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49ª MOSTRA DE SP | Bugonia, de Yorgos Lanthimos (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 7 de out.
  • 4 min de leitura

Em Bugonia, Yorgos Lanthimos refilma longa sul-coreano, e sob as mesmas bases revela seu pessimismo com os rumos da sociedade, enquanto a satiriza por meio de caricaturas.


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A expectativa para um novo filme de Yorgos Lanthimos é sempre a maneira exuberante que irá encontrar de ser mais “estranho” do que em seu projeto anterior, como parte do movimento d’A Estranha Onda Grega, de onde construiu, e difundiu, seu estilo característico de cinema. É praticamente uma constante em sua filmografia, desde suas origens no cinema da Grécia, até sua estreia em solo norte-americano, com o excelente O Lagosta, e se mantém viva até o presente momento – algumas vezes mais estranho, outras vezes um pouco menos, ou com um pouco mais de sutileza.

 

Renovando sua parceria com Emma Stone e Jesse Plemons, ainda mais curioso do que a nova “estranhice” do diretor era, ao menos para mim, a maneira como conduziria esta refilmagem do excelente longa sul-coreano de 2003 Save the Green Planet, de Jang Joon-hwan, já naturalmente “surtado” a sua própria forma, partindo do absurdismo de uma premissa anticapitalista, e pautada em uma conspiração.

 

O mais curioso é que, mesmo existindo um abismo de vinte e dois anos que separa os longas, é natural enxergarmos que a crítica pensada no início do século XX em relação aos abusos e ganância da indústria farmacêutica se mantém intactos, senão até mesmo piores na realidade presente. A adaptação de Will Tracy ao roteiro original de Jang Joon-hwan mal sente a necessidade de alterar elementos da obra original no tocante ao tema, mas tão somente uma reformulação nos arcos e na construção dos personagens de forma que Bugonia possa operar-se de maneira distinta, ainda que compartilhando de inúmeras naturais semelhanças.

 

A maior alteração, na verdade, encontra-se no abandono do elemento de thriller policial da obra coreana em prol de uma ação muito mais voltada ao interior da casa onde se desenrolam a maior parte dos eventos, voltando-se muito mais ao sequestro e às trocas entre sequestradores e sequestrada, do que de fato voltar a atenção para o trabalho policial, evitando, além de cair na obviedade e nos clichês do estilo (que em 2003 até poderia ser novidade, mas hoje já estão batidos), evitar um desvio à própria ideia mirada nessa versão. Se por um lado isso parece retirar parte da tensão e do senso de urgência de um trabalho policial ativo no entorno da solução do caso, por outro lado o maior cuidado aos momentos iniciais, ao mostrar as rotinas matinais dos envolvidos, estabelece um universo que, apesar de verossímil, opera sob padrões de comportamento distintos, o que muito bem se faz por meio do humor.

 

Esse humor sarcástico e naturalmente ácido, acompanhado por uma trilha que sugere um épico de maneira contida e centrada quase que num único ambiente deixam uma sensação de desequilíbrio na obra de Lanthimos, que, ao contrário de um elemento negativo, muito bem se revela na dúvida que pouco a pouco vai plantando em nossas mentes: quem está no controle da situação?

 

A incerteza do personagem de Jesse Plemons, tanto no que faz quanto no que pretende fazer em seguida, ou como sairá do problema em que está, em oposição ao olhar decidido e forte da personagem de Emma Stone, uma poderosa CEO de uma grande companhia farmacêutica, coloca em xeque constantemente as tratativas de um para com o outro. Enquanto o assunto alienígena toma proporções cada vez maiores, é constante a dúvida sobre a realidade ou a maluquice que toma a mente dos personagens.

 

Na base de duas caricaturas – de uma grande empresária, maléfica e egoísta, que somente visa o lucro, jogando com a vida de pessoas pelo caminho, e inclusive seus funcionários -, e de um grande conspirador, que acredita em fake news sem ao menos checar os fatos, extraterrestres, vive em uma grande bolha e arrasta outros para o mesmo buraco, Lanthimos, na prática, acaba por satirizar ambos os lados da corda no cerne da própria sociedade norte-americana contemporânea. O que deixa mais do que claro é uma história na qual inexistem heróis ou vilões, mas tão somente uma batalha entre dois espectros problemáticos da sociedade, construídos por meio das desigualdades, e que através das próprias ações, acabam por mantê-la e legitimá-la, mesmo que sem nem perceber.

 

Assim, em Bugonia cada passo dado pode revelar uma surpresa, em reviravoltas tão absurdas quanto divertidas, que perfeitamente coadunam com a própria realidade absurdista que constrói, em meio a uma violência cômica – e exagerada –, e um senso de atualidade latente. É interessante pensar em como talvez não tenhamos evoluído enquanto sociedade, e como o filme de 2003 já profetizava, de maneira pessimista, o caminho que trilharíamos no futuro, este que o longa de Yorgos Lanthimos, em sua refilmagem nos EUA, apenas comprovou, e mais, reafirmou. Espero que, daqui a vinte e dois anos, não tenhamos uma nova versão destes mesmos filmes, provando-se ainda mais pessimista.

 

Avaliação: 4.5/5

 

Bugonia (Idem, 2025)

Direção: Yorgos Lanthimos

Roteiro: Will Tracy, adaptado de Jang Joon-hwan (filme original)

Gênero: Thriller, Comédia, Ficção Científica

Origem: EUA, Canadá, Reino Unido, Coréia do Sul, Irlanda

Duração: 120 minutos (2h00)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: Dois homens obcecados por teorias da conspiração sequestram uma poderosa CEO de uma grande empresa, convencidos de que ela é uma alienígena com a missão de destruir o planeta Terra.

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