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49ª MOSTRA DE SP | Mirrors No. 3, de Christian Patzold (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 5 de nov.
  • 3 min de leitura

Christian Patzold, em Mirrors No. 3, explora o luto a partir de reflexos e projeções entre os personagens, numa fábula realista sobre a dor e o seguir adiante.


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A fila gigante na Cinemateca Brasileira que antecedia a sessão de Mirrors n. 3 foi uma enorme surpresa para quase todas as pessoas com quem conversei. Partindo de um pressuposto, talvez correto, de que Christian Patzold é um diretor um tanto nichado, bastante voltado ao interesse de uma parcela específica da comunidade cinéfila, foi interessante perceber que seu mais novo longa foi capaz de preencher, quase completamente, uma sala com aproximadamente seiscentos lugares. De certo, o fato de não d‘ele não ser tão conhecido do grande público brasileiro não deve ser considerado quando pensamos no público que mais frequenta um evento como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, um dos maiores festivais do país – e da América Latina. E ademais, o longa anterior do diretor, Afire, não só venceu o Urso de Ouro do Festival de Berlim de 2023, como também o prêmio do público na Mostra daquele ano.

 

Em seu mais novo projeto, Patzold parte de um aspecto um tanto fabular dentro de seu cinema, para, a partir de uma situação relativamente fantasiosa, embarcar em uma jornada de reflexos e espelhamentos em uma relação que se estabelece a partir do trauma e do luto.

 

É de uma consciência natural que compreendemos a plena noção de que parte das duas personagens principais, Laura e Betty, entenderem o que fazem uma à outra, e talvez o que representem. Ambas vivem uma situação de luto, cada qual a sua maneira, e buscam na aproximação após o acidente sofrido por Laura uma forma de refletir os próprios vazios, em sentidos e contextos completamente distintos.

 

Antes mesmo de o filme precisar revelar a aflição de Betty, o cineasta já deixa claros indícios de sua tragédia pessoal, sobretudo com a entrada de sua família junto à história. É no silêncio e nas trocas de olhares onde Petzold mais extrai a verdadeira emoção dos personagens, que tentam ignorar um elefante na sala enquanto fingem normalidade na medida em que convivem com Laura dentro da casa como se ela sempre estivesse ali.

 

Na mesma medida, ela também ignora (ou finge ignorar) o estranhamento de habitar alguns dias na casa de uma completa desconhecida, na medida em que se recupera, psicologicamente, do acidente que sofrera. No entanto, seu luto não guarda relação com o namorado falecido, mas com a própria vida. Suas caminhadas errantes por Berlim, no início do filme, ao som ambiente e com a câmera à distância, como se a desse espaço e privacidade, bem como a discussão travada durante a viagem ao interior com o parceiro deixam claro uma tristeza inevitável, e um sentimento de decepção em relação aos caminhos que trilhava, e que por alguma razão se sentia incapaz de mudar.

 

A situação fática que se constrói a partir desse encontro fortuito entre as personagens, e que posteriormente evolui nessa relação acaba por fazer com que ambas reflitam suas próprias dores uma na outra, e avancem numa oportunidade de tentar superá-las, sem perceber que talvez, por outro lado, apenas estejam se afundando em falsas sensações e experiências de um mundo de faz de conta – justamente, uma fábula.

 

Em uma forma estritamente específica de Patzold, há um elemento mínimo de fantasia imerso na densidade verossímil de Mirrors No. 3, na construção de um ambiente incômodo trabalhado essencialmente por todo um estranhamento nunca dito, mas sempre sentido entre o desconforto dos próprios personagens, que usam do olhar e do silêncio para expressar os verdadeiros sentimentos, enquanto lidam com uma ilusão construída por eles e embarcada até as últimas consequências, beirando o insustentável, que culmina, então, em um excelente estudo não apenas de personagens, mas de dinâmicas sociais e familiares.

 

Avaliação: 4/5

 

Mirrors N. 3 (Idem, 2025)

Direção: Christian Patzold

Roteiro: Christian Patzold

Gênero: Drama, Thriller

Origem: Alemanha

Duração: 86 minutos (1h26)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: Durante um fim de semana no campo, Laura, uma estudante de Berlim, sobrevive milagrosamente a um acidente de carro. Fisicamente ilesa, mas profundamente abalada, ela é acolhida por Betty, que testemunhou o acidente e cuida dela com carinho. Aos poucos, o marido e o filho de Betty superam a relutância inicial, e uma tranquilidade quase familiar se instala. Mas, logo, eles não conseguem mais ignorar o passado e Laura precisa enfrentar a sua própria vida.

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