top of page

49ª MOSTRA DE SP | Lurker, de Alex Russell (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 23 de out.
  • 4 min de leitura

Entre o parasitismo social e a obsessão, Lurker começa muito bem, mas aos poucos passa a se contradizer.


ree

 

A temática das relações e dinâmicas de poder no mundo da arte, onde o dinheiro corre solto e grupos de pessoas se formam no entorno do artista, como interesseiros, já foram objeto de estudo de inúmeros filmes ao longo das décadas – a título de exemplo, a biografia Elvis, de Baz Luhrmann, traz figuras similares no Coronel Parker até outros que apenas circundam o biografado na base da fama e do puro interesse.

 

Nessa esteira, Lurker, em um primeiro momento, nos introduz ao protagonista, Matthew, vivido por Théodore Pellerin, como um jovem tímido, de poucos amigos, que encontra no artista em ascensão Oliver, na pele de Archie Madekwe, uma oportunidade de se enturmar e encontrar um sentido para si, enquanto apenas um jovem anônimo que trabalha em uma loja de roupas. Seu caráter ambicioso pode ser sentido desde a maneira como chama a atenção do astro, na primeira cena, mas apesar de acender um alerta, não sugere qualquer indício daquilo que virá em seguida.

 

Na residência do cantor, uma enorme quantidade de pessoas o cerca, comendo, bebendo e vivendo nitidamente às suas custas. A chegada do protagonista é encarada com certo desinteresse ou despreocupação por parte de uns, mas especialmente com receio quando uma dessas pessoas se sente ameaçada. Há uma compreensão da existência de jogos de poder naquele ambiente, baseada no medo de tornar-se “inútil” e ser dispensado do lugar – é como bem disseram ao protagonista em sua primeira ida à casa de Oliver: “se quiser ficar por aqui, faça-se útil e ajude”.

 

À medida em que se mantém na casa, e ganha a confiança do artista, as bases se invertem: se antes temiam que Matthew poderia retirar o lugar de alguém, agora era ele quem temia que outrem pudesse substituí-lo. Em uma virada repentina, Lurker passa de um drama básico sobre a subida ao topo e ganho da confiança de um astro como amigo próximo e conselheiro para uma espécie de Macbeth dos parasitas de milionários, ou mesmo uma versão mais pé no chão de um Ripley ou Saltburn da vida, nos bastidores da indústria musical.

 

A questão aqui é o que a direção de Alex Russell pretende verdadeiramente trabalhar com sua proposta. É como se houvesse dois projetos distintos, antes e depois dessa virada narrativa. Com essa inversão dos papéis, a personalidade do protagonista passa a assumir o viés de interesse do roteiro para construir determinadas situações, alternando com base em mera conveniência dramática, mais ou menos acentuada, e cada vez mais amarrando sua vítima (o cantor Oliver) a uma amizade que, no fundo, se torna uma grande obsessão de ambas as partes. Chega a um ponto tão absurdo, de uma guerra psicológica estabelecida tão intensa, que o próprio texto reconhece a violência física como uma solução possível – e até se utiliza dela, em um bom elemento de verossimilhança diante do contexto e das pessoas envolvidas.

 

É inegável que Russell apresenta algumas soluções formais interessantes para abordar essa transformação repentina – do uso da câmera documental, nos registros que Matthew faz de Oliver, e na própria maneira como se aproveita das músicas do artista, e da filmagem dos videoclipes, para impor as sensações que ele sente, sobretudo enquanto é manipulado pelo “amigo”, diretor dos vídeos e até o seu guia de carreira, fazendo as vezes de agente.

 

Mais do que isso, há uma contradição nos elementos que discute dentro essa relação que se forma que pode até enriquecer o debate, no reconhecimento dos parasitas, da diferença para amizade, e da coragem (quase sempre inexistente) em ser honesto com relação ao trabalho do artista. Mas os meios pelos quais o filme busca por trabalhar essas temáticas cria uma ambiguidade que pode seguir por caminhos problemáticos.

 

Isso porque, em uma vontade de provocar o espectador, e mais, de soar sarcástico, parece que Lurker se perde dentro da caricatura que pretende fazer, e entre o pé no chão e o thriller de obsessão, acaba por colocar Matthew em um pedestal. O problema não é o fazer, mas o como isso acaba por vir desprovido de um ar verdadeiramente irônico, e sim de uma certa admiração pelo personagem, sobretudo diante da maneira como é posicionado dentro das cenas, ainda que se faça uma ressalva sutil na cena final. Não há uma necessidade de soar moralista – e é melhor que não seja mesmo –, porém na base de suas inspirações, e buscando o trabalho com temáticas e discussões sérias, o desfecho que constrói não parece comportar uma coexistência de ambas. Saltburn, também provocativo, consegue o fazer até a reta final sem forçar com seriedade seus debates, por trabalhar o absurdo e o exuberante em sua projeção, mas Lurker, ao seguir por esta trilha, se enfraquece pela contradição e pela ausência de um estabelecimento melhor dessas ideias desde o princípio.

 

No fim, é algo que acaba contaminando quase todo o ato final, na medida em que os sentimentos se confundem, e até o espectador fica confuso sobre o que de fato está sendo dito pelo cineasta – que talvez nem mesmo o próprio elenco tenha compreendido, o que fica expresso nas feições confusas de Pellerin. E assim, Alex Russell desperdiça o potencial de Lurker ao jogar na contramão do próprio discurso, diante de sua ineficácia em soar sarcástico e, ao mesmo tempo, debater o parasitismo e a obsessão, contradizendo a si mesmo.

 

Avaliação: 2.5/5

 

Lurker (Idem, 2025)

Direção: Alex Russell

Roteiro: Alex Russell

Gênero: Drama, Thriller

Origem: EUA, Itália

Duração: 100 minutos (1h40)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: Quando um vendedor de 20 e poucos anos encontra uma estrela pop em ascensão, ele aproveita a oportunidade para se integrar ao seu grupo de amigos. Mas, à medida que os limites entre amizade e idolatria se esvaem a ponto de se tornarem irreconhecíveis, esse acesso e a proximidade se tornam uma questão de vida ou morte.

Comentários


© 2024 por Henrique Debski/Cineolhar - Criado com Wix.com

bottom of page