49ª MOSTRA DE SP | O Som da Queda, de Mascha Schilinski (In Die Sonne Schauen, 2025)
- Henrique Debski

- 25 de out.
- 4 min de leitura
Com uma atmosfera densa e depressiva, O Som da Queda nos imerge através da dor e explora a violência sofrida por mulheres de diferentes gerações de uma mesma família, em um ciclo interminável que perdura através do tempo.

Desde seus primeiros instantes, a atmosfera de Sound of Falling é perturbadora. A partir de um corredor vazio, em uma casa rural, em uma Alemanha perdida em algum momento do século XX, vemos uma garota, aparentemente sem uma perna, andando com o uso de muletas. Após algum tempo, percebemos que apenas ensaia e imagina a dor de não ter uma das pernas, quando amarrada, dobrada, desfaz o laço, a coloca no chão, e devolve as muletas ao seu verdadeiro dono, um homem doente, em uma cama. É o melhor reflexo encontrado pela diretora Mascha Schilinski de nos representar perante sua obra. Talvez seja impossível para muitos de nós compreender verdadeiramente as dores pelas quais passam suas personagens ao longo da narrativa, mas demonstra que, claramente, podemos nos esforçar para tentar nos colocar em seus lugares.
A sucessão deste momento, no qual, no decorrer da cena, apenas se ouve os gritos pedindo por ajuda no andar de baixo da casa, é de crianças correndo. Entendemos que se trata de uma digressão, em um momento passado. Essas crianças correndo, e pregando uma peça em uma das criadas, seja talvez o único (ou último) momento feliz de todo o filme, que nos levará para atravessar décadas de uma mesma família, em suas diferentes gerações, sofrendo um ciclo constante de violências diversas, em suas mais diferentes formas, a partir do olhar das mulheres.
Falamos em uma Europa, e especialmente um país, que passa por momentos difíceis ao longo de um século. Crises econômicas, epidemias, duas guerras mundiais, e especialmente, uma grande divisão, reflexo da polarização sobre a qual se encontrava o mundo naquele tempo, sobretudo a Europa – Alemanha Ocidental e Oriental. Os impactos de cada desgraça encontram reflexos ao longo da narrativa pela convivência familiar, nos traumas gerados por anos, e pela visão das personagens femininas, questiona, a todo tempo, o sentido e a razão de suas vidas.
O fato de não existir propriamente uma linearidade pode tornar tudo, eventualmente, mais confuso e até complicado do que naturalmente já o é. Trata-se de quatro linhas do tempo distintas, que encontram relações entre seus momentos, mas com dezenas de personagens em cada, mudando repentinamente ao longo da projeção, e focando, pouco a pouco, em cada uma de suas protagonistas. Naturalmente, há um maior interesse de Schilinski na primeira linha, possivelmente no período da Primeira Grande Guerra. É, na verdade, a base para todos os eventos que se sucedem a partir dali, depositando, a maior parte de seu tempo, ao olhar de uma criança, Alma, tentando compreender o mundo a sua volta, entre uma irmã doente, um irmão sem uma perna, e lidando constantemente com a morte ao seu redor, de maneira banal enquanto recorrente.
A rispidez dessas relações familiares, entre pais presentes, porém pouco pacientes e muito distantes das filhas, e a criação de fato pelas irmãs ou família extensa moldam uma visão sobre uma realidade densa, presenciando formas de violência física e sexual sem precisamente absorver de fato aquilo que vê.
É algo que posteriormente se estende também as demais gerações dessa família, reflexos trágicos de mulheres subjugadas e constantemente violentadas dentro do próprio seio familiar – seja por um tio, ou pelo sentimento de uma vida cada vez mais vazia diante de uma realidade não apenas conservadora, mas que as renega, as vezes sem nem perceber.
Esse sentimento, que se aproxima de uma verdadeira prisão, é impresso pela direção ao filmar os corredores estreitos daquela casa, sobretudo nas primeiras gerações, ou com a câmera sempre muito próxima das personagens, as enxergando em seus momentos mais difíceis e vulneráveis, com uma razão de aspecto que valoriza a altura, porém enclausurada pelo comprimento. Ao mesmo tempo, nas gerações mais recentes, mesmo que com mais espaço, muitos momentos fora da casa, e uma fotografia com mais luz, revelando outros tempos, a prisão se encontra (ainda mais) dentro da própria família, que as vezes parece incapaz de enxergar os pensamentos e reações das personagens. Nesse sentido, o som ambiente torna aqueles cenários mais pesados, no silêncio ensurdecedor da ausência de comunicação, e daquilo que todos veem, mas não parecem verdadeiramente enxergar. É como um verdadeiro filme de terror, onde o monstro não é o desconhecido, mas aquele que mais se encontra perto das vítimas, despercebido por aqueles ao redor, físico e mentalmente concentrado nas mentes e nos olhares apenas daqueles envolvidos nessa relação, sendo suficiente trabalha-la sem apelar à violência gráfica ou explicita – dói muito mais saber que tudo isso está escondido nas entrelinhas.
E assim, o ar deprimente de O Som da Queda perdura ao longo de toda sua duração. Ainda que por vezes se torne um tanto cansativo, e talvez até confuso pelo excesso de histórias e personagens que se entrelaçam, se arrastando por algum tempo, é um filme do qual dificilmente saímos inertes. Pelo contrário, é sobre sentirmos a dor no peito de suas personagens, o sufoco de viver naquela casa carregada de violência e histórias de mulheres reprimidas e privadas de escolhas verdadeiras, como uma herança maldita, questionando o sentido das próprias vidas, e tudo que lhes acontece ao redor, em um ciclo de mortes e horror que atravessa gerações e décadas de um mundo que se julga, em tese, mais progressista, porém disfarça suas violências de outras maneiras, e sob outros enfoques. É angustiante pela verossimilhança, pelo retrato que oferece, sem cair em excessos. É, no fim, o terror da realidade, que acontece, mas poucos veem.
Avaliação: 4/5
O Som da Queda (In Die Sonne Schauen, 2025)
Direção: Mascha Schilinski
Roteiro: Mascha Schilinski e Louise Peter
Gênero: Drama, Thriller
Origem: Alemanha
Duração: 149 minutos (2h29)
49ª Mostra de São Paulo
Sinopse: Quatro meninas, Alma, Erika, Angelika e Lenka, passam a juventude na mesma fazenda, no norte da Alemanha. À medida que a casa se transforma ao longo de um século, os ecos do passado permanecem ali, nas paredes. Embora separadas pelo tempo, suas vidas começam a refletir umas nas outras.





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