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49ª MOSTRA DE SP | Águias da República, de Tarik Saleh (Eagles of the Republic, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 19 de nov.
  • 4 min de leitura

Em Águias da República, Tarik Saleh usa da metalinguagem para explorar o uso do cinema como propaganda, em um Egito autocrático e religioso.


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Ainda que nascido em Estocolmo, na Suécia, toda a filmografia autoral do cineasta Tarik Saleh direciona o olhar do espectador ao Egito, país natal de seu pai, e com o qual guarda evidente carinho, apesar do regime fascista, e especialmente seu conservadorismo religioso, dos quais não poupa esforços, e palavras, para criticar, agora na terceira parte de sua “trilogia do Cairo”.

 

Ao lado de The Nile Hilton Incident (2018) e Garoto dos Céus (2022), Águias da República explora, através da metalinguagem, o poder do cinema – e consequentemente da imagem – como forma de propaganda política, e seu uso como arma por regimes totalitários. Logo os créditos iniciais do longa já deixam evidente a intenção de seu eixo temático, ao colocar os nomes do elenco e equipe sobre paredes e muros nos quais se encontram pintadas propagandas do governo egípcio, de diversas épocas diferentes, e retratando inúmeras figuras, cenas e imagens.

 

Quando apresentado o protagonista George Fahmy, um grande, senão o maior astro do cinema egípcio, vivido com excelência pelo libanês Fares Fares, é facilmente intuitivo imaginar os próximos passos a serem tomados pela narrativa. Em um momento de fama e dinheiro, é abordado por homens ligados ao governo, que o escolhem para interpretar o presidente Al Sisi em uma cinebiografia. A recusa inicial do personagem é logo vista como um ato antipatriótico, tornando-se uma espécie de “persona non grata” na indústria do país, que sofre constantemente com as mãos do Estado e a censura.

 

A necessidade de demonstrar-se patriota, e retomar o próprio sucesso, após as ameaças a si e sua família, e sanções sofridas, levam Fahmy a aceitar o papel, e envolver-se em uma propaganda política na forma de cinebiografia “chapa branca”, que distorce fatos históricos em prol da exaltação de uma personalidade muito mais violenta e vil do que a retratada no projeto cinematográfico.

 

Ao passo que Saleh expõe os desafios de se pisar em ovos na produção de um filme com a mão de um Estado autoritário sobre a todo momento – das filmagens à própria interpretação do elenco e mise-en-scene, interferindo diretamente no trabalho do diretor –, também aproveita a oportunidade para alfinetar o formato da cinebiografia, satirizando as falsas informações e até mesmo o exagero no retrato da figura protagonista, explorada, no filme dentro do filme, de maneira muito mais grandiosa e imponente do que o verdadeiro presidente Al Sisi, um sujeito de baixa estatura e de aparência inofensiva, apesar da posição de poder que assume.

 

É como um projeto de múltiplas intenções ao Estado retratado pelo filme, de entregar ao povo uma peça de propaganda exaltando um presidente decadente, protagonizado pelo maior ator do país, em uma clássica manobra de controle de massas, ao mesmo tempo que exportaria para fora a imagem de um Egito forte e unido com um presidente tirano.

 

Acontece que toda a vida, pública e privada, de Fahmy se descontrói a contragosto durante o projeto, de uma rotina liberal e de promiscuidade, como muito bem se estabelece nos instantes iniciais, para tornar-se o verdadeiro garoto propaganda de um regime corrupto e autocrático, contrário a toda sua filosofia pessoal.

 

Essa mão estatal se faz cada vez mais presente enclausurando o personagem, como bem trabalha a direção de Saleh, a partir dos representantes do governo sempre à espreita, os jantares políticos, e o jeito galanteador do protagonista que, aos poucos, o leva à tentações e caminhos perigosos ao envolver-se com a esposa de um dos líderes governistas. As dinâmicas de poder construídas em tela oferecem verdadeiras provocações ao espectador, na medida em que o diretor estuda e constrói cada plano cuidadosamente, ao sempre reforçar o fato de Fahmy ser apenas um peão em um jogo muito maior do que ele.

 

E assim, ainda que Saleh eventualmente peque pelo excesso de subtramas, e um considerável excesso de personagens, que acabam por inflar o longa para além do necessário, Águias da República oferece satisfatórias surpresas e reviravoltas ao longo da infeliz jornada de seu protagonista em um universo político sujo, que contraria os próprios princípios,  e consegue, a partir disso, de maneira eficaz, debater o papel do cinema na construção e reforço de Estados totalitários, ao mesmo tempo que explora um Egito que, em sua atual forma, conservadora e corrupta, adquirindo para si o verdadeiro “toque de Midas reverso”, destruindo tudo o que encosta, em um país sem liberdade. É o retrato de um cineasta apaixonado por suas origens familiares e dependências, que sonha em, talvez, ver seu país livre das mãos da tirania.

 

Avaliação: 4/5

 

Águias da República (Eagles of the Republic, 2025)

Direção: Tarik Saleh

Roteiro: Tarik Saleh

Gênero: Drama, Thriller, Comédia

Origem: Suécia, França, Dinamarca, Finlândia, Alemanha

Duração: 129 minutos (2h09)

49ª Mostra de São Paulo

 

Sinopse: George Fahmy, o ator mais adorado do Egito, é forçado a aceitar um papel em um filme encomendado pelas mais altas autoridades do país. Ele se vê mergulhado no círculo restrito do poder e, como uma mariposa atraída pela luz, inicia um caso com a misteriosa esposa do general que supervisiona a produção.

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