49ª MOSTRA DE SP | Sirât, de Oliver Laxe (Idem, 2025)
- Henrique Debski

- 17 de out.
- 4 min de leitura
Em Sirât, Oliver Laxe nos leva uma experiência sensorial e antropológica, rumo a uma desgastante jornada que questiona o valor das escolhas e suas consequências.

Desde as primeiras reações sobre Sirât em sua estreia no Festival de Cannes, em maio deste ano, o novo longa de Oliver Laxe já tinha minha completa atenção. Muito cuidadoso em relação à dica de amigos que me recomendaram assistir ao filme com o mínimo de informações possíveis – como sempre costumo fazer, naturalmente -, me esforcei ao máximo para durante os últimos meses me esquivar de quaisquer spoilers ou meros detalhes da trama.
A verdade é que toda expectativa valeu a pena, pois qualquer informação que tinha acerca do filme antes de assisti-lo se revelou em vão diante daquilo que efetivamente vi se concretizando diante da tela, em algo completamente inesperado. Acima de tudo, Sirât é uma experiência cinematográfica na qual Laxe se diverte ao colocar o espectador para “brincar” com antropologia frente do cenário que propõe.
Considerando que boa parte dos espectadores provavelmente não tem o costume de frequentar raves no deserto, o cineasta, a partir do protagonista Luis, vivido por Sergi López, nos insere naquele local sem muitas informações. Nos primeiros instantes, perpassa, com sua câmera, pelo ambiente da rave no deserto marroquino, e filma os personagens que integrarão a narrativa aproveitando o momento e delirando com a música alta, junto dos movimentos de seus corpos – cada um na sua, sem se comunicar com ninguém, senão com apenas a si mesmo.
Momentos depois, nos apresenta o protagonista, Luis, um espanhol que, junto do filho e seu cachorro, viaja pelo Marrocos em busca de sua filha, desaparecida, cuja última informação que obteve é a de que poderia estar em uma rave naquele local. Não demora muito a percebermos, de fato, que esse desaparecimento não é criminoso, mas intencionalmente sem deixar rastros, com o intuito de não ser encontrada. O semblante do pai é suficiente também para subentendermos uma relação fragilizada, motivada por razões que não conhecemos – e que, verdadeiramente, também não nos interessam de fato.
Tanto não parece algo importante a compreensão do passado que em momento algum o longa busca se debruçar pelos fatos. Ao contrário, em um ambiente de introversão, que a sua própria maneira tanto Luis quanto os demais personagens manifestam muito claramente, o que temos é, na verdade, uma jornada pelo presente, e por uma reparação do passado cada vez mais distante de acontecer.
Muito acaba se esclarecendo ao longo da jornada a partir do que não é dito. A relação do pai com o filho, por exemplo, quase sem diálogos, baseada puramente em gestos e nas necessidades básicas, explora ecos de uma convivência familiar igualmente silenciosa, senão talvez até caótica. O distanciamento, manifestado pela mise-en-scène, também a todo tempo fica em destaque, quando mesmo apertados, espremidos dentro do carro, pouco se encostam ou demonstram gestos de afeição.
E enquanto Luis procura pela filha desparecida, as demais pessoas na rave com quem segue adiante no trajeto – não-atores, utilizando seus próprios nomes para os personagens –, seguindo em direção a outras festas, acabam por representar justamente a razão para toda a busca feita pelo personagem. Ao som da música eletrônica, sob o efeito de drogas e abaixo de um sol escaldante do deserto, todos evidentemente procuram por si, e muitos fogem dos próprios destinos se refugiando em caravanas, alimentando-se do prazer para mascarar, ou mesmo esquecer, das angústias das vidas que levam, ou levavam antes de chegarem até aquele ponto, em uma espécie de ciclo interminável.
Ao longo da projeção, então, enquanto filma aquele ambiente com um misto de curiosidade no olhar, até com certa fascinação antropológica, logo Laxe segue da exploração da miséria pessoal dos personagens em uma verdadeira provação que eles têm de passar, a partir do choque, que atinge, inevitavelmente, também, o espectador. Não são medidas calculadas e nem tampouco esperadas ou previsíveis, mas incidentes relativamente naturais que os testam, sobretudo psicologicamente.
A trilha incessante e provocativa não para nem mesmo diante da tragédia, e soma-se no fator incômodo enquanto torna-se, na verdade, uma forma de sarcasmo dentro da narrativa, ao transformar-se de um escapismo em memórias dolorosas em um curto espaço de tempo.
Ao final, até pode parecer que Sirât é um filme que não leva a nada, e talvez até seja, para quem espera a solução para o mistério que propõe nos instantes iniciais – que nem é exatamente um mistério, e cuja resposta, na verdade, fica bastante clara desde o princípio. É, na verdade, uma experiência trágica e antropológica, na medida em que nos solta em meio a um ambiente desconhecido pela maior parte do público, e caminha junto aos personagens em uma jornada de consequências devastadoras, em que a cada passo dado para frente os leva, na verdade, cada vez mais em direção a uma escuridão penetrante. Além de nos provocar a partir de seus conceitos, deixa reflexões: até onde a tentativa de consertar o passado vale a pena? E qual o custo de nossas escolhas, quando buscamos por algo que evidentemente não quer, ou não deve, ser encontrado? É acima de tudo uma experiência sensorial, e extremamente pessoal, que materializa nos acontecimentos uma manifestação do destino, que deixa uma reflexão sobre escolhas.
Avaliação: 4.5/5
Sirât (Idem, 2025)
Direção: Oliver Laxe
Roteiro: Oliver Laxe e Santiago Fillol
Gênero: Drama, Thriller
Origem: Espanha, França
Duração: 115 minutos (1h55)
49ª Mostra de São Paulo
Sinopse: Pai e filho chegam a uma rave nas montanhas do sul do Marrocos. Ambos estão em busca de Mar — filha e irmã —, que desapareceu meses antes em uma dessas festas intermináveis. Cercados por música eletrônica e por uma sensação crua e desconhecida de liberdade, a esperança vai se apagando, mas os dois persistem e seguem um grupo de frequentadores rumo a uma última festa no deserto, em uma jornada que testa seus próprios limites.





Comentários