29º FANTASIA FILM FESTIVAL | The School Duel, de Todd Wiseman Jr. (Idem, 2025)
- Henrique Debski
- há 10 horas
- 5 min de leitura
As falhas e perigos de uma sociedade extremista são expostas por Todd Wiseman Jr. em The School Duel, com um futuro distópico cada vez mais próximo de nosso presente.

Quando escreveram seus quase proféticos clássicos da literatura do século XX, George Orwell, Aldous Huxley ou Ray Bradbury imaginaram futuros distópicos distantes da própria realidade. Hiper tecnológicos e sempre assustadores, seus universos revelavam uma falha no caminho trilhado pela humanidade, afundando-se no autoritarismo e aceitando a completa supressão da liberdade em troca do controle, sobretudo intelectual.
Quando nos deparamos com uma obra como The School Duel, porém, há de ligarmos um alerta sobre o nosso próprio entorno. Situado no estado da Flórida/EUA, em um futuro bastante próximo, o autoritarismo entrou nas residências da população norte-americana disfarçado de liberdade. Com a flexibilização do controle e acesso às armas de fogo, a violência explodiu, sobretudo dentro das escolas, com constantes massacres. Como medida para contenção dessa crise escolar, o governador, para além de excessivamente armar a população até os dentes com todos os tipos de armas possíveis e imagináveis, encontrou uma solução controversa: a criação de “duelos” entre as escolas, a serem realizados anualmente, como uma espécie de “battle royale” (dos games), ou “Jogos Vorazes” (outra distopia, por sinal).
Esse contexto, além de bizarro e assustador, é sustentado a partir da constante propaganda militar, sobretudo a direcionada às escolas, para os adolescentes, e ancorada nas bases do fundamentalismo cristão, na forma de um Estado que evidentemente deixou de ser laico. Na direção dos colégios, impera a lei do mais forte, cujo bullying é tratado com descaso, e a vítima, na prática, como uma pessoa fraca e não preparada para a sociedade.
O protagonista, Samuel, muito bem interpretado por Kue Lawrence, tão jovem e já demonstrador de imensa maturidade em frente à câmera, enquanto ator, vive com sua mãe, à sombra da perda de seu pai, um ex-militar, e espelha-se nele para quem gostaria de ser de verdade, no mundo em que reside. É um sentimento que se origina da vontade em repetir os passos familiares e homenagear a memória que tem do pai, aos próprios estímulos sociais, do aspecto propagandista do governo local, das influências do entorno e das próprias redes sociais, sempre incentivando, de todas as formas, à compra de armas e a defesa pessoal.
No entanto, é evidente que o militarismo não é a vocação de Samuel, ou pelo menos é jovem demais para tanto – apenas treze anos de idade -, e ninguém o auxilia na busca pelos sonhos. A escola prefere se voltar aos “mais adaptados” e “vocacionados” para tanto (uma cruel aplicação da seleção natural de Darwin), e a mãe não enxerga o que fato acontece na vida do filho – e não por culpa sua, pois muito é impossível descobrir apenas pela convivência do cotidiano, ainda que talvez falte diálogo dentro da casa.
Quando o protagonista, no entanto, é aprovado para participar da edição do Duelo daquele ano, todo esse universo distópico milimetricamente arquitetado é desconstruído pela direção de Todd Wiseman Jr., enquanto expõe, aos olhos dos personagens, a hipocrisia daqueles que criaram o sistema, e propagandeiam valores que, no fundo, não acreditam de verdade, mas ecoam nos corações de grande parte da população, tratada como mera massa de manobra política e manutenção no poder, com o risco de todo aquele cenário catastrófico se expandir para o restante do país como uma doença.
A medida em que a câmera passeia pelo evento, entre os demais participantes, o próprio armamento e as apresentações de grupos de dança e banda, como um típico evento esportivo escolar norte-americano, fica cada vez mais claro o reinado de uma ideologia falha, que ao invés de prevenir a violência, leva a mais caos e destruição, física e psicológica. Da simbologia religiosa cristã – a coroa de espinhos como um símbolo de sacrifício, por exemplo, em uma interpretação conveniente e deturpada da Bíblia ao próprio contexto em que é utilizada pelo Estado – à evocação de memórias e espíritos do passado norte-americano, não há braveza ou coragem suficiente que leve alguém a aceitar ser morto em um conflito armado como o Duelo, por livre e espontânea vontade, senão a comprovação de que a humanidade novamente falhou, e que o totalitarismo, mais uma vez, venceu, contaminando a mente dos jovens e os incentivando a caminhar em direção a um beco sem saída para defender uma liberdade, que, de verdade, não existe.
A medida em que o evento acontece, e revela suas surpresas ao longo da narrativa, se percebe, cada vez mais, o Duelo como um injusto pão e circo. Ao mesmo tempo, a partir dele compreendemos mais do próprio protagonista, e sua índole fora do ambiente hostil no qual vive, cercado, justamente, de uma violência inerente àquela sociedade.
A fotografia em tons de preto e branco, assinada por Kyle Deitz, assume uma camada mais aprofundada nos momentos finais, quando mostra-se uma representação imagética da gaiola mental invisível na qual vivem os personagens, aprisionados por toda aquela ideologia armamentista e desconfiada. Da mesma forma, a direção também evita explorar, acertadamente, através da ação, a violência gráfica, quando compreende bastar, desde cedo, todo o aspecto psicológico que circunda seus personagens naquele mundo.
Assim, Todd Wiseman Jr. faz de The School Duel uma espécie de alerta. Apesar de alguns elementos futuristas que discretamente posiciona em sua narrativa, sobretudo alinhados à tecnologia, é mais do que claro o fato de tratar-se de um futuro muito presente – questão de pouquíssimos anos, talvez menos de uma década. É sobre um falso discurso de liberdade, que já toma forma em alguns lugares pelo mundo, e sobretudo pelos Estados Unidos, que o cineasta expõe os perigos de uma onda de extremismo conservador e religioso. Crenças pessoais não são um problema, e o debate é saudável, sobretudo em uma democracia, mas a imposição e o excesso de valores – e quaisquer que sejam – transforma uma sociedade saudável em um organismo doente. E organismos doentes, se não tratados, tendem a morrer – exatamente o que não pode acontecer com a democracia, e mais ainda, com a sociedade.
Avaliação: 4.5/5
The School Duel (Idem, 2025)
Direção: Todd Wiseman Jr.
Roteiro: Todd Wiseman Jr.
Gênero: Drama, Thriller
Origem: EUA
Duração: 91 minutos (1h31)
29º Fantasia Film Festival (Selection 2025)
Sinopse: Em um futuro próximo e distópico, no 'Estado Livre da Flórida', não há regulamentação para o controle de armas, e os tiroteios em escolas atingem níveis recordes. Tentando diminuir o problema, o governador cria uma competição anual de duelos entre estudantes, que logo se torna um sucesso entre a população. Assim, quando surge uma oportunidade de notoriedade distorcida, Sammy, um atormentado garoto de 13 anos que sofre bullying, se inscreve para a competição. (Fonte: TMDB - Adaptado)
Comments