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CRÍTICA | Depois da Caçada, de Luca Guadagnino (After the Hunt, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • há 6 horas
  • 4 min de leitura

Em Depois da Caçada, Luca Guadagnino deseja nos provocar, a partir de um ambiente onde não existe certo ou errado, e muito menos verdades, mas narrativas fabricadas, em direção ao poder e na busca por ambição.


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No epicentro dos escândalos de assédio sexual que eclodiram ao redor do mundo ao longo da década passada, e especialmente nos Estados Unidos, o movimento Me Too desempenhou função essencial como uma peça de incentivo à mulheres, no sentido de denunciarem as violências e abusos sofridos em seus ambientes de trabalho, especialmente pelas lideranças masculinas, que, acreditando estarem blindadas contra as acusações, perpetraram por anos comportamentos abusivos, reforçando uma misoginia até então pouco mencionada abertamente. Foram nesses escândalos que grandes personalidades da indústria do entretenimento, e de tantas outras, caíram vertiginosamente, como o produtor Harvey Weinstein, um dos mais influentes de Hollywood, especialmente nos anos 2000; o ator Kevin Spacey; e até o fundador da Fox News, Roger Ailes (incidente esse retratado no fraco longa de 2019, O Escândalo, dirigido por Jay Roach).

 

Agora, em 2025, Luca Guadagnino, em Depois da Caçada, propõe um olhar de retorno a essa época de escândalos, com ênfase na Universidade de Yale, uma das mais prestigiosas do mundo, em 2019, na forma de uma sátira pontiaguda na qual usa a provocação ao espectador como combustível para alavancar o desenrolar da narrativa.

 

Toda a sequência inicial, acompanhada por um “tique-taque” de relógio, funciona como uma contagem regressiva, construindo, através do suspense, um ambiente universitário, situado no Departamento de Filosofia, repleto de egos inflados no qual, a qualquer momento, pode, e vai, estourar uma bomba causada por um episódio de assédio sexual.

 

Guadagnino demonstra paciência, porém, para nos situar neste local. Em meio a uma verborragia aborrecedora sobre filosofia contemporânea, debatendo conceitos acerca da moralidade e citando nomes para todos os lados (com uma clara intenção de nos cansar daqueles personagens logo no início), a reunião de amigos – alunos e professores – na casa da protagonista Alma é suficiente para, por meio da mise-en-scene, estabelecer um conflito que se manifesta entre os olhares dos personagens presentes, estes que, para além dela, se estendem para com Hank, professor e amigo de longa data da protagonista; Maggie, aluna de doutorado; e Frederik, marido da protagonista. No entorno destas quatro figuras uma verdadeira bomba é lançada, rumo a profundamente alterar suas vidas, de maneiras inesperadas.

 

Nesse sentido, o diretor rejeita a expectativa, e na contramão de um drama sobre a luta contra a misoginia de uma sociedade patriarcal, conforme esperado inicialmente, pela maneira como nos induz a este caminho, transforma-se da água para o vinho em um thriller no qual a protagonista se vê perdida em uma encruzilhada moral e social, enquanto indecisa sobre ficar ao lado de uma aluna que afirma ter sofrido assédio por parte de um professor; posicionar-se ao lado do suposto abusador, enquanto um de seus melhores amigos; ou ficar “em cima do muro”, e tentar minimizar as chances de se comprometer com qualquer dos lados.

 

O desenrolar da trama, em longas duas horas e vinte minutos, que ocasionalmente soam excessivos, se dilui entre as consequências do conflito estabelecido e um aprofundamento à mente e vida da própria protagonista, enquanto aos poucos nos afundamos em seus “pecados” passados e momentos chave que a levaram a ser quem é. A montagem, assinada por Marco Costa, é eficiente em tornar essa longa duração instigante, na medida que demonstra uma necessidade em apresentar ao espectador quem de fato é Alma, vivida brilhantemente por Julia Roberts, e aproximá-la de Maggie, enquanto ambas, de tão parecidas, aos poucos tornam-se verdadeiras antagonistas uma da outra, tal como mãe e filha disputando por poder e atenção dentro da casa.

 

Dessa maneira, o que num primeiro momento se parece como uma verdade aos poucos se dilui entre as mentiras e feições cada vez mais humanas dos personagens, naturalmente travessos e perversos, manipulando todo o entorno a fim de atingir os próprios objetivos e interesses pessoais, mesmo que seja necessário atropelar ou destruir outras pessoas que estiverem pelo caminho. Não que o fato central, ensejador do conflito, não tenha acontecido, mas quais provas temos de que aconteceu, ainda mais conhecendo os envolvidos mais a fundo?

 

Entre diálogos afiados, e acusações, que ligam passado e presente, sendo lançadas para todos os lados, Depois da Caçada nos deixa com mais dúvidas do que respostas e soluções em relação ao problema que coloca ao centro da mesa de discussão. Na esteira da ambição, em ambientes hostis, e com sede de poder, pessoas se tornam verdadeiros tratores, capazes de passar por cima, sem dó, de tudo aquilo que se encontra a frente, lançando-se ao buraco, e levando outros junto. Nesse sentido, a palavra de ninguém, ao longo da narrativa, torna-se confiável, e cabe ao espectador compreender que não importa a verdade real, mas a narrativa mais convincente. E essa é a aposta de Guadagnino, em seu filme mais polêmico da carreira até então, ao nos situar em um lugar onde ninguém está certo, mas também não está errado – e que, no fundo, não há como saber o que acontece de verdade.

 

Avaliação: 4/5

 

Depois da Caçada (After the Hunt, 2025)

Direção: Luca Guadagnino

Roteiro: Nora Garrett

Gênero: Thriller, Drama

Origem: EUA, Itália

Duração: 138 minutos (2h18)

Disponível: Prime Video

 

Sinopse: Uma professora universitária se vê em uma encruzilhada pessoal e profissional quando uma aluna faz uma acusação contra um de seus amigos, e um segredo obscuro de seu próprio passado ameaça vir à tona.

 
 
 

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