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49ª MOSTRA DE SP | Abaixo das Nuvens, de Gianfranco Rosi (Sotto le Nuvole, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 12 de nov.
  • 3 min de leitura

Gianfranco Rosi filma bastante e constrói belas composições visuais, mas não deixa de tornar seu Abaixo das Nuvens um documentário inócuo sobre tudo e nada ao mesmo tempo.


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Já não é a primeira vez neste ano que conto esse detalhe peculiar de minha graduação em Direito. Na realidade, não é algo que se refere diretamente à área, mas guarda relação com o espaço acadêmico como um todo, e da mesma maneira que se escreve um projeto de pesquisa ou um artigo científico, vale também para quando se faz um filme ou se redige uma crítica. A professora Michele, coordenadora de pesquisa da faculdade, muito sabidamente sempre pontuava para nós, alunos de primeiro ano, em nossa maior parte jovens recém-saídos do Ensino Médio tendo o primeiro contato com a Academia: “quando forem escrever uma pesquisa, delimitem o tema sobre o qual pretendem discorrer”, ela dizia.

 

A professora estava coberta de razão. Um projeto de pesquisa que deseja falar sobre tudo acaba por, ao final, não falar sobre nada. Um objeto para se investigar é essencial, e se muito amplo, cabe ao pesquisador tentar diminuí-lo com o fim de extrair o máximo e o melhor daquilo que se estuda.

 

Claro que fazer um filme e escrever um projeto de pesquisa científica (em qualquer área) são coisas completamente diferentes, mas guardam semelhanças. É plenamente possível um filme falar sobre muitas coisas e funcionar, a depender da pretensão de seu realizador, e da maneira como articula suas ideias e propostas para a obra. No entanto, não foi o que aconteceu com Abaixo das Nuvens, documentário vencedor do prêmio especial do júri (3º lugar) no último Festival de Veneza, e exibido na 49ª Mostra de SP.

 

Na intenção de um retrato sobre uma Nápoles longínqua aos olhos dos turistas, direcionada às questões internas, administrativas, seus problemas enquanto cidade histórica, e eventos naturais que afetam as vidas de seus cidadãos, Gianfranco Rosi parece não saber exatamente sobre o que pretende tratar ao longo das quase duas horas de seu documentário.

 

Entre cada uma das temáticas que toca, de maneira alternada durante a projeção, existe espaço para explorar uma cidade de fato desconhecida na visão daqueles que ali não residem. Trata-se dos constantes tremores ocasionados pelo Vesúvio, que desde Pompéia ainda assola um certo medo e preocupação em parte da população – algo inerente a própria História, talvez -, da mesma forma que vê nos porões dos museus peças, histórias e artes esquecidas, não expostas e não vistas, na mesma medida em que a polícia local enfrenta graves problemas com saqueadores de escavações históricas, ou pessoas que constroem túneis clandestinos a fim de descobrir artefatos soterrados pelo tempo, mas que, ao invés de estuda-los, pretendem lucrar, vendendo-os no mercado paralelo.

 

São todas elementares interessantíssimas de um documentário com a faca e o queijo na mão, mas que não sabe, porém, sobre o que busca tratar de fato. Mesmo que a proposta de Rosi seja em tratar sobre fragmentos de vida ou de cotidiano, é como se nunca soubesse exatamente o quanto mostrar de cada um. A distribuição, sempre em ciclos repetitivos trabalhando sobre as mesmas composições imagéticas e transições cansa depois de, no máximo, uma hora seguindo diversas pessoas de maneira aparentemente aleatória.

 

Ao longo do documentário, filma-se muito, cria-se imagens muito bonitas em preto e branco, contemplativas e reflexivas sobre a cidade de Nápoles, sobre Pompéia, sobre o Vesúvio, sobre a arte, sobre grãos que chegam, de navio, da Ucrânia, mas o que exatamente se busca dizer a partir delas?

 

Na sede ao pote de aproveitar tudo o que certamente filmou, pacientemente, durante um longo período, Gianfranco Rosi montou um documentário de quase duas horas composto por imagens exuberantes, mas inócuas a partir da ausência de uma linha que possa tornar todos os muitos temas levantados interessantes ao espectador. Poderiam essas filmagens render certamente diversos curtas, médias ou até longas-metragem, versando, no mesmo tom reflexivo, sobre cada uma das ideias, mas todas juntas, costuradas desta forma pela montagem repetitiva, quase sem qualquer trilha, sob um silêncio sepulcral, faz qualquer esforço de despertar interesse, contar ou mostrar alguma coisa tornar-se em vão, sendo nós vencidos pelo cansaço; e ele, sentindo-se vencedor por uma arrogância formal, que, no fundo, arruína seu filme.

 

Avaliação: 1/5

 

Abaixo das Nuvens (Sotto le Nuvole, 2025)

Direção: Gianfranco Rosi

Roteiro: Gianfranco Rosi

Gênero: Documentário

Origem: Itália

Duração: 114 minutos (1h54)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: Entre o Vesúvio e o Golfo de Nápoles, a terra treme de tempos em tempos e as fumarolas dos Campos Flégreos envenenam o ar. Das marcas da história, das memórias subterrâneas e das inquietações do presente, surge, em preto e branco, uma Nápoles menos conhecida, povoada por vozes e vidas. Sob as nuvens se estende um território cruzado por moradores, fiéis, turistas e arqueólogos que escavam um passado destinado a ganhar nova vida nos museus, em estátuas, fragmentos e ruínas.

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