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CRÍTICA | Um Completo Desconhecido, de James Mangold (A Complete Unknown, 2024)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 27 de fev.
  • 4 min de leitura

Em um recorte dos primeiros anos da carreira, Um Completo Desconhecido tenta compreender quem é Bob Dylan.


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Algo que fica bastante nítido, através de uma análise da filmografia de James Mangold, é que quando assume a produção de uma cinebiografia, não é meramente por fazer, em termos financeiros, mas sim porque nutre algum carinho ou interesse pela persona biografada. Há quase duas décadas, em Walk The Line, filme que conta sobre a vida do cantor country Johnny Cash, o cineasta demonstrou uma preocupação genuína em levar a identidade do músico para dentro da obra, indo muito além do mero retrato daquilo que ele fez ou o legado que deixou, mas explorando com profundidade suas qualidades e defeitos, como um ser humano, e não apenas um astro musical.

 

Em Um Completo Desconhecido, Mangold provou um sentimento de saudade em dirigir uma obra parecida, com um estilo semelhante, e assim buscou por reproduzir uma mesma fórmula para contar sobre parte da vida de Bob Dylan.

 

Pode não parecer a melhor das maneiras falar sobre um filme estabelecendo outro como base de comparação – até porque são diferentes -, mas nesse caso é muito difícil quando o segundo parece ancorar-se, precisamente, nos mesmos pilares do primeiro, seja por um aspecto temporal, com seu recorte limitado aos anos 1960, ou mesmo pela maneira como o roteiro de Mangold e Jay Cocks articula a jornada do protagonista em meio ao início de sua carreira, e seus primeiros anos de sucesso, entre triângulos amorosos e uma busca por uma identidade como profissional.

 

Acontece que é nessa ideia de seguir na mesma linha do longa sobre Johnny Cash que Um Completo Desconhecido escorrega. Apesar de ambos buscarem por uma construção abrangente de seu protagonista, o objetivo estabelecido pela narrativa de Walk The Line muito bem se traduz em seu título nacional, Johnny e June: o início da carreira de Cash e sua paixão antiga e ardente pela cantora June Carter, com quem foi casado durante mais de 60 anos.

 

Deixando Cash um pouco de lado – afinal, não estamos falando do filme dele -, o longa de Bob Dylan não tem esse objetivo estabelecido desde o princípio. Pelo contrário, durante boa parte de sua projeção não parece ter qualquer objetivo claro, e menos ainda temos alguma ideia de onde pretende se encerrar, e qual faceta de seu protagonista busca por trabalhar. Ao longo do período que estabelece como o recorte temporal, entre 1961 e 1965, Mangold novamente repete a dinâmica do triângulo amoroso, sob uma decupagem que busca inserir os envolvidos dentro de um mesmo plano, enfatizando os ferimentos recíprocos produzidos, especialmente às mulheres (Sylvie Russo e a cantora Joan Baez), que parecem amar e se relacionar com um homem incapaz de encontrar a si próprio.

 

A mise-en-scène dos palcos, e a fotografia que destaca a luz intensa entre Bob e Joan, e posteriormente apenas ao protagonista, revela em Dylan uma necessidade de compreender a si mesmo. Acaba que, ao olhar-se no espelho, e para trás em sua ascensão meteórica rumo a fama, o personagem percebe que não sabe quem é. Acaba que, para si e para todos ao redor dele, Bob Dylan é como o título sugere, Um Completo Desconhecido, que busca constantemente pela própria identidade, pessoal e sobretudo musical, a ser atribuída por si a si próprio, e não por terceiros para agradar a um gosto geral e atender expectativas.  

 

Acontece que a jornada até então é longa e por vezes, incerta. O filme busca por uma resposta sobre quem é Bob Dylan quando nem mesmo o próprio Bob Dylan conhece a resposta – e creio que se mantenha assim até hoje. E, apesar de em um primeiro momento essa ideia soar amarga e indigesta, pouco a pouco parece começar a fazer algum sentido, justamente pela resposta ser, ao final, inconclusiva. Assim, o longa de Mangold, diante dessa impossibilidade de responder à questão, coloca à mesa uma noção daquilo que influenciou Bob a se tornar, hoje, quem é, ou o que é, seja pelos envolvimentos em causas sociais, por meio de suas músicas – com destaque aos processos criativos -; por suas inspirações no meio folk, através de Woody Guthrie e Pete Seeger (este muito bem vivido por Edward Northon); e até mesmo em sua amizade com Johnny Cash (onde Mangold demonstra novamente seu carinho pelo cantor e saudade do outro filme, ainda que aqui o astro seja vivido com bastante exagero e forma muito caricatural por Boyd Holbrook).

 

E apesar de alguns excessos na caracterização do protagonista aqui e acolá, a alma do projeto em frente às câmeras pertence ao sempre talentoso Timothée Chalamet, enquanto preocupado com a autenticidade de sua interpretação deu voz à praticamente toda a trilha musical do longa, junto de Monica Barbaro como Joan Baez.

 

Assim, James Mangold não consegue necessariamente repetir o brilhantismo de sua outra biografia, mas mantém a abrangência e a profundidade como princípios na maneira como retrata Bob Dylan a partir de sua identidade, ou da busca por ela, nos primeiros anos de sua carreira, sem se preocupar com o passado ou a vida pretérita do artista. E essa fascinação do diretor por este universo musical dos anos 60 é algo que também me fascina, não apenas pelo nascimento do melhor da música norte-americana, em minha opinião, mas pela atenção aos detalhes e da construção daquele clima de tensão política, social e até mesmo pessoal na qual se os personagens estão imersos, o qual me permitiria acompanhar por mais muitas horas essa jornada de Dylan, ou mesmo de Cash, ao longo dos anos.

 

Avaliação: 3.5/5

 

Um Completo Desconhecido (A Complete Unknown, 2024)

Direção: James Mangold

Roteiro: James Mangold e Jay Cocks, adaptado de Elijah Wald (livro)

Gênero: Drama, Biografia

Origem: EUA

Duração: 141 minutos (2h21)

Disponível: Cinemas

 

Sinopse: Em 1961, um desconhecido Bob Dylan, de 19 anos, chega à cidade de Nova York com seu violão e cria relações com ícones musicais em sua ascensão meteórica, culminando em performances inovadoras que reverberam no mundo todo. (Fonte: IMDB - Adaptado)

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