29º FANTASIA FILM FESTIVAL | Stuntman, de Albert Leung e Herbert Leung (Idem, 2025)
- Henrique Debski
- há 1 dia
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Stuntman declama amor ao cinema de ação de Hong Kong, entre referências apaixonadas e um ar saudosista de retomada ao que um dia já fora nos anos 80.

Ao analisar o cinema de ação atual, sobretudo com os olhos voltados aos Estados Unidos, pode-se perceber uma transformação no gênero desde o lançamento de John Wick e a consolidação de seu estilo ágil, com ênfase nas coreografias e fluidez das performances, ao invés de cortes e uma aceleração por meio da montagem que muitas vezes tornava a cena quase incompreensível, como muito se vê nos longas dos anos 2000. Isso se deu com dois fatores que são muito bem esclarecidos em Stuntman, ainda que indiretamente. Trata-se do cinema de Hong Kong, sobre o qual Chad Stahelski evidentemente demonstra admiração em seus filmes; e o fato do cineasta ter iniciado sua carreia como um dublê em Hollywood – o que abriu portas para aumentar o número de diretores dublês na indústria, como bem temos visto.
Também dirigido por profissionais da indústria – uma dupla de irmãos atores e dublês -, Stuntman não é necessariamente um filme de ação, conquanto direciona muito mais de sua atenção ao drama vivido por seus personagens. Porém, a ação propriamente ocupa um espaço essencial no centro dessa narrativa, na medida em que se torna a motivação dos protagonistas, cada um a sua forma e envolto em uma problemática distinta, em acreditar no cinema não apenas como um meio de vida, mas também uma relação mágica de conexão consigo.
Pois trata-se, na realidade, de um filme puramente metalinguístico, em que os protagonistas são, na produção de um longa de ação na Hong Kong contemporânea, um veterano diretor de coreografias de luta, e um jovem promissor aspirante a dublê que assume a função de coordenador de dublês em uma grande produção. As escolhas do elenco para viver estes personagens, no mesmo sentido, ressoam para dentro da narrativa, enquanto refletem, de certa maneira, as carreiras do veterano Stephen Tung Wai – não apenas um ator talentoso, mas especialmente um importante diretor de ação e de dublês (responsável, por exemplo, por A Better Tomorrow, de John Woo); e o jovem, e igualmente talentoso, Terrance Lau, um dos destaques do recente Twilight of the Warriors: Walled In.
Através da busca dos protagonistas pelos próprios sonhos – de um em voltar a fazer cinema como na década de 70/80/90, e do outro em fazer do cinema um meio de vida -, os jovens diretores Albert Leung e Herbert Leung olham para o passado com o saudosismo de uma época que não viveram, mas que gostariam de ter participado, e que certamente os influenciou ao longo da carreira, para onde estão hoje.
Com vistas a um mundo mais evoluído, e uma produção cinematográfica mais preocupada em minimizar os riscos de acidentes e problemas envolvendo seus elencos e dublês, os cineastas compreendem – e discursam – sobre o valor da vida e a desnecessidade de se arriscar por filmes. Mas, por outro lado, enfatizam um sentimento de que o excesso de segurança tornou o cinema também mais preguiçoso, com preferências a uma ação muito mais voltada para os efeitos digitais, e as artes marciais praticamente abandonadas, substituídas por uma mistura genérica de movimentos e artes diversos, sem identidade. Assim, Stuntman, na mesma medida em que, através de seus personagens, estabelece que o cinema não deve estar a frente da vida, fisicamente e pessoalmente, também não precisa estar inteiramente ancorado na ausência de risco, mas também em uma verdade diante das câmeras, para que o espectador acredite no que vê, assim como também no improviso e na adrenalina, como bem trabalha nas caóticas cenas nos sets de filmagem.
Que o cinema de Hong Kong ao longo das últimas décadas perdeu um pouco de seu impacto é um fato, e notadamente uma geração de cineastas recentes busca reacender essa chama. Na esteira do que no passado foi construído pelos Shaw Brothers, King Hu, John Woo, Wong Jing, Ringo Lam, Jackie Chan, e tantos outros, cineastas como Soi Cheang, Donnie Yen e agora os irmãos Albert Leung e Herbert Leung prometem manter o legado passado vivo enquanto evoluem o estilo único de Hong Kong, não apenas um dos melhores cinemas de ação do mundo – e talvez o meu favorito -, mas que tem inspirado, mais do que nunca, a própria Hollywood, que hoje reproduz algo que, no país, já se fazia há mais de quarenta anos com muito menos tecnologias e recursos. É precisamente isso que Stuntman busca demonstrar e abraçar, da loucura dos sets que retrata, do saudosismo que exala, e, especialmente, das referências que apresenta, dos clássicos Wuxia até a introdução inspirada em Police Story. É a carta de amor definitiva ao cinema de ação de Hong Kong.
Avaliação: 4/5
Stuntman (Idem, 2025)
Direção: Albert Leung e Herbert Leung
Roteiro: Anastasia Tsang e Oliver Yip
Gênero: Drama, Thriller, Ação
Origem: Hong Kong
Duração: 114 minutos (1h54)
29º Fantasia Film Festival (Selection 2025)
Sinopse: Um coreógrafo de cenas de ação em decadência, lutando para se encontrar e garantir um espaço numa indústria em transformação, arrisca tudo para fazer um retorno épico e, ao mesmo tempo, tentar reparar o relacionamento com sua filha distante, antes que seja tarde demais. (Fonte: TMDB - Adaptado)
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