24º TRIBECA FILM FESTIVAL | Pipas, de Walter Thompson-Hernandez (Idem, 2025)
- Henrique Debski
- há 13 horas
- 4 min de leitura
Pipas é como um olhar estrangeiro para o Brasil, em uma narrativa desnorteada que não funciona em seu drama de redenção vazio, e nem em seu senso comunitário.

Em determinados momentos de Pipas, a câmera de Walter Thompson-Hernandez se aproxima dos personagens buscando uma sinceridade em seus olhares, que através das lágrimas, especialmente do protagonista, revela um sentimento de arrependimento com a vida que leva, em um ciclo de violência constante na periferia do Rio de Janeiro, enquanto líder criminoso do grupo que domina uma das favelas da cidade.
De certa maneira, o que o roteiro e direção de Thompson-Hernandez tenta trabalhar com o filme é como um releitura do que Spike Lee fizera nos anos noventa com Faça a Coisa Certa, enquanto transforma o bairro do Brooklyn, em NY, num personagem, e seus habitantes o integram igualmente como partes de toda uma comunidade reunida, que pouco a pouco, independentemente de suas diferenças pessoais, se junta para lutar contra uma situação de injustiça, em uma espécie de bomba-relógio social movida por um debate sobre igualdade racial e a desmedida violência policial.
Para que tudo funcione adequadamente, Faça a Coisa Certa toma o tempo necessário para explorar seus diversos personagens, o contexto em que se encontram, e suas vidas e rotinas cruzadas ao longo do dia mais quente daquele ano, no início do verão. A paciência é uma virtude que nos imerge naquele universo, e nos faz sentir parte das vidas levadas por aquelas pessoas, ao ponto de nos suscitar sentimentos de revolta e indignação diante dos acontecimentos cada vez mais desproporcionais que uma simples discussão numa pizzaria acaba gerando.
Por outro lado, ainda que se tente construir a favela como uma comunidade, a direção de Thompson-Hernandez não parece ter o mesmo fôlego de sua inspiração, seja num aspecto formal ou mesmo em seu texto, para trabalhar com a realidade brasileira. Na verdade, o ambiente em si pouco tem atenção do roteiro, que se restringe a filmar, eventualmente, pessoas conversando de forma casual, sobre fofocas do dia-a-dia ou mesmo de futebol, na tentativa de construção do senso de realidade, que mais acaba se tornando algo artificial na medida em que, apesar de nominadas, essas pessoas não parecem ser importantes a história que o longa deseja contar, ou mesmo ao personagem principal.
Da mesma forma o protagonista, ainda que muito bem vivido por Daniel Fernando do Prado Dorea Lima, em seu primeiro trabalho, vive uma redenção que não parece gerar frutos à narrativa. Mesmo quando confrontado por conhecidos da região, a direção se sente tímida, ou talvez apreensiva, em mostrar quem ele é de verdade, como um líder criminoso – se misericordioso, ou se agressivo; se mão pesada, ou mais leve. Sua história passada nunca é contada, seus feitos são pouco trabalhados, de forma que não se parece com uma pessoa temida diante da câmera, nem mesmo quando atua como líder, sendo apenas mostrado dando ordens, e caminhando de um lado para o outro, com pessoas dizendo que sua presença nunca traz coisas boas a comunidade.
Parece que não há exatamente um juízo de valor a ser tomado pela obra, que toca em temas como a violência policial e o racismo apenas através de notícias jornalísticas e dados estatísticos, mas sem qualquer aplicabilidade dessas informações ao que está sendo contado em tela. Essa suposta redenção, ou mesmo as pipas, parecem ideias perdidas enquanto o protagonista conversa com seu anjo da guarda, na forma do falecido irmão, em um elemento fantástico que também nunca é propriamente desenvolvido dentro do filme.
Assim, apesar de se situar em uma favela brasileira, e ser falado em língua portuguesa, Pipas tem muita dificuldade em imergir nessa realidade, e explorar seu ambiente com um senso de comunidade, ou mesmo a redenção do protagonista, que nunca chega em lugar algum, apesar da direção, em alguns momentos, extrair verdade do olhar de seu personagem. Talvez pela produção estrangeira, e um diretor norte-americano, ainda que interessado pelo país, existem diversas escolhas formais e narrativas que afastam a obra do Brasil, desde canções em espanhol na trilha até uma falta de identidade local, que se limita a uma conversa vaga sobre futebol ou mostrar uma igreja evangélica montada em um galpão. O que realmente soa é como um olhar estrangeiro para o Brasil, voltado essencialmente para o exterior, estereotipando nossa cultura, que pode até funcionar para quem não conhece o país, mas, pelo menos a mim, como brasileiro, não convence, e as vezes, até ofende.
Avaliação: 1.5/5
Pipas (Idem / Kites, 2025)
Direção: Walter Thompson-Hernandez
Roteiro: Walter Thompson-Hernandez
Gênero: Drama
Origem: Brasil
Duração: 85 minutos (1h25)
24º Tribeca Film Festival (Viewpoints)
Sinopse: Duvo viveu todos os seus 25 anos nas favelas do Rio de Janeiro. Sua juventude foi complicada, marcada pela violência inerente às gangues com as quais se envolveu. Mas seu mundo também é mágico — um mundo onde é possível conversar com seu anjo da guarda, um anjo que não apenas cuida dele, mas usa sua experiência para aconselhá-lo. (Fonte: Tribeca Film Festival - Adaptado)
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