49ª MOSTRA DE SP | Idílico, de Aaron Rookus (De Idylle, 2025)
- Henrique Debski

- 16 de out.
- 3 min de leitura
Com humor ácido, Idílico brinca sobre a vida e a morte, entre as surpresas da vida e os infortúnios do viver.

Uma das melhores partes da cobertura de festivais, e especialmente da Mostra de SP, é entrar para um filme despretensiosamente, como entrei para Idílico, do qual nunca tinha ouvido falar, em uma plena manhã de domingo, e se surpreender. Trata-se, neste caso, de uma comédia holandesa que coloca em perspectiva a temática da vida e da morte, da felicidade e da infelicidade, sob os prismas de diversos personagens, com diferentes idades e em diferentes circunstâncias, interligados por uma grande teia de relações.
Em alguns aspectos formais, a direção de Aaron Rookus eventualmente nutre certa inspiração do cinema de Paul Thomas Anderson (especialmente Magnólia), enquanto transita entre as vidas de seus personagens explorando as tragédias que os assola, e até mesmo os contrapondo com base nas próprias vivências e experiências que acumulam. Chega a ser curioso que, a certo ponto, uns olham para os outros como se desejassem trocar os infortúnios pelos quais passam, quase como se formasse, através disso, um círculo vicioso. Ao longo da projeção, porém, somos tomados pelas reviravoltas que residem na compreensão das dores de cada um - se em um primeiro momento acreditamos que determinada pessoa pode estar agindo ou pensando de maneira egoísta, logo a narrativa, ao explorá-la mais a fundo, nos oferece outro ponto de vista que nos faz repensar nessa ideia.
Em algumas oportunidades, também somos capazes de enxergar um pouco de Alfonso Cuarón, na minissérie Disclaimer (provavelmente uma coincidência, dadas as datas próximas de lançamento das produções), pela maneira como cada arco é tratado e representado perante uma câmera, que alterna sua forma de olhar e construir os personagens em tela, pela imagem, a depender do ponto acompanhado – com mais ou menos movimentações, e até nos próprios enquadramentos, que ora enaltece um (como Anika), e ora se compadece com outro (como Victor, sempre filmado em uma espécie de plano americano, ou ainda mais próximo).
Em meio ao acompanhamento desses personagens, conhecemos gerações de uma mesma família, em constantes crises de identidade e, notadamente, frutos da criação de um ambiente desestruturado, que se origina com a avó, passa para o pai, e leva a dois filhos bem-sucedidos profissionalmente, mas com sérias dificuldades para conhecerem a si e engatarem em seus relacionamentos, sobretudo amorosos.
Tudo isso se desenrola a partir de uma tonalidade de humor extremamente ácido, e por vezes igualmente mórbido, ao brincar explicitamente com as temáticas da vida e morte, entre a verossimilhança de determinadas situações até o aspecto absurdista de outras. Fato é que, na medida em que a narrativa se desenrola, somos levados a compreender um lado da obra que se apoia em elementos de fantasia, como forma de expandir esse escopo familiar milimetricamente orquestrado, e explorar, ainda mais, o interior de uma das personagens. À medida em que vamos compreendendo o que é fantasia e o que é realidade, nesse universo paralelo surrealista, alguns elementos aparentemente estranhos em um primeiro momento, especialmente inverossímeis, vêm à tona como forma de refletir medos e a própria imaginação de uma das pessoas que retrata, ao mesmo tempo que se aproveita da oportunidade para aumentar a quantidade de pessoas e situações aptas a serem retratadas diante da câmera, dentro do eixo temático que busca abordar.
É dessa maneira que Idílico, aos poucos, surge para o espectador como uma espécie de quebra-cabeças, com suas peças separadas suplicando para serem reunidas. Apesar de os principais arcos oferecerem conclusões relativamente concretas, sabiamente Aaron Rookus, o idealizador de todo o projeto, deixa no ar o significado de sua metáfora central, relacionada aos avestruzes, que vez ou outra aparecem em momentos-chave da obra. E ainda que se conclua de uma maneira muito interessante, provocando uma nova desconstrução aos protagonistas, a partir de uma relação passado-presente que pode mudar toda a percepção que manifestam de sua família desde o início do longa, em momento algum o cineasta pega em nossas mãos para explicar o que acontece – pelo contrário, nos força a “colocar a massa cinzenta para funcionar” (como dizia Poirot, personagem de Agatha Christie), e a compreender suas ideias a partir da interpretação, que inclusive pode nos levar a diferentes caminhos, se engrandecendo por meio do debate, crescendo cada vez mais a medida que se pensa a respeito, ou se conversa com as demais pessoas que estavam na sessão. Uma ótima surpresa desta edição da Mostra de SP!
Avaliação: 4/5
Idílico (De Idylle, 2025)
Direção: Aaron Rookus
Roteiro: Aaron Rookus
Gênero: Drama, Comédia
Origem: Países Baixos
Duração: 99 minutos (1h39)
49ª Mostra de São Paulo
Sinopse: Um drama tragicômico que acompanha diferentes gerações de uma família extensa em busca de algo quase impossível: a realização plena da vida. Uma tarefa que se revela praticamente impossível.





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