29º FANTASIA FILM FESTIVAL | I Fell in Love with a Z-Grade Director in Brooklyn, de Kenichi Ugana (Idem, 2025)
- Henrique Debski
- há 5 dias
- 4 min de leitura
Em uma reverência metalinguística ao cinema Z, Kenichi Ugana faz de I Fell in Love with a Z-Grade Director in Brooklyn uma “carta de amor” ao underground, com uma comédia romântica que mescla elementos dos EUA e do Japão.

Uma das minhas frustrações pessoais deste ano foi não ter chego a Porto Alegre, para o Fantaspoa, a tempo de assistir ao elogiado, e premiado, terror (musical?) japonês The Gesuidouz, que teve sua première mundial no Festival de Toronto (TIFF), ano passado, e ainda segue em um bom circuito de festivais. Assim, quando soube que um novo filme de seu diretor, Kenichi Ugana, estrearia agora no Fantasia, em sua primeira exibição, fiquei torcendo para que estivesse dentre os filmes disponíveis para a cobertura online – e, por sorte, estava!
Logo em seus primeiros minutos, quando a montagem contrapõe o depoimento de duas pessoas completamente diferentes, em países diversos, com carreiras artísticas e visões distintas sobre o “fazer cinema”, já sabemos que, a certo ponto, ambas se encontrarão, e se apaixonarão uma pela outra, como em uma comédia romântica. É precisamente o que acontece, quando a estrela japonesa Shina, desmotivada com filmes vazios e um cinema que não explora seu potencial senão por meio dos mesmos arquétipos de personagens frágeis, se perde em uma viagem a Nova York, e, sem falar inglês, e também sem sua carteira ou mesmo celular, recebe a ajuda de um decadente diretor de cinema “Z”, Jack, que, encantado por ela, a pede em troca que participe de seu primeiro longa, sem se dar conta de que sua musa é, na verdade, uma grande estrela do cinema japonês.
O encontro, porém, não acontece de uma única vez – uma ótima ideia para subverter a expectativa das típicas comédias românticas norte-americanas. Por um golpe do destino, ambos acabam se cruzando, bêbados e desiludidos com os rumos das próprias vidas naquele momento, nos arredores de um mesmo bar, de onde saem. Cambaleantes e recompondo-se devagar, antes de saírem do local, e ainda sem se conversarem, Ugana os filma sob um plano aberto, amplo, enquanto compartilham, sozinhos, de um mesmo espaço, sem enxergarem um ao outro. Esse enxergar de um para o outro só acontece ao saírem do local, e Jack encontrar Shina desacordada no meio da rua, em uma situação pouco romântica, mas que revela o espírito humano, e altruísta, de seus personagens.
Essa união, ainda que sob uma atmosfera de romance platônico, em um primeiro momento funciona como uma relação de conveniências mútuas, enquanto ele a ajuda a sobreviver nos Estados Unidos sem falar inglês; e ela contribui para o filme dele, com sua atuação expressiva, que eleva o nível de uma produção de terror “Z”, “underground”, de baixa qualidade com algo de muito mais valor artístico, que não apenas a ambição do cineasta e da equipe que filma com baixos recursos financeiros. Acontece que, na medida em que as filmagens avançam, uma paixão verdadeira começa a se manifestar entre os dois.
A barreira linguística existente, enquanto falantes de idiomas distintos, não leva, em momento algum, à incomunicabilidade do casal, na medida em que se esforçam para compreender um ao outro, tanto para os assuntos do dia-a-dia como para quando falam do filme que fazem. Mesmo que não compreendem o que o outro diz (mesmo quando usam de recursos como Google Tradutor), o sentimento visível nas atuações de Ui Mihara e Estevan Muñoz transparece verdade em seus personagens, excêntricos, é verdade, mas igualmente sentimentais.
Essa desconexão linguístico-cultural, então, é justamente o que faz com que Shina se sinta à vontade na produção em que se encontra trabalhando. A realidade de Jack, onde existe esforço e ambição artística no “fazer cinema”, é o que não sentia enquanto atuava no Japão, em grandes produções impessoais e sem qualquer desafio que ela pudesse, verdadeiramente, enfrentar. E o fato de tanto Jack quanto sua equipe estarem profundamente imersos na cultura norte-americana e não conhecerem Shina faz com que não a enxerguem como uma grande atriz conhecida, mas uma pessoa normal, anônima, que, como eles vivem – ainda que aspirem o estrelato - apenas gostaria de desfrutar de uma vida com privacidade.
A medida em que o filme se encaminha para o final, Ugana ressignifica partes da Nova York aos olhos de Shina, reconstruindo memórias através da substituição, e, sobretudo, aos olhos do amor, de uma paixão ardente que cresce cada vez mais com Jack.
Nessa esteira de desconstrução, reconstrução e ressignificação, não existe nada que exale mais o cheiro de cinema do que uma produção metalinguística que abraça o próprio retrato. Apesar de não necessariamente reproduzir uma estética precisa de filme “Z”, senão pelo “filme dentro do filme” e alguns elementos absurdos da narrativa, a direção de Ugana fez ótimo uso do baixíssimo orçamento que dispunha, e com I Fell in Love With a Z-Grade Director in Brooklyn, demonstra uma paixão, e sobretudo, reverência ao cinema underground norte-americano, ao estilo de Lloyd Kaufman - que até faz uma ponta no filme - e sua produtora, Troma, sob uma atmosfera de comédia romântica que mescla, também, ótimos traços típicos de um melodrama japonês.
Assim, o cineasta cria, sob as bases de uma comédia romântica do tipo “boy meets girl”, uma verdadeira “carta de amor ao cinema”, em um filme metalinguístico que exalta o cinema “Z”, as produções de baixíssimo orçamento, e a ambição artística, com reverência ao cinema norte-americano, mas com fortes elementos, também, do próprio cinema japonês, de onde advém o diretor, que sempre anda lado a lado com sua origem. É uma obra única, de alguém que efetivamente conhece e ama o cinema que referencia, criando um dos melhores filmes recentes sobre cinema e metalinguagem.
Avaliação: 4/5
I Fell in Love with a Z-Grade Director in Brooklyn (Idem, 2025)
Direção: Kenichi Ugana
Roteiro: Kenichi Ugana
Gênero: Romance, Comédia, Drama
Origem: EUA, Japão
Duração: 86 minutos (1h26)
29º Fantasia Film Festival (Cheval Noir)
Sinopse: Uma estrela de cinema japonesa desiludida, presa em Nova York sem dinheiro ou telefone, conhece um cineasta independente apaixonado e sua equipe, iniciando uma jornada criativa inesperada que pode reacender seu amor pela arte e atuação. (Fonte: IMDB – Adaptado)
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