16º FESTIVAL CINEFANTASY | Warden, de Marcus Alqueres (Idem, 2025)
- Henrique Debski

- 5 de set.
- 4 min de leitura
Warden, a partir de um super-herói, discorre sobre a necessidade do ser humano em se agarrar à salvadores da pátria, enquanto não enxergam o super-vilão que alimentam ao depositar a fé e o poder total nas mãos de um.

Uma das primeiras lições que aprendi quando iniciei meus estudos sobre cinema e, especialmente, sobre a crítica de cinema, em meados de 2020 com Filippo Pitanga, é a de que todo filme é político. E engana-se quem pensa que o cinema de heróis é completamente isento de um teor político, sobretudo diante dos atos e mantos assumidos por seus personagens.
Durante um bom período, é fato que a Marvel e até a própria DC, as duas maiores no cinema de super-heróis, principalmente na década passada, buscavam por camuflar alguns de seus debates, e muitas vezes evitavam adentrar a questões mais complexas, aptas a questionar os heróis em tela – algo que acontecera por diversas vezes no MCU, e na prática continua a acontecer, ainda neste ano, e que o Superman de James Gunn dá início a uma onda que tenta mudar essa ideia.
O Brasil, na década passada, também esteve de frente para um de seus primeiros super-heróis (ou talvez anti-heróis) no cinema, O Doutrinador, longa dirigido por Gustavo Bonafé, com um ar reacionário, enfrentando a corrupção sistêmica, enraizada nos três poderes, a partir da violência física, após uma tragédia pessoal.
Na contramão de todos esses ideais, Warden chega para questionar o papel de um super-herói diante da sociedade “real”. Sem super-vilões ou grandes exageros, falamos de um homem com poderes, cuja origem dos mesmos pouco importa à narrativa, que nasceu e cresceu na cidade de Nova São Paulo, e promete salvar sua população do crime organizado e constante, e da própria violência que assola a todos, atuando como um vigilante em prol da sociedade – sem motivações pessoais, ao menos de início.
Diante da proposta do longa, o formato “mockumentary”, ou falso documentário, é adotado de forma que nunca nos encontramos, como espectadores, de maneira frontal com o personagem título, assim como grande parte dos residentes de Nova São Paulo também não, mas o conhecemos por meio de entrevistas e depoimentos de pessoas públicas – jornalistas, historiadores, políticos e até promotores de justiça -, construindo a personalidade do vigilante Warden a partir da opinião pública e imagem que manifesta em frente às câmeras e meios de comunicação, como as redes sociais e a própria televisão, para além, é claro, de seus próprios atos. É até curioso pensar que, mesmo após quase noventa minutos com o personagem em tela, muito bem vivido por Giovanni de Lorenzi, nunca o ouvimos falando por si, ou em seu próprio nome. O assistimos enfrentando criminosos, falando com repórteres, participando de coletivas de imprensa, mas nunca olhando diretamente para nossa câmera e dialogando conosco, cara a cara.
Tudo faz parte dessa desconstrução de Warden, na qual o longa traça uma clara linha do tempo percorrendo as origens do personagem, sua criação familiar, a descoberta dos poderes, até o estágio em que aquele universo se encontra, mantendo o mistério sobre o ponto em que está. Ainda que seu formato documental por vezes possa soar um tanto engessado, sobretudo com a segmentação de cada momento, com a interrupção da trama e a exibição de um novo título em tela, o que por vezes soa excessivo, a direção de Marcus Alqueres é cuidadosa em estabelecer um panorama amplo às visões sobre o personagem, com as entrevistas, de maneira a camuflar-se como uma obra inerte, isenta.
É como um jogo de quebra-cabeças, em que vamos compreendendo e tentando decifrar a verdadeira opinião da pessoa entrevistada com relação à Warden, por vezes mais claras e explícitas, mas em outros casos ambígua, o que inclusive leva o roteiro de Jeff Juhasz à surpresa do público, com algumas reviravoltas.
Porém, a medida em que se aproxima do fim, o ar isento assumido nos primeiros momentos é propositalmente abandonado, rumo à conclusão sombria que constrói sobre a ideia do super-heroísmo nesse suposto mundo real. Não se trata, na verdade, apenas do combate ao crime, mas de uma sensação de poder que aos poucos torna-se contagiosa, no pior dos sentidos. Em algumas oportunidades, falta um pouco de complexidade ao universo retratado, e no próprio debate acerca da violência, ao desconsiderar algumas camadas da sociedade, e mesmo na abordagem de algumas temáticas que acabam esquecidas, sobretudo na seara jurídica, mas Alqueres consegue se esquivar de um ar reacionário ou problemático, e leva a imagem de Warden para o mundo afora.
A própria ideia de filmar o longa majoritariamente em língua inglesa, cuja produção se iniciara nos Estados Unidos, antes da pandemia e de ser readaptada ao Brasil, acaba, apesar do estranhamento inicial, e de alguns elementos políticos norte-americanos em relação às leis e organização governamental que soa estranho em solo nacional, funcionando como uma forma interessante de trabalhar essa globalização da imagem do herói, e sua manipulação com o passar do tempo, transformando-se, lentamente, em uma perigosa forma de propaganda política.
Dessa maneira, Warden, através de um aspecto verossímil de sua fantasia, fala muito sobre a realidade concreta, e da necessidade do ser humano em procurar por messias e salvadores da pátria a todo instante, dando pouco valor ao ordenamento jurídico e ao próprio Estado Democrático de Direito enquanto acredita que o poder concentrado nas mãos de um pode resolver todos os problemas de uma nação. E assim poderiam agir os super-heróis se existissem em nossa realidade, ainda mais brasileira, idolatrados pelo ar reacionário de pessoas que preferem a solução rápida no lugar da certa, na suposta resolução de problemas eternos que nunca terminarão. Acaba sendo melancólico pelo como é verdadeiro, no reflexo de uma sociedade eternamente doente, e, de praxe, imagina o perigo de super-heróis que, no fundo, se tornariam os vilões da história. Uma ótima surpresa nesta abertura do 16º Festival Cinefantasy.
Avaliação: 3.5/5
Warden (Idem, 2025)
Direção: Marcus Alqueres
Roteiro: Jeff Juhasz
Gênero: Thriller, Ficção Científica
Origem: Brasil, Canada
Duração: 90 minutos (1h30)
16º Festival Cinefantasy
Sinopse: É a história de um jovem com poderes inexplicáveis que decide que pode salvar sua cidade adoecida. E é também a história dos jornalistas, promotores, políticos, amigos e familiares cujas vidas são transformadas para sempre pela ascensão do primeiro super-herói do mundo.





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