24º TRIBECA FILM FESTIVAL | The Wolf, the Fox and the Leopard, de David Verbeek (Idem, 2025)
- Henrique Debski

- 10 de jun.
- 4 min de leitura
David Verbeek provoca o espectador ao questionar o senso de arrogância e superioridade do ser humano – seria o “mundo animal” mais evoluído do que nós?

Seguindo mais ou mesmo na mesma linha provocativa de seu último longa, o terror dramático de vampiros Dead & Beautiful, David Verbeek se aventura em mais uma narrativa com fundo fantástico, que gira em torno de uma garota, criada por lobos no interior de uma densa floresta, sendo obrigada a lidar e se adaptar à vida em sociedade, quando encontrada por acaso durante as buscas por um jovem desaparecido.
Há toda uma fascinação do cineasta, aparentemente comum à sua filmografia, por explorar a natureza do ser humano a partir de ambientes e situações incomuns, fantasiosas, sob um aspecto de manipulação. É exatamente do que se trata seu filme anterior, na base do terror e do mistério, ainda que, ao tentar trabalhar através de diversos prismas, e sobretudo reviravoltas, acaba perdendo do próprio substrato em meio a ideias confusas e conflituosas, de um roteiro que tenta abraçar o mundo, sem sucesso.
No entanto, agora, com mais maturidade, Verbeek, seguindo uma única linha, soube aproveitar com mais eficiência de suas ideias em The Wolf, the Fox and the Leopard, com o potencial de sua base direcionado à evolução de sua personagem principal em momentos diversos, rumo a uma construção humanizadora de sua persona, diante do mundo em que vivemos, sob diferentes circunstâncias.
Desde os primeiros minutos acompanhada por uma narração de fundo, a face satírica de The Wolf, the Fox and the Leopard fica evidente quando para todas as ações tomadas pelos personagens, ou para qualquer acontecimento, há sempre uma preocupação, de alguma forma, em incentivar o espectador a formar relações com o “mundo real”, a buscar por uma verossimilhança, por uma identificação com aquilo que é visto em cena. No próprio prólogo, por exemplo, os instantes iniciais se dedicam a prever um futuro pessimista, consequência de desastres ambientais – parte do universo em que o filme se encontra, na iminência do fim –, enquanto se prepara para nos deixar diante da situação que levará ao encontro da protagonista pela “sociedade”. O filme até brinca com a possibilidade de o personagem principal deste prólogo revelar-se o protagonista da história, sendo que, pouco depois, já é descartado, em toda sua infinita arrogância e desnorteio em relação aos rumos da própria vida, como revela em um diálogo longo e, no mínimo, bizarro, em um aspecto tragicômico, senão até profundamente realista.
No decorrer dos capítulos, a protagonista, que muda de nome, acompanhando sua “evolução”, passa pelos mais diversos estágios e enfrenta as diferentes faces de uma sociedade quando de frente para aquilo que não se enquadra no que se chama de “comum”. Varia de testes em laboratório, manipulação e chega até mesmo ao ponto das violências sexuais.
Verbeek eficientemente incomoda o espectador, senão pela maneira como a protagonista é tratada como objeto, em um primeiro momento, até ser levada a uma plataforma, no meio do mar, afastada da humanidade, para ser criada em meio a palavras de um apocalipse. Ao longo do tempo, enquanto abandona, gradativamente, seus traços animalescos e desenvolve um senso de humanidade, seus questionamentos tornam o ambiente ao redor mais denso, ao ponto de atingir a desconfiança, sobre o que realmente se tem como verdade.
Quando caminha para o fim, e diante de toda a jornada da personagem, é fácil – e até intuitivo – prever que estamos diante de um ciclo. Por um lado, essa previsibilidade pode até soar decepcionante para alguns enquanto se confirma, mas o sacrifício da surpresa e do mistério, nesta hipótese, nos permite com muito mais clareza compreender a natureza da protagonista, e os seus sentimentos diante das transformações, muito trabalhadas perante a câmera pela ótima atuação de Jessica Reynolds, visceral e literalmente selvagem em seus aspectos corporais. Essa mistura de elementos dramáticos com traços de distopia, thriller, um humor ácido ocasional e, claro, a fantasia, justificam, na direção de David Verbeek, o pessimismo em The Wolf, the Fox and the Leopard, na medida em que retrata características de uma sociedade “doente” em frente a uma pessoa que não nasceu atrelada a ela. Talvez o mundo animal, no fim das contas, seja mais evoluído do que nós, que em toda nossa arrogância – como o próprio garoto do prólogo -, nos julgamos os mais inteligentes dentre todos os seres.
Avaliação: 4/5
The Wolf, the Fox and the Leopard (Idem, 2025)
Direção: David Verbeek
Roteiro: David Verbeek
Gênero: Drama, Thriller
Origem: Holanda, Luxemburgo, Irlanda, Croácia, Taiwan
Duração: 124 minutos (2h04)
24º Tribeca Film Festival (International Narrative Competition)
Sinopse: Uma jovem selvagem criada por lobos é capturada e lançada na sociedade moderna, apenas para ser resgatada por um casal radical que a isola em uma plataforma de petróleo abandonada. Ao descobrir as mentiras de seus novos “pais”, ela é forçada a se sustentar sozinha e, por fim, decidir o que é melhor para ela. (Fonte: Hook Publicity - Adaptado)





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