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49ª MOSTRA DE SP | Frankenstein, de Guillermo Del Toro (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 21 de out.
  • 4 min de leitura

O Frankenstein de Guillermo Del Toro questiona a verdadeira natureza da monstruosidade, em uma épica adaptação da obra de Mary Shelley.

 

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Adaptado por inúmeras vezes entre curtas, médias e longas-metragem desde os primórdios do cinema (com sua primeira versão datada de 1910, um curta de apenas 16 minutos), e posteriormente popularizado amplamente pela Universal na década de 1930, em seu universo de monstros, Frankenstein, escrito por Mary Shelley, é certamente uma das obras literárias com mais versões para a sétima arte. Em meio a tantos filmes e sequências, filmadas e refilmadas ao longo das décadas, em uma trajetória muito similar aos filmes de Drácula, obra de Bram Stocker, em suas diversas fases específicas, é esperado que novos longas sob a mesma base tenham algo diferente, ou ao menos de novo, a propor.

 

Assim, pelas mãos de um cineasta autoral, as mais de duas horas e meia investidas por Guillermo Del Toro em seu Frankenstein, uma história já conhecida de cima a baixo, não se revelam em vão. Contada de maneira linear, mas apresentado dois pontos de vista distintos, é estabelecida, desde cedo, como uma antítese filosófica – entre criador e criatura, cientista e monstro, pai e filho.

 

Não à toa, a partir do momento em que Victor Frankenstein começa a contar a própria história, após um prólogo tomado por tensão, seu olhar, desde o princípio, direciona-se ao pai, um médico de renome, porém insensível, cruel e obcecado pelo próprio título de Barão. A partir do falecimento da mãe, durante a gravidez do irmão, acompanhamos e compreendemos a obsessão pela qual Victor é tomado em buscar vencer a morte, jurando tornar-se o exato contrário de quem foi seu pai.

 

Del Toro, a todo momento, não apenas se preocupa com os eventos da narrativa, mas explorar as razões por detrás deles, pela filosofia que existe e acompanha as atitudes tomadas por cada um dos personagens, e sobretudo, as consequências de seus pensamentos, que naturalmente os leva a tomar determinadas atitudes, na forma de um grande, e trágico, dominó.

 

Dentro do seio familiar, é plenamente possível enxergar uma dinâmica implícita de submissão a partir da câmera, em uma mise-en-scène que sempre coloca o protagonista, vivido por Oscar Isaac, acima do irmão mais novo, vivido por Felix Kammerer, financeiramente mais bem-sucedido, porém sempre renegado à sombra do mais velho pelo seu entorno.

 

E ao mesmo tempo em que estabelece dinâmicas de submissão social em relação ao irmão novo, a noiva deste, vivida por Mia Goth, a partir de um clima romântico, firma-se como um oposto ao protagonista, em interesses científicos pelas menores criaturas, e sobretudo pela vida, o que se manifesta, inclusive, a partir do figurino, exuberante e colorido, capaz de destaca-la entre as multidões de uma Inglaterra vitoriana acinzentada. É o contraponto que existe entre ambos, na batalha entre a razão e a emoção, a ciência e a arte, e na dificuldade em equilibrar as duas ideias ao protagonista, como pessoa.

 

Quando finalmente a criatura entra em cena, e já vastamente estabelecidas as razões para o experimento – e até para o responsável pelo seu financiamento, inclusive –, o grande dilema finalmente é firmado de vez: ao seguir uma obsessão de infância, quem Victor se tornou? Quais eram, ao fim, seus objetivos, ou o que ele realmente buscava ao se empenhar em vencer o ciclo da vida, esquivando-se da morte?

 

Enxergando a criatura como uma espécie de bebê de dois metros, completamente inerte em relação ao mundo em que vive, Del Toro faz de sua relação com Victor revelar muito do protagonista, e do caminho para o qual sua trajetória de obsessão o levou. Ao jurar vencer a morte, tornou-se precisamente uma figura tão vil e insensível quanto o próprio pai, repetindo os mesmos passos para com seu irmão, e posteriormente, também para com a criatura.

 

O ciclo que prova, no final das contas, não é o da vida ou da morte, mas o da violência inerte às relações familiares conturbadas e exigentes. Mais do que isso, acaba por somar-se também a própria violência do mundo real como um todo, do sangue derramado entre o reino animal, nas relações predatórias, que se estendem também ao próprio ser humano, em relações de poder criadas uns sob os outros, e quiçá através do próprio Estado por si só.

 

Não somente Del Toro acaba enxergando Victor Frankenstein como uma espécie de vilão para todos ao seu entorno, sacrificados em nome de uma obsessão, como também Oscar Isaac faz questão de reforçar tais elementos ao construir um personagem disfarçadamente autoritário, por meio de seu charme natural, e incapaz de enxergar o custo das próprias decisões, com um ego que, aos poucos, retira cada gota de sua humanidade.

 

Ao mesmo tempo, com uma espécie de poesia paradoxal, a criatura vivida por Jacob Elordi (visualmente encantadora, inclusive, em um excelente trabalho de maquiagem) apresenta justamente os atributos que faltam em Victor: a empatia, o olhar e preocupação para com o próximo, e sobretudo, a humanidade. Todo seu segmento de aprendizado cultural junto ao idoso cego constitui precisamente tudo o que nunca obteve do homem que o criou – na prática, seu pai –, refletida em um olhar melancólico de abandono e decepção com o mundo ao seu entorno.

 

E assim, em um senso de violência constante, física e emocional, na realidade que constrói, em seu épico deslumbre visual Guillermo Del Toro, com Frankenstein, demonstra que, para muito além de um aspecto físico, a monstruosidade está no coração e na personalidade, e não apenas, ou necessariamente, na aparência, do ser. A contradição que coloca sobre a mesa é a de que a obsessão de um ser humano em evitar a morte deu origem a um monstro imortal que não deseja viver. É sem sombra de dúvidas um filme que vai para muito além de sua beleza, mas adentra no verdadeiro paradoxo da obra de Mary Shelley, em um discurso muito real sobre a natureza humana.

 

Avaliação: 4.5/5

 

Frankenstein (Idem, 2025)

Direção: Guillermo Del Toro

Roteiro: Guillermo Del Toro, adaptado de Mary Shelley (livro)

Gênero: Thriller, Terror, Ficção Científica

Origem: EUA, México

Duração: 149 minutos (2h29)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: Victor Frankenstein, um cientista brilhante, porém egocêntrico, dá vida a uma criatura em um experimento monstruoso que acaba levando à ruína tanto do criador quanto de sua trágica criação.

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