24º TRIBECA FILM FESTIVAL | A Bright Future, de Lucía Garibaldi (Un Futuro Brillante, 2025)
- Henrique Debski

- 6 de jun.
- 4 min de leitura
Lucía Garibaldi correlaciona imaturidade às escolhas decisivas para a vida, em uma distopia que reflete a nossa própria realidade.

O universo em que se passa A Bright Future desde os primeiros minutos deixa pistas de um ar distópico. Apesar das condições de vida razoáveis da protagonista e daqueles ao seu entorno, a rigidez governamental é a todo tempo um elemento sentido que pesa o ar daquele mundo repleto de incertezas, onde não parece existir qualquer traço de esperança ou ambição em sua população para além de um sonho distante à maioria, em ir para o Norte na busca de um uma vida melhor.
Porém a ida ao Norte não é aberta a todos – na verdade, é uma oportunidade única a pouquíssimas pessoas, ou que tem a chance de comprar uma disputada passagem a um valor altíssimo, ou aos jovens, com as melhores mentes locais, para estudarem e, depois, trabalharem na busca de supostas “curas” para aquela realidade onde desastres ambientais aparentemente destruíram o planeta e o tornaram, em sua maior parte, um ambiente tóxico aos seres humanos, inclusive o próprio contato animal, que tornara-se uma ameaça.
Em toda sua atmosfera fria e depressiva, sobretudo pela escolha de cores da fotografia de Arauco Hernandez para retratar o mundo “comum”, ao refletir os sentimentos de uma população à deriva de vidas que julgam medíocres, fica implícito uma sensação de esquecimento por parte de um Estado que apenas direciona sua atenção ao Norte, e restringe-se aos meios de contenção fora dessa região privilegiada. Nesse sentido, as cores quentes, em tons de amarelo e vermelho, estão presentes justamente nos momentos em que a protagonista Elisa, vivida por Martina Passeggi, passa pelo processo de preparação para sua viagem.
No entanto, o roteiro de Lucía Garibaldi e Federico Alvarado não perde a oportunidade, diante do contexto que constrói, de suscitar em sua protagonista as naturais dúvidas sobre sua ida ao Norte, em meio às influências de todo o meio ao seu entorno, sobretudo de sua mãe, de passar a ideia desta ser a solução para todos os problemas da vida.
Sob uma constante pressão, sobretudo familiar, enquanto a irmã, anos antes, já fora selecionada para viajar e pouco deu notícias desde então, a direção de Lucía Garibaldi trabalha uma nuance pessoal de sua protagonista, em relação à dúvida sobre fazer ou não a escolha certa em viajar. Durante as preparações, e nas próprias palavras da irmã, que pouco responde às tentativas de contato, o trabalho no Norte passa a ser a única e exclusiva razão de vida. Não de maneira análoga à escravidão (ao menos não diretamente), mas através de uma filosofia pautada no fato de que as vidas e mentes brilhantes para lá escolhidas se destinam a “consertar” o mundo, e a outros grandes feitos.
Quais grandes feitos, não há de saber. A filosofia, que por um lado é propagada e transforma os selecionados em grandes egoístas viciados em trabalho na busca de sucesso e construir “grandes coisas”, por outro lado não manifesta essas conquistas para a sociedade como um todo, diante da pobreza financeira e falta de perspectiva na região em que vive a protagonista.
Fato é que o filme não necessariamente se destina a explorar com afinco essa realidade de maneira abrangente, mas tão somente acompanhar a protagonista, ainda muito jovem, na tomada da decisão que ditará os rumos de toda a sua vida, com as informações que tem em mãos e as cartas na manga. É como se fosse, em uma correlação com a nossa realidade, ao vestibular quando chegamos ao final do ensino médio. Ainda jovens e imaturos, estudamos para provas a fim de ingressar em uma faculdade, e continuarmos a nossa formação, agora especializada. Mas enquanto alguns de nós já criaram uma convicção sobre o que desejam (ou assim acham), outros ainda não tem essa certeza, como é o caso de Elisa, em uma decisão ainda mais difícil, pois definitiva.
Eis o conflito de tomar uma decisão, entre ajustar o próprio futuro para sempre, garantindo sustento, mas talvez abrindo mão da própria vida social e pessoal em prol do trabalho a ser desenvolvido em um lugar que sabe-se lá como é ou poderá ser; ou abandonar a oportunidade única e explorar a si própria e o mundo ao redor, na contrapartida de uma incerteza eterna e imprevisibilidade sobre como será a própria vida.
A escolha final, então, vem acompanhada de uma síntese da convicção formada pela personagem em seu processo decisivo, desde da pressão social e familiar sofrida, até as conversas com sua vizinha, seu tio e as formas que encontrou para angariar dinheiro a fim de que sua mãe pudesse vencer o leilão e comprar uma passagem para o Norte. Ainda que por vezes existam elementos nesse processo que soem um tanto desconexos em relação a própria construção do universo, sobre os quais a narrativa poderia melhor se debruçar com mais contexto (como “o cheiro da juventude”), A Bright Future revela, em sua essência, que é muito eficiente na maneira como trabalha esse sentimento de insegurança vivido pela protagonista, acompanhado de uma certa dose de angústia, e a eminência de uma grande decisão a ser tomada, que a definirá pelo resto da vida. É um filme que gera reflexões, e sobretudo propõe um debate importante sobre maturidade e escolhas de vida, que muito bem se amolda à nossa realidade do presente, seja no Brasil (nosso país e realidade), na América do Sul, ou qualquer outro lugar.
Avaliação: 3.5/5
A Bright Future (Un Futuro Brillante)
Direção: Lucía Garibaldi
Roteiro: Lucía Garibaldi e Federico Alvarado
Gênero: Drama
Origem: Argentina, Uruguai, Alemanha
Duração: 97 minutos (1h37)
24º Tribeca Film Festival (Viewpoints)
Sinopse: Inteligente e curiosa, a jovem Elisa foi selecionada para trabalhar no Norte, uma oportunidade que poucos tem de sair de suas regiões e viajar. Embora tudo o que ela ouviu sobre o Norte pareça idílico, o problema é que as pessoas que vão para lá nunca voltam. (Fonte: TMDB - Adaptado)





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