30º É TUDO VERDADE | A Invasão, de Sergei Loznitsa (The Invasion, 2025)
- Henrique Debski

- 11 de abr.
- 3 min de leitura
Em A Invasão, Sergei Loznitsa não apela à propaganda, mas tão somente à exploração das rotinas na Ucrânia durante o conflito.

Entre tantos filmes, especialmente documentários, já lançados desde a eclosão da guerra na Ucrânia, o que mais temos encontrado são obras que, no fundo, buscam por um efeito propaganda sobre o conflito, sob uma demonstração da dor e sofrimento ucraniano frente à invasão russa no território, como forma de buscar por apoio e visibilidade internacional à situação do país.
Como desde cedo fui muito bem ensinado, o cinema é uma arte política – são indissociáveis os valores do cineasta para com sua obra, ainda que muito se esforce para tanto. E assim, A Invasão, do cineasta Sergei Loznitsa, evidentemente toma partido quanto ao conflito, ao mostrar, durante mais de 140 minutos, a vida na Ucrânia desde o início da guerra. No entanto, na contramão de tantos outros filmes que se aproveitam da situação – e de tantas outras situações de guerra ao redor do mundo e ao longo da história – para tentar manipular os sentimentos do espectador com passagens dramáticas, muitas vezes acompanhado de narrações e trilha sonora, o diretor em momento algum se coloca em frente à câmera.
Loznitsa, enquanto documentarista do conflito nas filmagens do presente filme, parte de um pressuposto bastante justo à sua proposta: ele é mero espectador do meio em que está, do conflito instaurado no país, apenas um homem com uma câmera registrando a vida do povo ucraniano. O verdadeiro protagonista, em contrapartida, não é materializado e muito menos individualizado, mas sim um coletivo composto pela população da Ucrânia como um todo, e seu espírito de resistência, a todo tempo enfatizado como um dos fatores da manutenção de sua independência, enquanto um país livre.
E ao contrário do que muitos pensam e imaginam sobre o conflito, o diretor não está preocupado em apresentar os momentos de guerra e de terror, mas justamente o oposto, a vida como ela é, apesar das particularidades do momento de calamidade. Nascimentos, casamentos e a vida em família são partes fundamentais da manutenção da Ucrânia enquanto sociedade, e politicamente, em contrapartida, prova de um povo unido e que, apesar do conflito, não está disposto a se fragmentar pela invasão militar russa.
No Natal, crianças brincam na escola em gincanas com os professores, e em casa comemoram a data com os pais. Em Igrejas, casais se casam e juram amor eterno e proteção um ao outro até que a morte os separe.
Ainda assim, os efeitos do conflito inevitavelmente assombram esse dia-a-dia que a população tenta ao máximo manter. Soldados falecidos em combate tem seus funerais junto à comunidade, familiares e amigos em templos religiosos de suas regiões. Mães choram pelos filhos; amigos pela perda de anos de amizade em razão de um conflito injusto e motivado por pura ganancia. Civis treinam com armas para se defender em caso de ataques russos, e escolas, que outrora tiveram propósitos educacionais e humanísticos, hoje aparecem destruídas e abandonadas pelas batalhas. Quantas memórias foram criadas ali antes da guerra? Quantas pessoas não aprenderam a ler e escrever naquelas salas hoje destruídas e abandonadas, e quantas não pereceram em virtude desse conflito? Não são perguntas que o cineasta faz, mas que as imagens que produzem reverberam.
Por outro lado, a cultura e literatura russa na Ucrânia tem sido aniquilada. Decisões impensadas em tempos de guerra, cuja suposta boa imagem do inimigo precisa ser abolida a todo custo da vida cotidiana. O que Fiódor Dostoiévski tem em relação a tudo isso, quando morto há mais de 150 anos?
E assim, apesar dos longos 140 minutos, que em certos momentos tornam-se repetitivos e a montagem perde a oportunidade de construir um ciclo imagético entre o início e o fim, a partir da filmagem de funerais como algo simbólico de um ciclo até o momento não terminado, A Invasão, através de seus planos longos e uma câmera espectadora, nos imerge em meio ao cotidiano ucraniano no contexto da guerra. É a demonstração de um povo unido, forte e determinado a manter a própria independência, resistindo cada vez mais às investidas russas. Apesar de dolorido, é honesto enquanto não tenta dramatizar a dor do povo ucraniano, mas justamente o contrário, filmá-los em suas vidas cotidianas e seguindo as próprias rotinas, enquanto se adaptam ao estado de calamidade. E em sua simplicidade, o filme emociona.
Avaliação: 4.5/5
A Invasão (The Invasion, 2025)
Direção: Sergei Loznitsa
Roteiro: Sergei Loznitsa
Gênero: Documentário
Origem: França
Duração: 145 minutos (2h25)
30º É Tudo Verdade
Sinopse: Dez anos após o lançamento de seu filme épico, Maidan, Sergei Loznitsa retoma suas crônicas ucranianas, documentando a luta do país contra a invasão russa. Filmado num período de dois anos, a película retrata a vida da população civil em toda a Ucrânia. (Fonte: É Tudo Verdade)





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