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49ª MOSTRA DE SP | Morte e Vida Madalena, de Guto Parente (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 26 de nov.
  • 4 min de leitura

Por meio da metalinguagem, Guto Parente explora o luto em Morte e Vida Madalena, e encontra no cinema uma forma de terapia e homenagem.


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A arte, especialmente na forma do cinema, oferece uma vastidão de possibilidades para serem exploradas ao que quer que se tenha a dizer. Enquanto alguns se voltam ao registro da vida em sua realidade, a procurando a partir do documentário, por exemplo; outros buscam refúgio na ficção para a mesma finalidade, executada de outra maneira, ou mesmo para dar asas à criatividade a ideias completamente novas.

 

O cinema de Guto Parente, que já transitou entre muitos gêneros e estilos ao longo da vasta filmografia, sempre se sentiu confortável na fantasia, mas recentemente tem-se observado muito da metalinguagem como forma de levar suas ideias para o seio das relações familiares entre pais e filhos, tema sobre o qual tem demonstrado muito interesse. Se em Estranho Caminho, ainda com certo pé mais forte no terror, encarou a temática sob a estética do isolamento, do ar pandêmico, e de um “acerto de contas” entre um pai e um filho que há muito não se viam, através de uma atmosfera densa, e ao mesmo tempo levemente cômica, seu novo projeto, Morte e Vida Madalena, recicla parte dessas ideias, mantém a relação familiar, mas sob outro escopo, basicamente invertido.

 

Se antes a intenção era de reaproximação, agora o tema central reside no luto e na distância imposta pela morte, quando o pai da protagonista Madalena falece repentinamente, às vésperas da produção de um filme que ambos fariam juntos. O velório, na primeira cena, com o caixão posicionado ao palco, e a figura do pai sendo lembrada pela filha e demais amigos e colegas, pessoais e profissionais, estabelece a proximidade que havia entre os dois, e o desafio que ela enfrentará na superação dessa perda.

 

O filme a ser produzido dentro do filme também é outro desafio. Não apenas pela perda de um dos produtores, e idealizador do roteiro da obra – o que faz Madalena constantemente se lembrar e sentir a falta do pai –, mas também pelo completo descompasso existente entre a equipe de produção, e sobretudo os desentendimentos com o diretor, que além de uma pessoa difícil para trabalhar, desaparece misteriosamente. O caos no set de um faroeste de ficção científica de baixo orçamento cai por completo sob as mãos da protagonista, grávida, enlutada, e produtora, que não apenas precisa coordenar a todos, mas também decidir o que se fará com o projeto.

 

Essa rede de confusão milimetricamente arquitetada por Guto Parente serve como uma verdadeira provação à personagem principal, e mais, uma oportunidade de colocar em prática tudo o que aprendeu ao longo da vida com seu pai – e uma demonstração para si de que sabe o que fazer. A ansiedade fica muito clara desde o princípio enquanto nada parece dar certo, e vai se complicando a cada instante, enquanto com uma equipe à deriva sem alguém com pulso firme para seguir com o projeto, cujos dias e diárias passam rapidamente, se atrasando constantemente, e o dinheiro cada vez mais escasso.

 

E mais do que apenas a ansiedade de ter um set de filmagens para controlar, inteiramente depositado sob as próprias mãos, a fantasia, elemento já conhecido do cinema de Guto Parente, encontra espaço para trabalhar, em tela, os medos ocultos de Madalena. É no disparar acidental de uma arma de fogo carregada com balas de verdade em cena, ou duas pessoas em uma moto em alta velocidade – representante de um trauma passado – que compreendemos mais a fundo aquilo que incomoda e amedronta a protagonista, enquanto também conhecemos fragmentos de experiências passadas que tivera enquanto acompanhava o pai.

 

Mas para além de tudo isso, trata-se, para ela, de um projeto estritamente pessoal, com o qual não se arrisca em hipótese alguma a falhar, em memória ao próprio pai. De uma produtora gravida e desesperada com toneladas de coisas à mente para resolver a todo instante, aos poucos o longa, tanto da personagem quanto o de Guto Parente (ao contrário dela, nunca perdido), seguem seus rumos das melhores formas possíveis. A construção dessa Madalena pelo roteiro é tão eficaz, e ela se encaixa tão bem na pele de Noá Bonoba, que, a partir de certo ponto, nos pegamos envolvidos, torcendo pela personagem, e pelo sucesso do filme dentro do filme.

 

Assim, a metalinguagem, ainda mais que na obra anterior do cineasta, é aproveitada em Morte e Vida Madalena como forma de superação de um estado de luto. Ainda além, é de um aspecto poético fabuloso, não apenas pela maneira como o título reflete os momentos da narrativa, e a volta que a protagonista dá ao longo das filmagens de seu projeto, como as próprias escolhas visuais do diretor também são capazes de imprimir na imagem, sempre com uma generosa dose de bom humor, os sentimentos de Madalena, de forma a possibilitar ao público uma compreensão (e imersão) naquele universo, que culmina em um ciclo de aceitação da realidade, onde o “fazer cinema” se encontra como forma de terapia e meio para uma homenagem. Inclusive, o filme termina com chave de ouro ao mostrar cenas do making-off entre os créditos finais, reforçando sua proposta, e o amor pelo cinema que exala de forma apaixonada a todo instante.

 

Avaliação: 4/5

 

Morte e Vida Madalena (Idem, 2025)

Direção: Guto Parente

Roteiro: Guto Parente

Gênero: Comédia, Drama

Origem: Brasil

Duração: 85 minutos (1h25)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: Madalena é uma produtora de cinema tendo que lidar com a morte recente do pai, sua gravidez de 8 meses e a produção de uma ficção científica B onde tudo parece dar errado.

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