29º FANTASIA FILM FESTIVAL | Foreigner, de Ava Maria Safai (Idem, 2025)
- Henrique Debski
- há 7 dias
- 4 min de leitura
Foreigner debate imigração e identidade em tempos de xenofobia, enquanto um terror que se manifesta com a protagonista no apagamento da própria cultura.

Mudar-se de país, depois de muitos anos vivendo onde nascemos, com certeza deve ser uma experiência estranha. É crescer em um ambiente, amadurecer, formar nossa personalidade com base em valores em comum, com as pessoas a nossa volta, fora de nossa família, se transformando e se construindo com base em vivências semelhantes, frequentando lugares parecidos. E então, de uma hora para outra, há de se deixar tudo para trás em busca de uma vida melhor em um lugar completamente diferente. Será que apenas o poder de compra verdadeiramente importa, senão a compreensão e acolhimento por aqueles que estão ao redor?
É mais um menos um sentimento como esse que os primeiros minutos de Foreigner, que fez sua première nesta edição do Fantasia, buscam transmitir, a partir da apresentação de sua protagonista, uma adolescente, ainda enfrentando um vazio e saudades da falecida mãe, que se muda com o pai e a avó do Irã para o Canadá, na busca por uma vida melhor. Mas talvez não seja um dos melhores momentos para se mudar, enquanto, apesar do país ser conhecido pela civilidade e educação de seu povo, ondas de xenofobia e antissemitismo tem se tornado comuns – inclusive pelo mundo como um todo.
Apesar do bom inglês da protagonista, e de suas tentativas em não chamar atenção como uma estrangeira perante os colegas, é precisamente o que acontece quando adentra a sala de aula, e logo é confrontada por três garotas, estranhamente parecidas, “perfeitas” (entre muitas aspas, dentro de uma problemática noção de padrão de beleza), e que parecem compartilhar de um mesmo neurônio, em uma dinâmica ao estilo Meninas Malvadas ou mesmo “Pink Ladies”, porém sob um viés estético muito mais macabro. Pouco a pouco, essa amizade que se estabelece começa a tomar contornos estranhos, na medida em que a personagem, para se enturmar, passa a abraçar, até demasiadamente, a cultura norte-americana/canadense, e pouco a pouco abandonar a própria.
É algo que sutilmente a direção de Ava Maria Safai introduz ao longa, e começa com os hábitos alimentares, ao preferir não levar as refeições árabes típicas preparadas pela avó, passa para o uso da língua inglesa, a falta de respeito e reverência dentro de casa, até chegar em medidas ainda mais drásticas, relacionadas à própria aparência física.
Talvez o pior, e mais letal dos efeitos que a imigração possa ter em alguém, seja o abandono da própria cultura e dos próprios hábitos de origem em prol da absorção da cultura de onde se está. O conhecimento e imersão na cultura local é inevitável, mas não deve, jamais, substituir a própria identidade do imigrante, contra sua vontade (se conscientemente, e por escolha própria, é outra história). É justamente pela forma como Safai aborda o processo de “americanização” de Yasamin onde se encontra o terror de Foreigner, na medida em que o antagonismo não é assumido necessariamente por uma pessoa – apesar de materializado pelo trio de garotas -, mas sim pelo espírito invasivo, e um tanto xenofóbico, da cultura norte-americana, que se vende como a única e melhor possível.
No entanto, os meios pelos quais a direção trabalha esse terror por vezes acabam se amontoando em tantas ideias que o longa não dá conta de trabalha-las em apenas oitenta minutos. Nesse sentido, a personagem da avó, e o núcleo familiar, acabam um tanto deslocados nesse contexto de supressão da identidade, e preconceitos diversos, de religião, procedência nacional e até racismo. Então uma ideia de possessão abordada nesse meio, por exemplo, com um ritual típico da cultura dos personagens acaba se tornando algo isolado e até sem nexo para aquilo que a narrativa está, efetivamente, buscando, bem como todo um lado sobrenatural do desfecho também.
Não que Foreigner acabe desviando completamente da proposta central, mas as vezes falta um pouco de foco nas escolhas para com o terceiro ato, que tenta seguir por um caminho mais violento e intenso, mas não dá conta de arcar com alguns elementos que decide inserir, especialmente sobrenaturais. Sua mensagem, entretanto, é bastante clara, e encontra criatividade no debate que eficientemente estabelece, sobre imigração, cultura e identidade, sendo um terror que vale mais pelas reflexões que propõe enquanto drama do que de fato pelo que oferece enquanto cinema de gênero.
Avaliação: 3/5
Foreigner (Idem, 2025)
Direção: Ava Maria Safai
Roteiro: Ava Maria Safai
Gênero: Terror, Thriller, Drama
Origem: Canadá
Duração: 83 minutos (1h23)
29º Fantasia Film Festival (Septentrion Shadows)
Sinopse: A imigrante iraniana Yasamin é a nova aluna de uma escola no Canadá. Sua experiência no High School é assustadora, enquanto ela tenta melhorar seu inglês assistindo sua sitcom favorita e faz amizade com um trio de garotas vestidas em tons pastéis que alimentam seu desejo de se encaixar. Desesperada por aceitação, ela pinta o cabelo de loiro e, ao fazer isso, também atrai uma força demoníaca. (Fonte: TMDB - Adaptado)
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