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49ª MOSTRA DE SP | À Paisana, de Carmen Emmi (Plainclothes, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 24 de out.
  • 3 min de leitura

À Paisana, durante boa parte do tempo, evita estereótipos em uma narrativa sensível de culpa, sobre o descobrimento da própria sexualidade nos difíceis anos 90.


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Ao longo da projeção, o que mais pensei a respeito de Plainclothes é o como a obra exala, em corpo e alma, um espírito típico do Festival de Sundance, um dos primeiros a acontecer no ano, e dos principais quando o assunto é o cinema independente norte-americano – não só estreou no festival, como também recebeu uma menção especial do júri, para o elenco. Essa associação não é, de maneira alguma, algo negativo, mas releva uma marca de curadoria e estilo, tanto da obra quanto do próprio festival, como um longa de primeira direção, introspectivo, esteticamente econômico, porém formalmente inspirado a buscar, no trabalho da imagem, e através da montagem, uma sensação acachapante ao espectador.

 

De início, não compreendemos exatamente quem seria nosso protagonista, enquanto pessoa, nem muito menos seu objetivo, sentado na praça de alimentação de um shopping, limpo e movimentado, flertando com outros homens, e de tempos em tempos, se direcionando ao banheiro. Não demora muito para compreendermos ser um policial disfarçado, isca de uma armadilha para prender “sex offenders” – nesse caso, homens gays que se conhecem naquele ambiente casualmente e aproveitam do banheiro público para se relacionar de maneiras intimas.

 

Em um ambiente como os Estados Unidos do início dos anos 1990, com a “epidemia do vírus HIV” e a homofobia tomando formas cada vez maiores e grotescas, a direção de Carmen Emmi nos oferece um mergulho imersivo em uma mente atormentada. Entre a cruz e a espada, questionado a moralidade e até a legalidade do próprio trabalho, o protagonista Lucas revela-se em meio a um grande impasse na própria vida: adequar-se aos padrões de uma sociedade preconceituosa e opressora, ou dar asas à própria felicidade, e mais, a própria identidade.

 

A partir de um desses encontros no banheiro do shopping, sem conseguir realizar a prisão, Lucas faz precisamente o contrário: decide mergulhar em um relacionamento passageiro e “clandestino” (para ambas as partes). Através da montagem que intercala momentos duas linhas do tempo distintas, acompanhamos o equilibrar de Lucas em um intervalo de aproximadamente seis a oito meses de sua vida, antes e depois de suas experiências sexuais.

 

Essa crise de consciência se materializa em tela a partir da montagem, que sobrepõe o momento vivido pelo personagem à experiências e sensações passadas, de exercícios da academia de polícia, ao estresse do momento, a partir do intensificar de um filtro VHS, que indica a relação entre o passado e a ansiedade. Lentamente o acompanhamos duvidando das tarefas pelas quais é designado enquanto policial, na mesma medida em que lida com o falecimento do pai e a relação amorosa que estabelece com um homem que descobre ser casado e, mais, um pai de família.

 

Torna-se um drama ancorado na desconstrução de máscaras sociais de um momento em que ser homossexual levava à ainda mais violência do que hoje em dia – e o pior, era algo pouco discutido, e visto como uma espécie de vergonha. Nesse sentido, há toda uma construção de elementos narrativos que levam à possibilidade de explosão de uma grande bomba de pressão nas mãos do protagonista, a qual a atuação de Tom Blyth equilibra e lida com muita verossimilhança e cuidado para não recair em extremos ou estereótipos.

 

O problema é que esse cuidado e esforço do ator se esvai por conta do roteiro assinado por Emmi, que na reta final escanteia, de certa maneira, a sensibilidade para um desfecho não apenas explosivo, como também um tanto óbvio ao próprio cinema LGBTQIA+, na forma justamente dos estereótipos (de familiares homofóbicos) que se busca combater, em uma discussão, dentro da obra, que pode recair em elementos contraditórios e problemáticos em relação ao próprio discurso construído.

 

Esse desfecho “absurdo”, de certa maneira, não retira os méritos de À Paisana enquanto um drama genuinamente intimista e de boas escolhas formais, mas reduz consideravelmente seu impacto ao se desvirtuar de uma linha que pregava pela desconstrução, quando justamente abraça os estereótipos e situações “genéricas” que durante tanto tempo consegue evitar.

 

Avaliação: 3/5

 

À Paisana (Plainclothes, 2025)

Direção: Carmen Emmi

Roteiro: Carmen Emmi

Gênero: Drama, Romance, Thriller

Origem: EUA

Duração: 97 minutos (1h37)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: Nos EUA dos anos 1990, um policial infiltrado recebe a missão de atrair e prender homens gays em flagrantes forjados em um banheiro de shopping. No entanto, ele se surpreende ao descobrir uma conexão intensa com um de seus alvos. À medida que esse vínculo secreto se aprofunda e a pressão interna por prisões aumenta, ele se vê dividido entre o dever e o desejo.

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