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CRÍTICA | Emilia Pérez, de Jaques Audiard (Idem, 2024)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 4 de fev.
  • 4 min de leitura

Apesar de bem intencionado, Emilia Perez parte de abordagens equivocadas e insuficientes para trabalhar temas relevantes.


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A bem da verdade, Emilia Pérez é como uma grande salada, repleta de verduras e uma quantidade razoável de temperos diferentes, cujo sabor é estranho: por vezes agradável, mas essencialmente amargo. Explico: durante boa parte do tempo não sabemos exatamente o que é ou como definir o longa, que muda seus caminhos, gêneros e transita por diferentes temáticas em um piscar de olhos.

 

A princípio, é muito legal que funcione assim, pois a direção ousada de Jacques Audiard nunca deixa que as mais de duas de duração do filme se tornem enfadonhas, repetitivas ou ao menos previsíveis, sempre com uma surpresa para mudar os rumos. No entanto, por outro lado, em suas mãos, há um punhado generoso de temas para abordar, mas sem necessariamente saber como ou o quanto de tempo dedicar para cada um deles, abrindo o leque através de muitos arcos interligados que nem sempre acabam se fechando ou tendo a atenção que, de fato, merecem.

 

É o caso da própria indecisão sobre quem é protagonista, se Emilia Pérez, que nomeia o longa, ou sua advogada, Rita Moro Castro, a quem realmente cabe o andar da narrativa, através da qual somos introduzidos e puxados adentro daquele universo. Nessa disputa entre as personagens por espaço, seus desenvolvimentos restam prejudicados, por uma dificuldade do roteiro (assinado por Jacques Audiard, e com colaboração de Thomas Bidegain, Léa Mysius e Nicolas Livecchi, adaptando o livro homônimo de Boris Razon) em equilibrar suas posições dentro do que é proposto, sobretudo por parte da advogada, que sempre trabalha muito, mas nunca sabemos exatamente no que.

 

Nisso, parte da temática acerca da transexualidade de Emilia, onde talvez resida um dos (muitos) pontos centrais do longa, também acaba escanteado, para trabalhar seus arrependimentos e a redenção da obscura (e secreta) vida pregressa, cujos esqueletos, desenterrados, são como uma forma de libertação, ou um pedido de desculpas pelo que fizera enquanto líder do cartel – algo, inclusive, construído de forma bastante simplista, enquanto não existem consequências e muito menos desconfianças por parte daqueles que a conheciam na outra vida. É algo que vale tanto para os negócios quanto para o aspecto pessoal, cuja metáfora não se fecha por completo, especialmente nesse segundo ponto, onde se encontra a personagem de Selena Gomez (sem dúvidas o membro mais fraco do elenco, e sempre superestimada, ainda mais cantando).

 

Todos esses conflitos e indecisões da narrativa caminham para nos levar à um desfecho que, na contramão da ousadia, chega ao lugar comum, enfraquecendo o próprio atributo da imprevisibilidade, o qual certamente mais segura o espectador à narrativa. É um encerramento fraco, pouco emocionante, seja pela timidez em filmar a ação, que não dá valor ao potencial de tensão; e seja em como articula uma grande revelação em seus últimos momentos, sem dar tempo para que se construa um clima mais emotivo.

 

De maneira parecida com o que Todd Philipps fez em Coringa: Delírio a Dois, Audiard insere o musical na narrativa em uma mescla entre o realismo e a fantasia, utilizando-o como forma dos personagens se expressarem, com seus corpos e para além dos pensamentos. Apesar de interessantes, e parte dessa ousadia da obra, muitos desses momentos também servem como forma de debater temas relevantes, mas sem interesse de se aprofundar, como corrupção e até misoginia, o que soa como “fazer apenas por fazer”, repleto de discursos prontos – vide o excelente primeiro número musical, e também o do baile beneficente, talvez o melhor de todos.

 

Dessa maneira, em um mar de ideias, e uma verdadeira salada que os mistura, Emilia Pérez se beneficia muito da montagem e do musical para tornar sua narrativa dinâmica e instigante ao espectador, na contramão de todos os seus problemas, sobretudo de desenvolvimento e profundidade.

 

Entretanto, apesar dos talentos de Zoe Saldaña e da agora polêmica Karla Sofia Gascon, suas escalações apenas reforçam um teor equivocado da obra: apesar de falada em espanhol e tratar da cultura mexicana, não existem mexicanos envolvidos com a produção. Do elenco norte-americano, com descendência latina, à até espanhóis (como a própria Karla), a direção e equipe francesas, pouco interessadas em conhecer verdadeiramente o México, nos deixam uma impressão estereotipada de um país terrivelmente violento e afundado em pobreza e práticas criminosas, e um povo sem perspectiva de sucesso, que encontra na trapaça e no crime um meio de ganhar a vida.

 

É um retrato muito problemático para os tempos atuais, em que buscamos uma pluralidade de ideias e visões, enquanto diante de um filme que, a partir do olhar europeu, baseado no livro de Boris Razon (francês, assim como os roteiristas, diretor e produtores) fala de um país latino-americano sem sequer conhece-lo ou ouvir aos seus residentes locais, se contentando em perpetuar aqueles velhos clichês e estereótipos que tentamos desconstruir. É compreensível a revolta do povo mexicano em relação ao longa, e certamente me sentiria da mesma maneira se assim, em contexto semelhante, representassem o Brasil, sob um pretexto progressista, que, no fundo, revela o ápice da visão colonialista.

 

Avaliação: 2/5

 

Emilia Pérez (Idem, 2024)

Direção: Jacques Audiard

Roteiro: Jacques Audiard, Thomas Bidegain, Léa Mysius e Nicolas Livecchi, adaptado de Boris Razon (livro)

Gênero: Drama, Thriller, Musical

Origem: França, Bélgica, México

Duração: 132 minutos (2h12)

Disponível: Cinemas

 

Sinopse: No México, uma advogada recebe uma oferta inesperada para ajudar um temido chefe de cartel a se aposentar de seus negócios e desaparecer para sempre, tornando-se a mulher que ele sempre sonhou ser. (Fonte: IMDB)

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