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49ª MOSTRA DE SP | Ruas da Glória, de Felipe Sholl (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 28 de out.
  • 4 min de leitura

Ruas da Glória propõe um olhar voltado à marginalização de uma comunidade, sem perceber que seu retrato apenas fortalece a posição que busca criticar.


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Os primeiros minutos de Ruas da Glória realmente pareciam muito promissores. Com a câmera voltada para o lado de fora da janela de um carro, acompanhamos a chegada do protagonista à cidade do Rio de Janeiro. Somos colocados em seu lugar, assistindo à paisagem urbana daquele local único, da nova realidade que passará a viver e a frequentar – lugar novo, novos rostos, amizades, relações. Uma nova vida, e uma nova pessoa.

 

Todo esse sentimento se confirma a partir do estabelecimento do peso nas costas de Gabriel, vivido por Caio Macedo, que deixou o Recife após a morte da avó – a única pessoa da família por quem nutria verdadeiro carinho, e sentia tal reciprocidade – e, longe do sufoco de seu pai, “fugiu” para o Rio em um ato de libertação sexual, de ser quem verdadeiramente é sem precisar esconder.

 

Suas caminhadas conhecendo o entorno dessa nova casa – o bairro da Glória – oferecem uma sensação de liberdade enquanto a direção de Felipe Sholl o filma andando com um ar de leveza e tranquilidade. Em sua primeira noite frequentando o mais badalado bar local, já se encontra com uma paixão ardente – Adriano, na pele de Alejandro Claveaux, um estrangeiro excêntrico.

 

Até certo ponto, a visceralidade desse relacionamento que se estabelece, a partir de cenas eróticas intensas, até violentas na força empregada pelos personagens ao ato em si, apesar ainda do calor conferido pela direção ao filmá-los suando enquanto se satisfazem, já nos faz pensar nas problemáticas que virão em seguida, quando aquela paixão ardente de início de relacionamento passar, e começarem a criar juntos uma espécie de rotina não saudável.

 

Nesse sentido, Gabriel, um professor de português e literatura, é levado diretamente a uma realidade completamente oposta à sua, ao deparar-se com o mundo dos profissionais do sexo, marginalizados às ruas, e sujeitos a todas as formas de violências possíveis.

 

Quando, porém, o “ficante” Adriano desaparece sem deixar rastros, uma mudança de ares parece fazer com que Ruas da Glória siga por caminhos mais intimistas, na forma de explorar, mais a fundo, seu protagonista. O clima relativamente noire que passa a tomar conta de uma investigação pessoal de Gabriel, interessante formalmente pela maneira como subverte o “subgênero” e retrabalha seus arquétipos típicos, soa como a procura por algo ou alguém que tanto não quer como não deve ser encontrado, em uma espiral que, ao invés de trabalhar superação, porém, exala pelas vias da dependência emocional e um adentrar, ainda mais complicado, a uma realidade perversa e nada agradável, como pode-se imaginar.

 

O problema é que o filme, ao invés de abraçar a possibilidade que se encontra diante de si para explorar com mais profundidade o personagem, prefere voltar sua atenção muito mais à manutenção desse relacionamento tóxico e das feridas dele advindas do que efetivamente abordar com profundidade o luto e o autoconhecimento. Assim, o reencontro com Adriano retoma uma série de violências que se tornam cada vez mais constantes. O que antes Sholl filmava como prazer, especialmente o sexo, agora o faz como uma espécie de tortura, e uma droga, inerente aos personagens, e especialmente Gabriel.

 

Mas nunca consegue ir para além dessa imagem, porém. Com um rico panorama por detrás do protagonista, na mesma medida em que propõe explorar esse universo marginalizado o diretor acaba surtindo o efeito contrário ao romantizá-lo. Não se trata de uma história de amor, ou de um cenário excêntrico como acaba por retratá-lo, mas de um ambiente desgastante físico e sobretudo, emocionalmente, como muito se fala, mas de forma contrária, se filma.

 

Talvez ao colocar muitos elementos e histórias sobre a mesa, a fim de tentar compreender melhor seus personagens, o roteiro de Felipe Sholl se atrapalha em situar precisamente o foco que pretende adotar, dissolvendo suas ideias ao longo da projeção, enquanto se mostra muito mais interessado em explorar, com certa curiosidade, a prática e os atos sexuais, e esse olhar trágico à prostituição, da mesma maneira para a qual se olha animais enjaulados em um jardim zoológico.

 

Assim, Ruas da Glória perde seu sentido. Enquanto no terço inicial, e no papel, propõe dar voz a uma comunidade e a um ambiente marginalizado, dos profissionais do sexo masculinos e da própria comunidade queer, aos poucos parece apenas contribuir à esse fenômeno de escanteio social pela maneira como sempre fica pela superfície, olhando com mais pena e curiosidade do que realmente procurando por sentimentos. E nisso, é uma pena que se desperdiça um personagem inicialmente tão interessante como Gabriel, com tanto potencial para ir além do óbvio dentro do cinema LGBTQUIAPN+, e sobretudo uma atuação tão delicada por parte de Caio Macedo, justamente a alma do filme, em um excelente exercício de versatilidade em relação a seu outro personagem no ano, na comédia de terror O Prédio Vazio, de Rodrigo Aragão; e mesmo o também excelente trabalho de Alejandro Claveaux, com um personagem básico demais. Pelo eixo temático, havia uma possibilidade de buscar um retrato fidedigno do cenário pelo qual se debruça, o que, infelizmente, nunca acontece, traçando-se, na verdade, o caminho contrário.

 

Avaliação: 2/5

 

Ruas da Glória (Idem, 2025)

Direção: Felipe Sholl

Roteiro: Felipe Sholl

Gênero: Drama, Thriller, Romance

Origem: Brasil, França, Argentina

Duração: 103 minutos (1h43)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: Gabriel cresceu no Recife, criado pela avó, depois que a mãe morreu e seu pai o abandonou. Quando sua avó morre e o pai herda tudo, ele decide largar Recife e ir para o Rio de Janeiro. Assim que chega na cidade, ele se apaixona perdidamente por Adriano, um misterioso garoto de programa uruguaio. Mas quando Adriano some, Gabriel começa uma jornada de investigação que o faz adentrar cada vez mais no mundo dos garotos de programa e da vida noturna das ruas da Glória.

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