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49ª MOSTRA DE SP | A Incrível Eleanor, de Scarlett Johansson (Eleanor the Great, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 14 de nov.
  • 4 min de leitura

Entre a valorização da fé judaica e a superação do luto, a estreia de Scarlett Johansson na direção não assume riscos e abraça a previsibilidade, mas encontra na atuação de June Squibb sua verdadeira alma.


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Um dos momentos mais sombrios da História, o Holocausto ainda hoje continua sendo a temática de muitas produções cinematográficas anualmente. Dentro desse recorte histórico da Segunda Guerra Mundial, já assistimos a diversas abordagens, desde as mais dramáticas, reconstituindo momentos específicos e relatos de sobreviventes; da mesma forma que já se trabalhou, por muitas vezes, as consequências devastadoras do evento; e até o olhar para o depois, à vida após a guerra, e a reconstrução espiritual daqueles que sobreviveram, do reencontro com a fé judaica, suas tradições e as novas raízes, como replantar a cultura que durante tanto tempo, e com tamanha brutalidade, tentaram extinguir.

 

A primeira aventura na direção da atriz Scarlett Johansson é uma prova de que é possível tratar da temática em um filme que, apesar de seus momentos de maior intensidade dramática, consegue fluir pelos trilhos da leveza, em uma comédia despretensiosa, mas repleta de significados. A partir do roteiro da igualmente estreante Tory Kamen, acompanhamos Eleanor, uma senhora que acaba de perder a melhor amiga, uma sobrevivente do Holocausto, após mais de setenta anos de amizade, e retorna para Nova York a fim de passar algum tempo com a filha e o neto. Entre suas saídas desbravando a cidade que outrora fora seu lar, acaba contando as histórias da amiga, porém em seu próprio nome.

 

A longa introdução de A Incrível Eleanor é uma maneira muito eficaz de nos afeiçoarmos à protagonista. O vazio de uma rotina sem a melhor amiga a seu lado surte como o fim de uma era em sua vida, e a necessidade de uma reinvenção – justamente o que a motiva sair da Flórida e voltar para Nova York. Os elementos do judaísmo, nas conversas cotidianas, na decoração da casa, e na própria alimentação kosher se fazem presentes a todo tempo, antecipando um dos pontos chaves da narrativa: a valorização da cultura judaica, e o modo de vida que preza pelo respeito à religião e alguns de seus ritos.

 

Quando de sua chegada à cidade de Nova York, a busca por uma reinvenção na rotina novamente à leva ao contato direto com a comunidade judaica da qual integra. É quando acaba por acidente adentrando a um grupo de apoio aos sobreviventes do Holocausto, onde compartilham suas histórias, e conhece Nina, uma universitária que pretende escrever uma matéria jornalística a respeito deles.

 

Desde sempre apresentada como uma personagem sem filtro social, a mentira contada acaba surtindo efeitos, em um primeiro momento, de maneira muito natural à Eleanor, enquanto busca um grupo para pertencer, mas pouco a pouco percebe uma verdadeira bola de neve quando reflete sobre seus atos – essa que fica cada vez mais difícil de parar. É algo que não acontece em razão de sua idade ou qualquer fator relacionado ao envelhecimento, importante frisar, mas única e exclusivamente por decisão sua, e ao completo acaso.

 

Até o momento em que dá início a essa mentira, de se passar pelas histórias da amiga – basicamente o final do primeiro ato – é difícil saber onde A Incrível Eleanor pretende chegar com essa personagem, ou qual conflito buscará estabelecer, mas a partir desse ponto, torna-se bastante fácil de saber até onde irá, e sobretudo, como vai terminar.

 

Fato é que, quando finalmente disposto todo o tabuleiro sobre a mesa, os próximos movimentos são facilmente antecipáveis, desde como e quando acontecerão, na medida em que seu roteiro em momento algum busca fugir da fórmula sob a qual se constrói, em uma jogada bastante segura. Ao mesmo tempo, pelo menos, compensa essa previsibilidade com diálogos criativos, que buscam pela personagem uma justificativa bíblica e religiosa para seus atos (uma mera desculpa que ela busca para sentir-se bem consigo), também uma maneira interessante de se trabalhar o luto, e até a valorização da própria cultura judaica, ainda mais levando em conta os efeitos do Holocausto, a crença em D’us e o reestabelecimento da fé.

 

Da mesma maneira, a direção de Johansson é igualmente segura na forma como filma, sem assumir quaisquer riscos ou mesmo experimentar, apoiando-se no melodrama equilibrado com toques genuínos de bom humor, que conduzem uma história sobre luto e a valorização da religião judaica com leveza, a partir da ideia de superação. A fotografia de Hélène Louvart, inclusive, é eficaz enquanto explora a solidão da protagonista sem sua melhor amiga na vastidão da cidade grande, ao passo que a montagem de Harry Jierjian, ao distribuir a história sobre o Holocausto ao longo da projeção, encerra o longa com chave de ouro, ao ápice de seu momento mais dramático e doloroso, no melhor dos sentidos, como uma volta bem dada ao redor das personagens.

 

E apesar de toda a previsibilidade, tanto do roteiro quanto da direção, que jamais se arriscam, mas ao menos se equilibram, o grande destaque, que faz de A Incrível Eleanor um filme minimamente memorável, e justamente sua alma, é o excelente trabalho de June Squibb na pele da protagonista, exalando vitalidade aos seus noventa e quatro anos de idade, não apenas com carisma, mas um enorme carinho para com sua personagem, e a jornada que trilha e ajuda a transformar vidas, ainda que através de uma mentira.

 

Avaliação: 3.5/5

 

A Incrível Eleanor (Eleanor the Great, 2025)

Direção: Scarlett Johansson

Roteiro: Tory Kamen

Gênero: Comédia, Drama

Origem: EUA

Duração: 98 minutos (1h38)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: Eleanor Morgenstein sempre se viu envolvida e conectada com as pessoas ao seu redor. Após uma perda devastadora, ela se muda da Flórida para Nova York para viver com sua filha e seu neto, na esperança de se reconectar com a família. Porém essa mudança a faz se sentir ainda mais à deriva e invisível. Um dia, sem se dar conta, ela entra em um grupo de apoio ao qual não pertence exatamente e acaba revelando uma história que, inadvertidamente, lhe traz um nível de atenção que não pretendia. Eleanor se vê envolvida por consequências revigorantes quando uma jovem estudante de jornalismo a procura como amiga e mentora. Mas, quando as coisas começam a ir longe demais, Eleanor precisa encarar a verdade.

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