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IX MORCE-GO VERMELHO | Retratos do Apocalipse, de Nicanor Loreti, Fabian Forte e Luca Castello (Retratos del Apocalipsis, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 6 de nov.
  • 5 min de leitura

Com orçamento limitado, a antologia argentina Retratos do Apocalipse trabalha zumbis no seio das relações familiares, em quatro segmentos assinados tanto por cineastas veteranos quanto iniciantes em um exercício de horror competente.


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Os longas-metragem no formato de antologias geralmente costumam seguir por uma “regra geral”, na medida em que, segmentados, apresentam diferentes histórias compiladas por um eixo temático ou fio condutor, tratando-se, na verdade, de uma série de curtas-metragem. É que, inevitavelmente, uns acabarão sendo mais interessantes do que outros, seja por aquilo que deseja contar, por como foi escrito, pela direção responsável, ou outros inúmeros fatores. Sempre digo que são raríssimos os casos de todas as histórias estarem em um mesmo nível ou serem genuinamente boas na mesma medida – é como comparar dois, três, quatro curtas-metragem, e considerar que, provavelmente, pelo menos um se destacará mais positivamente em detrimento dos demais, ainda que todos de qualidade.

 

Com Retratos do Apocalipse não foi diferente dessa espécie de “regra geral” das antologias. Juntando três cineastas argentinos apaixonados pelo horror – os veteranos Nicanor Loreti e Fabian Forte, e o estreante em longas Luca Castello -, a proposta advém da exploração, em quatro histórias, de uma Buenos Aires tomada por zumbis, em seus diferentes momentos, e abordando, igualmente, distintas temáticas dentro de um contexto apocalíptico.

 

Já experientes, e acostumados a trabalhar com baixo orçamento, o resultado de Retratos do Apocalipse de certa maneira transparece a contenção dos gastos, no entanto se esforça ao máximo para, além da estética cuidadosa, construir esse universo de zumbis através de visões mais intimistas e direcionadas às relações familiares, à convivência humana, e com uma câmera muito direcionada aos interiores. Ao invés de grandes sequências de ação em meio à cidade devastada, e aqueles típicos clichês do subgênero, aqui se propõe uma série de subversões em quatro curtas-metragem, que vão desde o início da infecção até seu epicentro, e trabalhando sempre com elementos do terror aliados à temática zumbi, desde um thriller criminal, ou um “terrir” até a estética “found footage” ou mesmo um drama de possessão.

 

No primeiro segmento, “Assassinato na Cena do Crime” (tradução livre), acompanhamos uma policial aparentemente envolvida em esquemas de corrupção modificando e reconstruindo uma cena do crime que investiga, enquanto conversa consigo e uma voz em sua cabeça. A direção de Nicanor Loreti aos poucos a desconstrói a partir de seus planos cada vez mais fechados nela, e na maneira como movimenta sua câmera pelo cenário, enquanto coloca em xeque a integridade física e mental, e sobretudo a competência da personagem naquilo que tenta fazer. Até certo ponto, é bastante divertido pela violência exagerada e pelo ar cômico, que passa a se desgastar, e termina de encontro à temática central da obra. É como uma introdução ao espectador para a entrada naquele universo, ficando de frente com zumbis.

 

Já o segundo segmento, “Ratos”, é o ponto alto da antologia – o qual verdadeiramente aborda a temática zumbi, e a explora diante da tela, na medida em que o primeiro apenas sugere sua existência, como uma espécie de prelúdio. É no interior de uma residência que o medo de uma senhora idosa com ratos acorda toda uma família, que teme encontrar o bicho escondido na dispensa escura. Com excelentes doses de humor, Fabien Forte faz com que uns joguem a responsabilidade nas costas dos outros, enquanto ninguém tenta verdadeiramente resolver o problema. A medida em que a situação avança, tornando-se mais constrangedora, a infecção revela-se, porém, já estar dentro da casa. O aspecto claustrofóbico das transformações, aliada à maneira como direção se aproveita da residência acolhedora, fruto da direção de arte que a constrói como uma espécie de “casa de vó”, para provocar o espectador torna a experiência ainda mais angustiante, sobretudo quando a família passa a corroer em meio à violência extraordinária, parte também do capricho na maquiagem e efeitos práticos. É um curta que implode um ambiente familiar pacato a partir do absurdo e do ambiente externo, em uma mistura muito eficaz do horror com a comédia.

 

O terceiro segmento, “Rubí”, assinado pelo trio de cineastas em conjunto, trabalha sob o “found footage” ao abordar o desgaste das relações familiares em meio ao apocalipse zumbi, à necessidade de se resguardar, ficar escondido, e sobretudo, gerenciar os próprios recursos, escassos, para sobreviver. A partir de uma câmera analógica, uma mulher grávida faz relatos em vídeo para guardar ao filho prestes a nascer. Em uma virada narrativa que alia as questões de sobrevivência à violência doméstica, aos poucos os diretores passam a demonstrar o relacionamento abusivo que vive com o marido dentro de uma casa isolada do mundo. Ainda que tematicamente interessante, a forma engessada, de planos estáticos e longos monólogos, impede que a crítica se torna mais eficaz, enquanto, na realidade, mostra-se cansativa pela monotonia, apesar da violência psicológica. E quando finalmente parece tomar um rumo mais poderoso, toda a ação se desenrola por fora do olhar do espectador, e apenas na experiência sonora, o que não a torna tão aflitiva ou provocativa quando deseja ser, reduzindo o impacto ao apenas sugerir.

 

Por fim, o quarto e último segmento, “O Rei dos Condenados”, propõe de maneira ousada uma reunião entre a possessão demoníaca com os zumbis, em um momento no qual a epidemia já se encontra mais do que estabelecida e espalhada pela cidade. É o momento de um pai enlutado pela morte do filho pequeno tentar reencarná-lo em um zumbi, acorrentado nos fundos de uma casa escura, sem perceber que o ritual realizado, na verdade, o leva a outros fins. Apesar da ideia interessante, é também o curta mais vazio – pela inexperiência de um diretor ainda iniciante como Luca Castello, e pela forma como se desenvolve sempre ancorado em escolhas narrativas e de direção bastante seguras, já trabalhadas em obras parecidas. Mesmo que esteticamente muito bem elaborado, desde a maquiagem, os olhos escuros, as possessões e a ambientação, pouco acaba surpreendendo pelos caminhos que segue, trilhando para algo mais interessante nos momentos finais, justamente quando acaba.

 

Ainda que sozinhos os segmentos possam encontrar fragilidades, em conjunto Retratos do Apocalipse oferece uma reflexão de desespero sob pontos de vista menos explorados pelos filmes de zumbis, ainda mais quando concentra sua atenção às dinâmicas e ambientes familiares, e menos à ação propriamente. É um filme cujos três realizadores que o assinam demonstram saber contornar as limitações orçamentárias e ainda assim manter uma estética visual muito bem elaborada, mesmo que nem todas as ideias funcionem tão bem. De toda forma, é uma antologia argentina bem legal, explorando os zumbis em uma perspectiva diferente.

 

Avaliação: 3/5

 

Retratos do Apocalipse (Retratos del Apocalipsis, 2025)

Direção: Nicanor Loreti, Fabian Forte e Luca Castello

Roteiro: Nicanor Loreti, Fabian Forte e Luca Castello

Gênero: Terror, Thriller, Comédia

Origem: Argentina

Duração: 90 minutos (1h30)

IX Festival Morce-GO Vermelho

 

Sinopse: O filme retrata uma Buenos Aires infestada de zumbis através de quatro histórias interligadas, explorando a confusão do surto, o caos subsequente e a luta da humanidade para sobreviver ao impossível.

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