top of page

49ª MOSTRA DE SP | Eddington, de Ari Aster (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 19 de out.
  • 4 min de leitura

O faroeste pandêmico de Ari Aster atira para todos os lados, e deixa uma confusão: o que ou quem exatamente Eddington pretende satirizar?


ree

 

Um novo projeto com assinatura de Ari Aster tem sido uma verdadeira incógnita em termos de expectativa, para em relação ao filme como também para com seus resultados de bilheteria. Claramente que ambos os elementos se encontram, de certa maneira, atrelados um ao outro, mas este último se deve, especialmente, à maneira como a obra será vendida ao grande público. Tanto é assim que o longa anterior do cineasta, Beau Tem Medo, seu primeiro divisor de águas da carreira após os sucessos Hereditário e Midsommar, em uma exploração pessoal do próprio ego e passado, não apenas dividiu opinião, como também se tornou um dos grandes fracassos de bilheteria daquele ano – e também do estúdio, ainda mais para um projeto com altíssimo orçamento.

 

Com uma recepção morna em sua estreia na competitiva do Festival de Cannes, em maio deste ano, Eddington, e suas mais de duas horas e meia de duração, oferecem ao espectador um faroeste de pandemia. Em uma cidade pequena no interior do Novo México, um xerife negacionista decide disputar as eleições para prefeito, e enfrentar o adorado candidato local à reeleição – tudo, originalmente, em razão das restrições sanitárias e da obrigação do uso de máscara pela cidade.

 

De certa maneira, Aster se apega a muitos elementos típicos do western, gênero relativamente decadente (em termos de popularidade), comum ao cinema norte-americano durante o século XX, e os converte para a contemporaneidade, elegendo o período excepcional da pandemia, dos distanciamentos sociais e embates em relação à descrença na existência do vírus e violação às medidas sanitárias de segurança como forma de debater a ignorância de uns, e a hipocrisia social que reside nas atitudes de todos os lados – até mesmo para os que defendem as medidas, e não as cumpre.

 

Durante boa parte do tempo, o fato de o xerife vivido por Joaquin Phoenix ser um completo negacionista da pandemia não torna, por outro lado, o prefeito em reeleição, vivido por Pedro Pascal, o mocinho da história. Pelo contrário, ao longo da projeção, ou ao menos a primeira parte dela, trata-se de pessoas que se banham em suas próprias hipocrisias, em defesa de pautas e pontos de vista que não necessariamente coadunam em suas atitudes, em uma espécie de “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.

 

É divertido que enquanto esse clima de tensão entre os personagens esquenta, se ensaia um verdadeiro duelo político-eleitoral, quase nos mesmos moldes, dadas as naturais diferenças culturais, daquilo que estamos acostumados a assistir acontecendo em terras brasileiras, sobretudo nas cidades pequenas, exatamente como a retratada no longa. Da mesma maneira a narrativa se entrega ainda mais ao absurdo quando se aprofunda nas vidas pessoais e familiares dos personagens envolvidos no duelo, que acabam incluindo adeptos de (bizarras) teorias da conspiração e fake news, casamentos fracassados, adolescentes com libido forte e até mesmo um charlatão líder de culto religioso.

 

Acontece que são tantas ideias que uma hora Eddington não mais consegue juntar as pontas de tudo o que apresentou até então. Não há exatamente um ponto central que acaba lidando com todos esses elementos jogados na frente do espectador – na verdade, é como se o personagem de Joaquin Phoenix apenas caminhasse de um lado para outro acompanhando a tragédia da sociedade pandêmica, com os absurdos ditos nas redes sociais, a influência de uns em relação aos outros, a manipulação das massas e por aí vai. O problema é que não é possível enxergar a finalidade de tudo isso, ou o que Ari Aster pretende comunicar de seu ponto de vista acerca desse contexto, ou mesmo o que ou quem pretende, afinal, satirizar.

 

Tudo, para piorar, quase vai de vez por água abaixo nos instantes finais, quando, se num primeiro momento questionava o negacionismo e satirizava a conspiração, depois parece abraçá-la como se não houvesse amanhã, em um desfecho que pode ser enxergado como problemático ao parecer concordar justamente com aquilo que estava se criticando. Nesse sentido, talvez nada mais sintetize o filme do que a cena, já próxima ao final, e vasto objeto do material promocional, na qual se mostra o personagem de Phoenix atirando a ermo com uma metralhadora – pois é precisamente isso que o filme é.

 

Assim, o sabor que Eddington deixa é o de uma verdadeira salada, com dois molhos que definitivamente não combinam um com o outro, misturados de maneira indigesta com vegetais aleatórios. Se por um lado até soa engraçado enquanto brinca com o negacionismo da pandemia, e faz uma caricatura com aqueles que minimizavam o contexto e o contágio se agarrando em teorias da conspiração, depois parece, ironicamente, decidir concordar com as ideias para explorar até onde se consegue chegar, em uma experimentação narrativa bem contraditória. E não é algo que se faz exatamente em um tom irônico de provocação, e por vezes parece que o cineasta realmente acredita no absurdo da conspiração. Honestamente, na primeira metade consegui dar boas risadas, mas ainda não sei se consegui entender a proposta de Ari Aster no todo, e especialmente nesta segunda parte, beirando o problemático.

 

Avaliação: 3/5

 

Eddington (Idem, 2025)

Direção: Ari Aster

Roteiro: Ari Aster

Gênero: Thriller, Drama, Comédia

Origem: EUA, Reino Unido, Finlândia

Duração: 148 minutos (2h28)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: Em maio de 2020, no ápice da pandemia, um impasse entre o xerife e o prefeito de uma pequena cidade desencadeia o caos, colocando vizinho contra vizinho em Eddington, Novo México, EUA.

Comentários


© 2024 por Henrique Debski/Cineolhar - Criado com Wix.com

bottom of page