29º FANTASIA | COMPILADO – “Every Heavy Thing”, “The Well”, “Sugar Rot”, “Good Game”, “Taroman Expo Explosion”, “Flush”, “Honeko Akabane’s Bodyguards” e “Le Tour de Canada”
- Henrique Debski
- há 6 dias
- 9 min de leitura
Nesta publicação, o objetivo é trazer críticas em formato reduzido sobre esses longas que assisti durante minha cobertura da 29ª Fantasia Film Festival!

Every Heavy Thing (Idem, 2025)
Direção: Mickey Reece
Origem: EUA
Avaliação: 3/5
Por um lado, é muito interessante a proposta de Every Heavy Thing em trabalhar a construção do peso na consciência de seu protagonista através de uma manipulação mental, possível por meio da ficção científica. É uma culpa crescente enquanto o personagem, testemunha de um fato criminoso, fica impossibilitado de comunicar as autoridades em razão de uma ameaça que sofre de um assassino que mal conhece, mas cujas palavras prometidas certamente podem se concretizar a qualquer tempo – o que é assustadoramente bem estabelecido desde o princípio, cuja sensação sobretudo transcende a barreira da tela e chega, facilmente, ao próprio espectador.
Nesse sentido, a narrativa cyberpunk de Mickey Reece se situa em um universo contemporâneo, entre simbólicas metrópoles genéricas norte-americanas, alegóricas, mas sob o manto de uma constante atmosfera analógica oitentista, que vai da trilha musical a passagens de sonho experimentais e provocativas da espiral de manipulação sobre a qual ficamos imersos junto ao protagonista.
Mas apesar dessa ameaça constante, e do clima de paranoia, o rumo tomado pela narrativa caminha para um final não apenas apressado, mas que também não aproveita do próprio universo da ficção científica e do terror, com uma resolução simplista e fácil demais para algo que aparenta ser tão grande. Claro, existe uma limitação orçamentária que notavelmente impede o filme de extrapolar algumas barreiras, mas ainda assim decepciona por uma falta de inventividade, que pelo menos poderia encerrar o filme de maneira não tão convencional.

The Well (Idem, 2025)
Direção: Hubert Davis
Origem: Canadá
Avaliação: 2/5
The Well é um filme cansado. Estabelece todo um mundo pós-apocalíptico, onde a água foi contaminada e dizimou em boa parte a população mundial. Uma família vive isolada na floresta, em uma casa onde há um poço, de onde extraem água potável. Mas quando o filtro do poço quebra, precisam ir atrás de algo para consertá-lo - e a filha acaba fugindo, escondida, em busca dessa ajuda, enquanto os pais, desesperados, a procuram.
Com alguns elementos a mais, é notável estarmos diante de uma sinopse genérica, já reproduzida um outro tanto de vezes no cinema, com universos mais complexos, e conflitos mais bem estruturados – posso facilmente citar, de cabeça, Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018), Bird Box (2018), A Luz no Fim do Mundo (Light of My Life, 2019), Arcadian (2024), e, de certa maneira, até mesmo Extermínio 2 (28 Weeks Later, 2007) -, e ainda que nem todos sejam tão memoráveis, apresentam uma construção de narrativa ao menos mais coesa.
O problema aqui não é orçamento - até porque a produção, visualmente, é muito boa, e contou com uma equipe dedicada - mas sim o que fazer com essa história. Não existem personagens profundos, senão um constante clima de desconfiança da protagonista em relação a comunidade que encontra, resumida em frases absolutamente vazias, que numa certa forma poética pela qual são colocadas, apenas parecem significar alguma coisa; e menos ainda alguma inspiração por parte da direção de Hubert Davis para dar a essas pessoas um ar verdadeiramente humano, e não meras funções em uma trama já pré-estabelecida.
É um filme que avança pouco, num ritmo lento, de maneira bastante mecânica, quase robótica, seguindo a risca os passos de um roteiro, e que não sabe o que ou como debater as poucas questões que coloca na mesa. Não parece ter interesse, vontade ou competência para seguir além do óbvio, e nem se esforça para propor algo. Até pode ter alguns poucos momentos interessantes, mas na maior parte do tempo é só desinteressante, e, sem criatividade, é incapaz de cativar um espectador dedicado, restando apenas o sono.

Sugar Rot (Idem, 2025)
Direção: Becca Kozak
Origem: EUA
Avaliação: 0.5/5
Foram poucas as vezes na vida em que tive a infelicidade de me deparar com algo como Sugar Rot. Ano passado achava que tinha atingido o fundo do poço com o problemático (Iconic), no Fantaspoa, mas por mais absurdo que aquele filme pudesse ser, não havia oito cenas de estupro em apenas 80 minutos. Isso sem contar os infinitos assédios, e outras tantas situações que exploram o corpo feminino de maneira fetichista, simplesmente objetificando sua protagonista em um suposto body horror desprovido de qualquer contexto, ao ponto de fazer referências até a necrofilia, sem nenhuma uma ideia narrativa, que não apenas fazer a protagonista sofrer e ser abusada gratuitamente em frente à câmera, sob um nível de violência irresponsável.
O pior de tudo é que nem como exploitation Sugar Rot consegue extrair algo, na medida em que as provocações da diretora Becca Kozak são meras violências sexuais misturadas a referências vazias para A Mosca de Cronenberg, sem uma metáfora por detrás. É tão somente um filme vazio, machista e problemático, cuja proposta nunca parece ser atingida, se é que tinha alguma.
Talvez a intenção fosse de fato trabalhar, de forma escrachada e visual, o assédio sexual constantemente sofrido por mulheres pelas mãos masculinas – seja de seu parceiro, por algum colega de trabalho ou até mesmo do próprio médico. Mas nada do que foi feito nos leva a enxergar como uma crítica, mas tão somente sob o olhar fetichista para o ato sexual forçado, cujo desconforto do espectador não reside apenas no choque, mas também com a ausência do senso crítico por parte da obra.
Eu simplesmente não consigo sair inerte de um filme como esses, que dá risada e se diverte com tamanho sadismo, sem nada a dizer. Confesso que gostaria muito entender a intenção da diretora Becca Kozak por detrás do projeto.

Good Game (觸電, 2025)
Direção: Dickson Leung Kwok-Fai
Origem: Hong Kong
Avaliação: 2/5
Good Game tem até alguns momentos muito divertidos, ancorados em um elenco carismático e que consegue, através do notável conforto em trabalhar juntos, transparecer um espírito de equipe. É uma pena, porém, que o restante do filme não dê conta de aproveitar esse acerto na escolha dos atores, enquanto segue pelos trilhos de um drama esportivo de superação frágil, que tenta equilibrar um pouco de cada personagem, mas sem conseguir imprimir ou explorar profundidade em qualquer deles, adotando soluções fáceis, sem que os desafios soem reais.
A ideia de trabalhar com e-sports também tem sua importância, ainda mais diante da cada vez maior popularização da modalidade, e reconhecimento enquanto prática esportiva, a qual o longa reforça, com o discurso de não ser apenas videogame, mas uma modalidade esportiva de fato, tentando quebrar esse estigma e preconceito.
O que o enfraquece, porém, é que, apesar das tentativas do longa em soar imersivo através da ação para simular o videogame, o jogo em si jogado pelos personagens carece de sentido na maior parte do tempo, e a ausência de regras bem estabelecidas ao espectador não só cria a possibilidade, como dela também abusa, do elemento "deus ex-machina" em todos os momentos decisivos, soando até desonesto, quase como um “cheat” (trapaça) enquanto filme.
Fora que a versão do filme que assisti, via screener, não parece finalizada, repleta de falhas nas sincronizações da trilha musical e ausência de créditos finais. Talvez haja tempo para ajustar o longa, a fim de que soe menos engessado e mais natural na construção de sua narrativa, já que até pode ser divertido - sobretudo pela ação -, mas dramático em demasia e, ao mesmo tempo, incrivelmente vazio.

Taroman Expo Explosion (大長編 タローマン 万博大爆発, 2025)
Direção: Ryo Fujii
Origem: Japão
Avaliação: 3/5
O aspecto demasiadamente exagerado de Taroman Expo Explosion pode, por um lado, tornar-se cansativo ao longo da projeção pelo excesso de estímulos visuais em tela a todo momento. O exagero do nonsense, dos inúmeros eventos acontecendo a todo momento facilmente nos fazem ficar perdidos no meio de tanta informação.
Porém, na medida em que a narrativa toma forma, parece que de alguma maneira tudo faz sentido. Falamos sobre um ponto muito específico da história e da cultura japonesa, no tocante ao Expo 70, e especialmente, a Torre do Sol de Taro Okamoto. Inspirando-se nesse visual setentista, e sobretudo em personagens clássicos do cinema e televisão do país, como Godzilla e, especialmente, Ultraman, o filme, do passado, se direciona ao longínquo ano de 2025, numa versão retrofuturista, para enfrentar uma ameaça que pode destruir a linha do tempo.
O que se percebe é que, com isso, a humanidade tornou-se mais austera, infeliz, enquanto um futuro distópico, dominado pelo "senso comum", todos perderam a individualidade, a própria luz, e o nonsense se tornou ilegal. É sobre olharmos para trás e procurarmos por essa luz, por esse mundo colorido novamente, pela busca por uma originalidade como seres humanos naturalmente diferentes, e a rejeição ao senso comum absoluto.
Acaba sendo um filme de Ryo Fujii revelador de uma preocupação com o ser humano, com a criatividade, e a liberdade de pensamento, na beleza da possibilidade de sermos infinitamente diferentes uns dos outros, como seres únicos - afinal, cada um de nós é um universo, ou um microcosmo, como bem diz o filme.

Flush (Idem, 2025)
Direção: Grégory Morin
Origem: França
Avaliação: 4/5
Nas mãos de um realizador com criatividade, premissas absurdas como a Flush se tornam ouro. Enquanto um filme sobre um homem preso num banheiro de um bar, com a cabeça enfiada no buraco do vaso sanitário, aqui não se busca por um debate aprofundado sobre as razões pelas quais se encontra envolvido naquela situação, mas sim em como sairá dela. A partir de suas tentativas de contato com o mundo exterior, é possível compreender o fundo do poço no qual se encontra o protagonista Luke, no relacionamento com sua família, uma filha criança que não quer vê-lo, e problemas com sua (ex-)esposa, que tenta ajudá-lo, enquanto garçonete no estabelecimento em que se encontra.
O mais divertido é que Grégory Morin compreende a bizarrice da situação, e se aproveita dela com humor para complicar a teia de relações envolvidas, entre o casal e dois traficantes, responsáveis por praticamente tudo o que acontece. Há muita inventividade na maneira como a narrativa é filmada, entre o interior do buraco e a box do banheiro, de forma a transpor para a tela a claustrofobia em estar com a cabeça presa em um buraco no chão, bem como o cineasta se diverte com a violência que a oportunidade proporciona, sobretudo gráfica, enquanto brinca com a causalidade para não apenas abraçar o sarcasmo, mas também levar o problema às últimas consequências para o personagem.
Em apenas 65 minutos de duração, com o tempo muito bem aproveitado, levando a ideia ao limite sem soar cansativa, é possível rir, se desesperar e até emocionar. Uma baita surpresa do Fantasia.

Honeko Akabane’s Bodyguards (赤羽骨子のボディガード, 2025)
Direção: Junichi Ishikawa
Origem: Japão
Avaliação: 1.5/5
Enquanto um mangá, Honeko Akabane's Bodyguards certamente encontra espaço entre suas inúmeras edições e capítulos para explorar um enorme grupo de personagens e integrá-los como guarda-costas secretos da personagem-título. O presente longa até mantém com certa eficácia a atmosfera típica desse tipo de literatura, ao mesmo tempo que adota, de maneira semelhante, traços de anime, na própria narrativa e sobretudo na forma como é filmada, sob um exagero fantasioso bastante alinhado à própria cultura japonesa.
Mas o verdadeiro problema está na complexidade do que se pretende contar, em contraponto com a linguagem escolhida. Trata-se, na verdade, de uma dificuldade da direção de Junichi Ishikawa em selecionar arcos para a construção de uma adaptação live-action que mantenha uma coerência e consiga desenvolver personagens e situações, e não apenas insira montes de informação amontoadas artificialmente, onde o excesso de diálogos expositivos, na prática, toma tempo da ação e empaca o avançar da história.
É um filme completamente perdido naquilo que se deseja contar, sem saber em que focar de verdade, ou o que explorar dentro daquele universo. Talvez para o fã até possa funcionar, mas para alguém de fora do nicho, como eu, o maior sentimento foi de sono em meio a uma bagunça completa.
Curiosamente, nesta mesma edição do Fantasia, sob um estilo muito semelhante, Takashi Miike fez algo parecido, e infinitamente mais consciente, em Blazing Fists, também no formato de "anime live-action", mas com arcos e delimitações muito mais bem definidas. É o exemplo de que pode funcionar, com organização e consciência de estilo cinematográfico.

Le Tour De Canada (Idem, 2025) (Curta-metragem)
Direção: John Hollands
Origem: Canadá
Avaliação: 3/5
Le Tour de Canada é bem divertido na medida em que se desenrola através de uma colagem e sobreposição de imagens, em um aspecto bastante experimental. A natural artificialidade que a forma confere a obra permite que a história sobre a rivalidade entre dois ciclistas competidores seja trabalhada com bastante exagero, sobretudo pelas atuações caricatas, que suprem a ausência de palavras por meios das expressões corporais e faciais, como um filme do cinema mudo, mas com som - só não temos vozes.
São escolhas criativas que saem daquela caixa da obviedade, ainda que a narrativa acabe, no fim, soando muito mais secundária, e assim, não muito mais interessante, ou mesmo cativante, do que sua forma experimental, que parece ser o foco principal da direção de John Hollands, não aproveitando, assim, todo o potencial de sua própria ideia, quando o próprio Canadá as vezes parece também ficar de lado.
Ainda assim, um curta bem diferente do comum e um bom exercício de montagem.

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