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29º FANTASIA FILM FESTIVAL | The Undertone, de Ian Tuason (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 30 de jul.
  • 4 min de leitura

Com criatividade, The Undertone usa da imaginação do espectador para materializar suas ameaças através do som, em uma experiência de terror sufocante, no melhor dos sentidos.


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No enorme e quase infinito mar dos filmes de terror lançados anualmente, poucas são as obras que conseguem se destacar. Nem sempre é preciso partir de uma premissa completamente inédita para ser lembrado, mas sim se utilizar dela para construir algo que consiga produzir uma experiência que fique além das de tantos outros que não sairão das soluções óbvias e ideias previsíveis.

 

A base de The Undertone, nesse sentido, não foge do comum ao terror, enquanto um filme de assombração que se passa em um único ambiente – uma casa –, e lentamente assombra uma protagonista emocionalmente desgastada e vulnerável, a noite apresentadora de um podcast de terror, e, ao longo do dia, cuidadora de sua mãe doente, praticamente em estado vegetativo.

 

O que faz a diferença, porém, é a maneira como o cineasta Ian Tuason idealiza essa premissa estendendo a vulnerabilidade de Evy, a protagonista, para nós, espectadores. O podcast, chamado “The Undertone” (justamente o título do filme), assume um papel de protagonismo como a ponte para que o terror se desenvolva. Evy, enquanto apresentadora do programa, atua como a cética aos fenômenos e histórias que discutem, enquanto seu amigo Justin, o coapresentador, atua como o crente do paranormal, em uma dinâmica ao estilo “Mulder e Scully” de Arquivo X.

 

O trunfo está justamente nesse uso do podcast como ferramenta para trabalhar o terror, enquanto, durante a gravação de um novo episódio, uma estranha presença começa a se manifestar perante os apresentadores. Tudo começa quando os personagens decidem ouvir a gravação de áudios encaminhados para eles através do e-mail do programa, por um destinatário desconhecido, registrando um casal que enfrenta problemas com sonambulismo. Enquanto ouvem as gravações, em madrugadas distintas, a protagonista começa a desenvolver uma obsessão no entorno da situação vivida pelo casal, sobretudo quando um excesso de coincidência começa a se tornar estranho.

 

Em apenas um único ambiente, bem estabelecido pela direção, toda a narrativa de The Understone se situa exclusivamente no interior da casa onde Evy cuida de sua mãe doente. Quando grava o podcast, sentada na mesa da sala de jantar, em algumas madrugadas, o som torna-se completamente isolado a partir do momento em que a personagem coloca seus fones de ouvido, como se estivéssemos com ela, ouvindo o que ouve e sentindo o que sente. Os planos filmados por detrás da personagem deixam um estranho sentimento de apreensão, como se fosse observada, especialmente quando voltados também para a escada, com uma cruz pregada à parede em seu topo.

 

Todos os símbolos religiosos, católicos, são usados pela obra para a produção de um sentimento ambíguo à protagonista, explorado a partir de sua relação com a mãe no passado, que, se não bastasse seu estado terminal, alguns arrependimentos colaboram na vulnerabilidade emocional da personagem. Ao mesmo tempo, enquanto cética em relação à paranormalidade, os áudios a fazem colocar em dúvida o próprio ceticismo, na medida em que cada vez menos encontra explicações para o que ouve – incrivelmente uma história secundária de possessão que incentiva nossa imaginação a materializar tudo aquilo que não é mostrado perante a câmera, mas apenas escutado.

 

É fascinante a criatividade com a qual Tuason, a partir de um baixo orçamento, foi capaz de assustar tanto e tão bem, ao usar, na maior parte das vezes, a própria mente do espectador como a ferramenta para o terror, na medida em que praticamente nada é mostrado, mas apenas ouvido – e imaginado. Apesar do som assumir o protagonismo, a imagem atua como um incentivo, ao focar nos cantos escuros da casa, no vazio do ambiente, e, sobretudo, na própria Evy, cujo trabalho expressivo de Nina Kiri regula o tom e o impacto da situação sobre o público, medido pelo seu próprio corpo e as reações à suposta entidade, uma dúvida que o longa faz perdurar até seus momentos finais.

 

Dessa forma, The Undertone se torna memorável ao nos deixar com medo sem precisar materializar nenhuma de suas ameaças em frente a uma câmera. Ian Tuason prova que não precisa da violência gráfica ou mesmo física quando delega o serviço ao psicológico do espectador, em uma experiência emocionalmente desgastante no melhor dos sentidos, enquanto nos imerge nos traumas e arrependimentos de sua protagonista, e junto dela, nos torna igualmente vulneráveis à entidade com a qual supostamente lida, a partir de um trabalho sonoro impecável e uma personagem tão comum que facilmente podemos nos identificar com.

 

Isso sem falar que minha experiência pós-filme foi ainda mais aterrorizante, para não dizer traumatizante: bastou eu tirar o fone de ouvido, ao término da projeção do screener, para escutar o forte som do vento abrindo a janela da varanda de casa, fazendo a cortina da sala voar - nem preciso descrever o susto, ainda imerso e pensando no filme, um dos grandes de terror deste ano de 2025, e mais uma grata surpresa da cobertura desta edição do Fantasia.

 

Avaliação: 4/5

 

The Undertone (Idem, 2025)

Direção: Ian Tuason

Roteiro: Ian Tuason

Gênero: Terror, Thriller

Origem: Canadá

Duração: 85 minutos (1h25)

29º Fantasia Film Festival (Septentrion Shadows)

 

Sinopse: Uma apresentadora de podcast especializado em conteúdos de terror se muda para cuidar de sua mãe à beira da morte. Quando começa a receber gravações de fenômenos paranormais vividos por um casal a espera de um bebê, ela percebe que a história deles espelha a sua - e cada áudio a empurra ainda mais em direção à loucura. (Fonte: IMDB - Adaptado)

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