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49ª MOSTRA DE SP | A História do Som, de Oliver Hermanus (The History of Sound, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 28 de nov.
  • 5 min de leitura

A frieza e distância da direção de Oliver Hermanus em A História do Som torna a reunião de Paul Mescal e Josh O’Connor em drama queer uma experiência esquecível.

 

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Como já diz o ditado popular, a expectativa é a mãe da decepção. Quando de sua estreia na prestigiada competitiva de Cannes, lembro-me de que as primeiras reações para com A História do Som foram de pura decepção, especialmente por parte de amigos e colegas que cobriam o festival. E de fato, não posso julgar tal sentimento, tendo em vista que o cineasta sul-africano Oliver Hermanus reuniu dois atores em alta, e dos mais “cobiçados”, para um drama queer tão morno quanto distante, seja na maneira como explora o romance entre eles, ou mesmo as relações que travam entre si enquanto casal, quando juntos e separados.

 

A principal comparação que tem sido feita recentemente, inclusive, é com o trágico O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee, com o qual, de certa maneira, trava semelhanças na escolha de dois atores talentosos e “populares” ao tempo da produção, em um drama que explora a dor de esconder a própria sexualidade em um contexto de tamanha homofobia, sem nunca poder, de verdade, os personagens, abraçar o próprio livre-arbítrio para ser quem realmente deseja.

 

Acontece que, de lá para cá, já assistimos a diversos filmes que exploram esse mesmo contexto, bastante comum ao cinema LGBTQIAPN+, que continua relevante frente a inaceitabilidade de parte da sociedade para com os relacionamentos homoafetivos (como se controlar a vida do outro melhorasse a própria – eu sempre digo, se cada um cuidasse da própria vida o mundo seria um lugar infinitamente melhor). E aí vem a pergunta: o que exatamente A História do Som pode oferecer em sua abordagem que outros tantos filmes não?

 

Um filme não precisa necessariamente ser inovador em sua narrativa para tornar-se interessante ao público, e tudo sempre varia da proposta do realizador para com a abordagem da história que deseja contar. De fato, A História do Som é um filme assumidamente frio, tal como de costume no cinema de Hermanus. Mas se em seu longa anterior, Viver (2022), a frieza de uma vida encontrava o calor de seus últimos instantes, na pele de um burocrata buscando pela redescoberta da felicidade e da vivacidade em um propósito, que aos poucos a torna calorosa, o presente longa já começa desde cedo em um estado de frieza, e mesmo em seus momentos mais “quentes” ao longo dos instantes iniciais, esse ar “cadavérico” apenas se prolonga de maneira distante no decorrer de seus cento e trinta minutos de duração.

 

Logo quando do primeiro encontro entre os personagens de Paul Mescal e Josh O’Connor, no calor de um bar a luz de velas, bebendo, tocando e cantando, em pleno inverno de Boston dos anos dez do século XX, todo o romance e amor à primeira vista deles extrai-se aos olhares de desejo e paixão ardente, quando de um instante para o outro aparecem juntos em uma cama. Ao longo dos anos, eles se encontram eventualmente, viajam juntos, catalogam canções folk – a melhor parte do filme, evidentemente –, e descobrem uma cultura que morre lentamente no interior dos Estados Unidos. Tudo sem a direção, em qualquer momento, se aventurar a expor esse amor entre eles à frente da câmera, com poucas demonstrações de afeto, e resumindo-se apenas aos olhares solitários e sorrisos de canto de boca.

 

Quando separados pelo destino de suas próprias vidas, rumo a cada um seguir o próprio caminho, o filme, até então de certa maneira desnorteado em sua efetiva proposta, encontra finalmente o rumo quando direciona a atenção para a ausência e saudade do personagem de Paul Mescla por seu amante. É na prática uma jornada de memórias sendo remoídas, pensamentos constantes no outro, e uma saudade inabalável, permeada por um mistério sobre o que houve entre eles, e o porquê de nunca mais terem se falado.

 

O aspecto agridoce se justifica perante a ideia de ausência que emprega à narrativa, ainda quando se encontram juntos, sabendo ser “proibido” ou inaceitável socialmente aquele amor que manifestam um pelo outro, que não poderá durar para sempre. Mas ao mesmo tempo que volta seu olhar à saudade e a uma nostalgia do protagonista Lionel pelo passado, Hermanus também parece se recusar a mostrar o afeto que os personagens sentem entre si. Subentende-se, a partir de certo ponto, a existência de inúmeros momentos de intimidade enquanto viajavam, mas que o filme prefere, ao invés de trazer ao público esse sentimento de proximidade, nos afastar, apenas tendo em vista o melodrama que firma na saudade.

 

E quando diante dessa relação sobre a qual pouco nos envolvemos, por uma resistência da própria obra, esse sentimento de saudade e nostalgia que permeia toda a vida de Lionel – a qual conhecemos tão somente de maneira unilateral, por esse aspecto – não nos faz sentido ou mesmo surte efeito. Não que inexista uma certa beleza em toda essa narrativa, mas sua condução pautada tão somente na ausência e na saudade, referente a algo que pouco vemos ou conhecemos de fato ao ponto de junto nos envolver, torna a experiência insossa, e distante, mas não da melhor maneira.

 

Para coroar, ainda por cima, o diretor encontra muita dificuldade para saber como e quando encerrar seu filme. O excesso da narração de uma versão de Lionel no final da vida até se justifica para poupar algumas cenas em sua introdução, nos primeiros instantes, estabelecendo a vida no interior do estado de Kentucky e a ida do protagonista para Boston, mas se arrasta excessivamente na reta final, rompendo com um silêncio que poderia tornar-se eloquente enquanto explora as memórias e lembranças felizes do passado, preenchendo com uma voz que apenas explica sentimentos sem nunca conseguir ilustrá-los em tela, e novamente, afastando o espectador.

 

Assim, A História do Som até tem seus momentos interessantes, especialmente quando envolto sob o manto da música – mero elemento igualmente pouco aprofundado –, mas se arrasta em um drama sobre ausência que, enquanto não desenvolve a presença, pouco surte efeito na medida em que cansa o espectador, e tampouco oferece uma abordagem diferente de tantos filmes queer que trabalham com ideias parecidas, de maneiras mais memoráveis e envolventes. Em um curto resumo desse misto de sentimentos, que ouvi, com as mesmas palavras, por mais de uma vez, de pessoas diferentes, trata-se de um filme com temática queer que tem medo de assumir a própria natureza, e de abraçar o que de fato é – algo que se aproxima muito de longas similares do meio para o final do século XX, em uma abordagem que, atualmente, não apenas soa decepcionante como também pode ser interpretada de certa forma problemática.

 

Avaliação: 2.5/5

 

A História do Som (The History of Sound, 2025)

Direção: Oliver Hermanus

Roteiro: Ben Shattuck

Gênero: Drama, Romance

Origem: EUA, Reino Unido, Itália, Suécia

Duração: 127 minutos (2h07)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: Em 1917, Lionel — um jovem e talentoso estudante de música — conhece David no Conservatório de Boston, onde eles se aproximam pelo profundo amor que compartilham pela música folk popular. Anos depois, Lionel recebe uma carta de David, que os leva a uma viagem improvisada pelo interior do Maine para coletar canções folk tradicionais. Este encontro inesperado, o caso de amor que nasce dele e a música que coletam e preservam vão influenciar o curso da vida de Lionel muito além de sua própria consciência.

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