CRÍTICA | Thunderbolts*, de Jake Schreier (Idem, 2025)
- Henrique Debski

- 2 de mai.
- 4 min de leitura
Ao contrário dos últimos lançamentos do MCU, Thunderbolts* se preocupa com o presente, em uma ótima metáfora para debater a depressão dentro do universo de heróis.

Acho que desde Guardiões da Galáxia – Vol. 3 eu não saia tão satisfeito do cinema com um filme da Marvel quanto saí hoje depois de assistir a Thunderbolts*. Ainda que eu tenha me divertido com As Marvels, esses filmes engessados e hiper controlados pelo estúdio, repletos de piadas autorreferentes fingindo uma autoconsciência, como Deadpool & Wolverine, ou a plena descartabilidade de uma narrativa que só serve para alavancar elementos de um universo, como Capitão América: Admirável Mundo Novo, me fizeram perder boa parte do interesse pelos filmes do MCU, que se tornaram sempre uma eterna preparação para algo futuro.
Justamente em um projeto do qual ninguém esperava nada, talvez até secundário aos olhos dos executivos, que quase de última hora decidiram aumentar a divulgação, Thunderbolts* se sai bem justamente por escapar dessa fórmula sem sal e do marasmo da previsibilidade dos filmes anteriores, em prol da construção de algo mais livre, quase um “road movie” dos anti-heróis esquecidos e rejeitados pelo próprio universo.
Na contramão desses filmes quase descartáveis que só existem para acrescentar elementos ao universo e alavanca-lo em direção ao futuro (como foi a descoberta do adamantium em Admirável Mundo Novo, por exemplo, que possibilita a melhor integração com o antigo universo da FOX), Thunderbolts* até mira para frente, mas demora a atirar. Sua preocupação é justamente com o presente, e sobretudo com seus personagens.
Malvistos pela realidade que os cercam, muitos tidos como vilões em momentos passados, e hoje escanteados, todos os integrantes do grupo protagonista compartilham de características muito semelhantes, de infâncias conturbadas, famílias desestruturadas, experimentos médicos sucessivos e desgastantes, estresse pós-traumático, e, sobretudo, o cansaço de serem apenas vistos como máquinas de matar, sem a oportunidade de oferecerem mais ao mundo que não só rastros de sangue e destruição.
A partir desse contexto, com a reunião dos anti-heróis e a consciência conjunta daquilo para o que são usados, o longa passa a se debruçar sobre as fragilidades da equipe, e aos próprios sentimentos de cada um em relação às próprias vidas que levam, dentro de suas tragédias pessoais. Ainda que uns tenham mais destaque do que outros dentro dessa história que, em tese, deveria visar mais uma experiência coletiva do que individual (e também considerando que a Fantasma é completamente esquecida, ainda que já tenha tido algum destaque sobre sua vida em Homem-Formiga e a Vespa), a reunião dos arcos, mesmo que eventualmente conveniente, flui de maneira natural com um roteiro que não abusa, e até pouco se aproveita, da suspensão da descrença, e constrói seus arcos investigativos de maneira a convergirem em uma mesma ideia, que fortalece os laços de união no momento de necessidade.
A partir da compreensão do que está no entorno de seus protagonistas, e estabelecidas suas problemáticas pessoais e sentimentos, Thunderbolts* os coloca de frente para que enfrentem duas ameaças, uma imediata, muito mais psicológica do que física; e outra mediata, que se arrastará para o futuro, de caráter político – e de maneira muito mais convincente e interessante do que a política superficial do filme anterior, ainda que aqui também não haja tanta profundidade ou o interesse em colocar o dedo em alguma ferida social.
Essa ameaça imediata, psicológica, é justamente o grande ponto alto do filme, na forma de uma grande metáfora para a depressão, algo sobre o qual o terror já tem se debruçado há alguns anos, mas nunca tinha sido trabalhado, ao menos não explicitamente e com tanto destaque, no universo dos super-heróis. A escolha de Nova York para o grande momento final, para tanto, não se deu em vão, ou apenas pelo fato de ser uma das maiores – senão a maior – vitrine norte-americana, mas especialmente pelo aspecto de cidade grande, diversa, e uma verdadeira terra de ninguém, que nunca dorme ou descansa, onde, para muitos, o trabalho vem sempre em primeiro lugar, até mesmo na frente da própria saúde, sobretudo mental.
Os resquícios do 11 de setembro também não restam esquecidos (em especial na cena em que caem os helicópteros), e as próprias batalhas anteriores do MCU também se mostram lembradas no coração dos habitantes da cidade, em pânico quando surge uma sombra escura absorvendo a todos em seus próprios medos. A direção de Jake Schreier, inclusive, não só habilmente é capaz de trabalhar esse caos urbano como também materializa os personagens enfrentando seus demônios internos em conjunto, em uma conclusão até propositalmente anticlimática que mistura a fantasia com a ficção-científica para explorar algo que, ao invés de falado, é construído através da ação diante das câmeras.
Dessa forma, o bem-humorado Thunderbolts*, na medida certa, com uma solução interessante às problemáticas criadas, um elenco que trabalha bem em conjunto (com destaque à sempre ótima Florence Pugh, que por muitas vezes os carrega nas costas; e Lewis Pullman, em sua estreia no MCU, em um personagem complexo até para ser trabalhado dentro do universo), uma direção habilidosa e roteiristas livres para escapar um pouco daquela fórmula engessada tiram deste filme da Marvel aquela cara de produto industrializado em prol de algo que flui mais naturalmente, com temperos novos, e que se concentra no presente, o que verdadeiramente importa. E assim, quando ao final do filme projeta ideias para o futuro, estas são digeridas pelo espectador como uma natural consequência dos eventos que acabaram de ser vistos, tendo esses sido o ponto central, e não a continuidade do universo, como andou acontecendo. É um filme que se fecha muito bem em si mesmo, que conhece de seus personagens, do heroísmo, e se aproveita de todo o contexto em que se insere para uma trama própria e bem encerrada – com boas pontas soltas e oportunidades para continuidade, que por enquanto não são o objetivo (ao menos não do filme).
Avaliação: 4/5
Thunderbolts* (Idem, 2025)
Direção: Jake Schreier
Roteiro: Eric Pearson e Joanna Calo
Gênero: Ação, Aventura, Thriller, Super-Heróis
Origem: EUA
Duração: 126 minutos (2h06)
Disponível: Cinemas
Sinopse: Depois de se verem presos em uma armadilha mortal, uma equipe não convencional de anti-heróis deve embarcar em uma missão perigosa que os forçará a confrontar os cantos mais sombrios de seus passados. (Fonte: IMDB)





Comentários