IX MORCE-GO VERMELHO | Um Conto de Pescadores, de Edgar Nito (Un Cuento de Pescadores, 2025)
- Henrique Debski

- 21 de nov.
- 4 min de leitura
A maldade e o egoísmo humano movem a invencível antagonista mitológica de Um Conto de Pescadores, enquanto se fortalece a partir do pecado.

A tradição hollywoodiana do horror de maldição, como durante muito tempo, e ainda hoje, perdura em diversas produções, quase anualmente, se constrói na intenção da pessoa amaldiçoada buscar, de alguma maneira, pela quebra da maldição e o enfrentamento da entidade sobrenatural que a persegue. Na contramão dessa cartilha, o cinema de horror latino-americano tem, cada vez mais, demonstrado a inversão desta proposta, e o uso do estilo na materialização de suas lendas em contextos e ambientes sócio-políticos afiados.
É o que fez, por exemplo, o interessante longa guatemalteco La Llorona, em 2019, cuja proposta de Jayro Bustamante foi de abordar a personagem da mitologia local no contexto do julgamento de militares, responsáveis pela morte de milhares de pessoas durante a ditadura no país, décadas antes.
Trilhando um caminho muito semelhante, o mexicano Un Cuento de Pescadores leva o espectador a uma remota vila no interior do México, habitada por pescadores e demais pessoas que vivem deste mercado. Em um filme que busca estritamente pela abordagem pessoal das figuras que retrata, na valorização da cultura local, costumes e relações entre os personagens, o cineasta Edgar Nito parece situar sua narrativa no presente, mas longe dos telefones celulares, internet ou qualquer outra forma de tecnologia. Trata-se de histórias intercaladas, de residentes daquele vilarejo, e as relações que firmam entre si, para o bem e para o mal.
Na contramão dessa tradição hollywoodiana de mocinhos e vilões, a direção jamais volta sua atenção a pessoas buscando pelo enfrentamento da ameaça mitológica que os circunda, ou mesmo de um aspecto vilanesco da criatura da lenda. Pelo contrário, na maior parte das vezes, apesar de mencionada, nunca é levada a sério, e menos ainda considerada como uma possibilidade de ser parte dos motivos que os levam à desgraça.
Mas apesar da descrença pessoal, a Miringua definitivamente faz parte da história e da cultura daquele povo. Alguns relatam tê-la visto à espreita, ou que ela foi responsável pela morte de algum conhecido, mas sempre boatos e falácias típicas, sem qualquer base verdadeira. E na maior parte das vezes, verdade seja dita, é de fato apenas uma observadora daquele cenário naturalmente problemático, quase sem a necessidade de intervir, sabendo que, mais cedo ou mais tarde, poderá se alimentar daqueles corpos que facilmente cairão sob seu prato, nas águas do lago.
Por outro lado, em outros momentos ela, sim, intervêm nos cursos daquelas vidas, entrando nas mentes dos mais fracos enquanto se passa por uma bela garota; ou arrastando brutalmente outros ao próprio território, e até semeando o caos por meio de alucinações que fazem com que uns acreditem estar enlouquecendo. Fato é que sua atuação como agente do caos apenas acende o fogo deste horror, enquanto delega ao ser humano a maior parte da maldade, que, ao invés de se unir, prefere depositar as próprias mágoas, medos e incertezas nas costas alheias, demonizar seus iguais, e começar uma caça às bruxas, que somente a fortalece. Nito filma a criatura sempre observando aquelas pessoas, de longe, tal como um predador observa a presa, pacientemente antes de atacar.
Muito do terror de Un Cuento de Pescadores se dá justamente pela fotografia de Juan Pablo Ramírez, que capta com exatidão da escuridão na qual se esconde a antagonista, enquanto todos estão vulneráveis a serem amaldiçoados pela Miringua na medida em que trabalham naquele lago, e convivem naquela comunidade, ao passo que a mixagem de som, com o barulho da água, da madeira das canoas e dos peixes não apenas é responsável por colaborar na imersão, bem como cria apreensão pelo sutil barulho assustador da criatura.
No entanto, enquanto trabalha a maldade humana como a verdadeira maldição que move a Miringua, como um castigo, existe uma dificuldade do texto em nos tornar mais íntimos daqueles personagens, naquela realidade que tão cuidadosamente busca construir. A partir de uma montagem que intercala a todos os arcos simultaneamente, e busca estabelecer seu clímax ao mesmo tempo, há de sentir uma espécie de distância que se forma entre o espectador e aqueles personagens, que não possuem tempo suficiente para se aprofundar em apenas noventa minutos de duração, e acabam movidos, na verdade, a apenas características um tanto mais básicas, que norteiam seus arcos e os levam aos seus destinos, em um desfecho poético e catártico, que poderia se fortalecer se houvesse mais dessa aproximação.
Ainda assim, Um Cuento de Pescadores é eficaz nessa abordagem que coloca a maldade humana como o atrativo da criatura antagonista, que os castiga através da violência, e amaldiçoa a todos enquanto prejudicam uns aos outros. Como bem é dito desde o princípio, é uma antagonista impossível de se enfrentar, e quando de frente para com ela, resta apenas rezar e, acrescento, se arrepender.
Avaliação: 3/5
Um Conto de Pescadores (Un Cuento de Pescadores, 2025)
Direção: Edgar Nito
Roteiro: Edgar Nito e Alfredo Mendonza
Gênero: Terror, Thriller, Drama
Origem: México
Duração: 103 minutos (1h43)
IX Festival Morce-GO Vermelho
Sinopse: A lenda diz que, há muito tempo, a natureza vivia em harmonia ao redor do lago, até que o mal chegou. Homens, cegos por desejos sombrios, trouxeram medo, ódio e morte. Os pescadores a chamam de La Miringua, aquela que te arrasta para o lago por seus pecados.





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