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CRÍTICA | Sonhos de Trem, de Clint Bentley (Train Dreams, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • há 4 dias
  • 4 min de leitura

Sonhos de Trem explora melancolia na solidão de um lenhador no interior dos Estados Unidos, em narrativa poética que aproveita da contemplação para questionar o verdadeiro significado da vida.


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O destino da solidão pode ser uma bênção ou uma maldição a depender da companhia, e de quem se fala. Às vezes, é melhor encontrar-se sozinho do que com pessoas que sugam sua energia, e destroçam os melhores dos sentimentos e emoções; e, por outro lado, pode, também, ser devastadora.

 

Por certo aspecto, a solidão não era algo que verdadeiramente incomodava Robert Grainier (muito bem interpretado por Joel Edgerton) em seus dias como lenhador, nômade, andando de cidade em cidade em busca de trabalho. Tendo crescido sem os pais, e sem uma família a quem verdadeiramente se prender ou dedicar, basicamente aprendeu tudo o que sabia sobre a vida e o mundo por conta própria, através da vivência e de um cotidiano muito singular. A partir do momento em que constitui, então, já adulto, uma família para chamar de sua (esposa e filha), que ele mesmo escolhe, uma visão de mundo sofre uma transformação. Se antes pouco interessava onde se encontrava, ou o que fazia e observava, a preocupação surge quando existe uma necessidade – e sobretudo, vontade – para voltar.

 

Em uma viagem através do tempo, e entre o interior dos Estados Unidos no final do século XIX e XX, Clint Bentley não apenas conduz essa narrativa através de Grainier em frente à câmera, mas construindo, a partir da imagem, sentimentos, com base em fragmentos da vida deste homem. A narração “em off”, na forma de um narrador observador, pode soar, em alguns projetos, como um recurso preguiçoso da direção, ou meramente econômico para não precisar mostrar tanto do que se deseja contar, mas aqui se revela essencial para o elemento poético que o diretor se compromete a trabalhar com.

 

Enquanto um simples operário, responsável por derrubar árvores para se produzir madeira, e auxiliar na construção de pontes e ferrovias, o trem é uma espécie de linha da vida, que segue, sem parar, em trilhos retos, a todo vapor, com o destino se colocando a frente, como as chamas com as quais sonha, interrompendo caminhos e desviando-se de outros. Nesse sentido, a montagem desde cedo já antecipa a ocorrência de uma tragédia futura, porém não se apressa. O filme leva o tempo que precisa para elaborar essa rotina do protagonista a partir de fragmentos da vida que leva, do trabalho que faz, e de seus momentos com a esposa e filha, quando em casa após longas viagens e temporadas de trabalho árduo.

 

Quando o pior acontece, entretanto, Grainier novamente é obrigado a enfrentar a solidão, porém não mais como uma colega que o acompanha, mas sim um fardo para carregar ao longo da vida, e uma incerteza sobre a qual, no fundo, sabe a resposta.

 

Bentley, por diversas oportunidades, reafirma seu compromisso de imersão para com o espectador, a partir desses fragmentos de uma vida que ilustra ao longo de seus cem minutos de duração. Apesar da estética formalista, o diretor nunca enrijece sua câmera, que, pelo contrário, sente-se sempre livre para transitar pelos ambientes, como se acompanhássemos o narrador-observador, e com ele déssemos asas à criatividade e curiosidade de viver naquele universo, ambiente e tempo específico. Tudo isso igualmente é fruto do excelente trabalho de fotografia do brasileiro Adolpho Veloso, fundamental para a exploração da vastidão daquele mundo, aos olhos de um protagonista que convive, ao longo de seus oitenta anos de vida, com a solidão, enxergando-se como um ser pequeno em relação à tudo o que há no entorno, entre as árvores centenárias, montanhas, pradarias e, posteriormente, prédios.

 

Ao mesmo tempo que convive com a dor, e luta para sobreviver aos sentimentos, Sonhos de Trem também se volta a enxergar os Estados Unidos e suas transformações através do olhar de Grainier, um experiente observador. Da xenofobia ao racismo, e das evoluções tecnológicas à expansão das grandes cidades, o filme, a todo tempo, busca por transbordar os limites de seu protagonista ao longo da projeção, moldando-o com base em vivências e na reinvenção de um mundo em constante mudança. É, nas sábias palavras de Mike Flanagan, “um gentil poema sobre o tempo, perda e a busca por significado”. No final, toda essa grande dúvida sobre o caminho certo se responde precisamente nos trilhos em que segue – afinal, o futuro não cabe a ninguém, a não ser ao tempo.

 

Avaliação: 4/5

 

Sonhos de Trem (Train Dreams, 2025)

Direção: Clint Bentley

Roteiro: Clint Bentley e Greg Kwedar, adaptado de Denis Johnson (livro)

Gênero: Drama

Origem: EUA

Duração: 102 minutos (1h42)

Disponível: Netflix

 

Sinopse: Robert Grainer, um homem comum que vive em tempos extraordinários, trabalha como lenhador no oeste americano no início do século XX. Atingido pela morte entes queridos, ele luta para se adaptar ao novo ambiente, e observa o mundo em transformação ao seu redor.

 
 
 

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