo para acertar contas ou refazer os passos na própria vida, sabendo do que pode acontecer.
Aos poucos, as relações de amor e amizade plenamente consolidadas em toda a longa sequência inicial se mostra fragilizada quando, após o uso da máquina, sentimentos ocultos de uma das partes vêm à tona. A amizade de Max e Pedro, muito bem vividos por Felipe Hintze e João Fenerich é colocada em jogo quando se descobre uma paixão antiga e platônica de Max pela esposa de Pedro, Bruna, também muito bem na pele de Carol Macedo. A partir do retorno de um Pedro do futuro ao momento presente, após sentar na “poltrona do tempo”, uma sucessão de eventos violentos leva a Max investigar, a partir de um jogo de tentativa e erro voltando ao mesmo momento, o que pode ter acontecido entre eles em uma outra realidade, e o que pode ser feito para impedir que tudo termine em uma grande tragédia, com uma mise-en-scene sagaz ao explorar o triangulo amoroso habilmente por meio da imagem e posição de uns diante dos outros, enquanto as discussões avançam e os personagens mudam de lados e opiniões.
O mais interessante é que, desde a narração da sequência de abertura do longa, os conceitos no entorno da narrativa são expostos com muita clareza, e não apenas verbalmente reforçados, como também materialmente, diante da própria câmera. Pode até ser que soem expositivas algumas passagens, mas é uma forma de situar o espectador diante dos eventos, e retomar ideias, previamente mencionadas apenas como teorias, agora como realidade. A montagem, nesse sentido, desempenha função essencial para que tudo se torne inteligível, enquanto a dinâmica de viagem no tempo permite que aqueles em cena explorem possibilidades de futuros alternativos, e se confundam diante da complexidade das ideias e teorias que eles mesmos evocam. Chaga a tal ponto que os personagens passam a julgar uns aos outros por eventos que ainda nem aconteceram, e ideias que nem sequer ainda foram cogitadas, se mesmo é que um dia seriam, naquela realidade e naquelas circunstâncias, tornando as discussões acaloradas e com armas sobre a mesa ainda mais perigosas.
Assim, Consequências Paralelas é como assistir a um jogo de videogame, em que acompanhamos os personagens fazendo suas jogadas, falhando e tentando novamente, em uma dinâmica que, por vezes, até lembra certos elementos do excepcional Life is Strange (2015). Acontece que, diferente de um jogo, aqui suas vidas estão em risco, física e socialmente, tornando qualquer passo em falso um “game over” para sempre.
E a complexidade da obra de CD Vallada e Gabriel França é tamanha que a cada momento pensando conosco ou discutindo o filme com alguém, nossas percepções são capazes de mudar. Até mesmo em uma conversa com a equipe do longa, e especialmente com o ator e produtor João Fenerich, foi possível discutir teorias e percepções que engrandecem ainda mais cada nuance oferecida por Consequências Paralelas, de tamanha vastidão que até mesmo a existência ou não de reviravoltas pode ser questionada. Esse é justamente um dos melhores tipos de filme, que se mantém em nossa mente, em nossos pensamentos, tempos depois de finda a projeção, como uma pulga atrás da orelha, capaz de nos fazer questionar o que assistimos, entendemos, o que pode acontecer em seguida, e mesmo como agiríamos se tal maquinário estivesse em nossas mãos. Certamente uma obra-prima do cinema de ficção científica brasileiro.
Avaliação: 4.5/5
Consequências Paralelas (Idem, 2025)
Direção: CD Vallada e Gabriel França
Roteiro: CD Vallada e Gabriel França
Gênero: Thriller, Ficção Científica
Origem: Brasil
Duração: 80 minutos (1h20)
16º Festival Cinefantasy
Sinopse: Max e seus amigos, Pedro e Bruna, descobrem uma improvável máquina do tempo e, movidos pela curiosidade, decidem testá-la. Mas o que parecia uma aventura se transforma em um pesadelo quando Pedro, de forma súbita e inexplicável, passa a querer matar Max.





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