XXI FANTASPOA | O Instinto, de Juan Albarracín (El Instinto, 2025)
- Henrique Debski
- há 6 dias
- 3 min de leitura
Em O Instinto, Juan Albarracín escapa da fórmula óbvia de invasão domiciliar com um thriller que transforma o ambiente seguro em ameaça.

Nos primeiros momentos de O Instinto, acompanhamos imagens antigas de pessoas adestrando cães, enquanto uma narração, ao fundo, explica os estágios do adestramento, e reforça, por mais de uma vez, a necessidade de um comportamento coercitivo por parte do adestrador, como forma de garantir a eficácia do processo.
Logo em seguida, somos introduzidos ao protagonista, Abel, muito bem vivido por Javier Pereira, que vive em uma casa isolada, no interior da Espanha, e afastado de praticamente todo e qualquer contato humano. Em sua residência auto subsistente, o personagem, junto de seu cachorro, encontra conforto em trabalhar como arquiteto e lidar com sua condição de agorafobia, enquanto mantém para si os demônios de um passado conturbado.
No entanto, seu emprego está por um fio. Apesar da competência em desempenhar a função, Abel precisará comparecer à sede da empresa, na cidade grande, e aos poucos retornar a uma vida anterior, sem o isolamento. Desesperado, precisará encontrar uma maneira urgente de se sobrepor à agorafobia – justamente o momento em que José, um adestrador de cães, muito bem na pele de Fernando Cayo, aparece em sua vida, com a promessa de que o treinará para vencer a condição, a partir de um tratamento intenso e pouco ortodoxo, mas capaz de gerar bons resultados.
É justamente quando percebemos a relação entre a sequência inicial, reprisada em algumas oportunidades como forma de dividir a narrativa em capítulos, e o drama vivido pelo protagonista, diante da premente necessidade em que se encontra de vencer os próprios medos.
De início, tudo corre muito bem. De fato, José, que se muda temporariamente para a residência de Abel, parece um bom treinador, enquanto consegue, com certa rapidez, incentivar que o protagonista se liberte das próprias amarras. No entanto, por óbvio, aos poucos os eventos começam a se tornar um pouco mais sombrios do que o esperado.
Diante de toda a base construída pelo filme, tanto o roteiro quanto a direção, assinadas pelo jovem e talentoso Juan Albarracín, em seu primeiro longa-metragem, surpreendem pela maneira como evitam, ao máximo, a verbalização dos sentimentos e dos acontecimentos. Os diálogos servem apenas como instrumentos de comunicação dentro da relação criada entre treinador e treinado, e em poucas oportunidades oferecem uma abertura dos sentimentos e sensações do personagem principal, ou mesmo de suas intenções, quando é justamente na imagem que o diretor busca trabalhar tais elementos.
A montagem, dessa maneira, assume uma função primordial em nos imergir na mente daquele homem nitidamente perturbado com a vida, passada e presente, que luta a todo tempo contra si mesmo para tentar vencer seus próprios medos, que sempre acabam se sobrepondo. Em suas saídas ao próprio quintal da residência, a paranoia de ser observado, o desespero da necessidade de alguma interação, a ansiedade em não estar em um ambiente controlado são trabalhados por uma câmera que gira em torno dele, cuja imagem acende e escurece, desesperadamente. Nessas mesmas condições, flashes de seu passado, tratados como memórias de momentos traumáticos da infância/adolescência, surgem no formato de um quebra-cabeças em que o espectador, ao longo da projeção, vai construindo para compreender, aos poucos, a razão de Abel se sentir daquela maneira.
Na medida em que avança, a própria dinâmica de cores do filme, majoritariamente composta por um verde azulado ao protagonista e à casa, se altera para um vermelho amarelado, como demonstrativo de que sua residência, então, torna-se uma ameaça – uma prova de que talvez o tratamento até funcione, mas não exatamente da maneira esperada.
Dessa forma, O Instinto trabalha sob a ideia de extremos, quando uma situação traumática colocou, ao longo da vida, o protagonista no fundo do poço, e, para remedia-la, outro contexto de extremo o obrigou a sair daquele buraco. Idealizado por um cineasta jovem, e com notável boa visão de cinema, e tratamento da imagem, apesar de seu apelo convencional, estamos diante de um filme que sabe escapar da fórmula óbvia da invasão domiciliar de maneira inteligente, sobretudo ao se aproveitar do cenário, delimitado e muito bem estabelecido, para ressignifica-lo ao protagonista e ao espectador, trabalhando o ambiente seguro como forma de ameaça para se vencer uma condição. Uma excelente surpresa.
Avaliação: 4/5
O Instinto (El Instinto, 2025)
Direção: Juan Albarracín
Roteiro: Juan Albarracín
Gênero: Thriller, Drama
Origem: Espanha
Duração: 92 minutos (1h32)
XXI Fantaspoa (Mostra Ibero-Americana)
Sinopse: Abel, um arquiteto agorafóbico que precisa desesperadamente de uma cura, se submete à terapia experimental de José, um treinador de cães de caça. (Fonte: Fantaspoa)
Commentaires